Joaquim Felício
Achava-se ele nos seus belos Tusculentos no
Biribiri, quando se agravou sua moléstia. Ali residia há muito anos,
deleitando-se naquela sociedade humilde de operários e patrões fundamentalmente
católicos, só invejando-lhes, a fé e o amor a Jesus Cristo, manifestado em
comunhões frequentes. Seus dois irmãos mais velhos, meu pai e o bispo,
amavam-no com ternura, amavam no todos os residentes e os numerosíssimos visitantes.
Ninguém procurava diretamente induzi-lo á prática dos sacramentos; oravam todos
com fervor, e esperavam o gesto da graça. Veio a ela e eis como:
“A casinha, onde morava ele era defronte da
capela; do leito, donde já pouco se levantava, podia vê-la repleta sempre nas
missas e devoções.
Um dia em que ficara sé em casa, enquanto iam
todos a missa, súbita tempestade com vento rijo desencadeou-se sobre o
Biribiri. Lembraram-se que haviam abertas as janelas da casa do doente, e viram
espalhados pelo vento os papeis e objetos leves do quarto.
Querendo reuni-los e por em ordem, viram
sobre o peito do doente um pequeno papel: iam tirá-lo quando disse ele com
meiguice e ternura:
“Deixem. O vento soprava forte desprendeu-o
dali, da parede...E ele revoluteou sobre mim, e caiu aqui sobre o meu coração
... Deixam o aí...”
Era uma pequena imagem, em papel, representando
o Sagrado Coração de Jesus!
Poucos dias depois, ele mesmo, espontaneamente,
pedia a um santo sacerdote lazarista, o padre Germe, que ouvisse a sua confissão.
No dia seguinte, recebeu em viatico a
Comunhão.
Avalia-se que festa foi esse dia em Biribiri!
Não houve uma alma que não regozijasse como de uma grande graça recebida!
E continuou por bastante tempo a sua prática
dos sacramentos, ás vezes recebendo a Comunhão das mãos de seu santo irmão,
acolitado pelo outro irmão mais velho> Imagine-se a sublimidade desta cena!
Era uma irradiação perene de divinização perene
aquele ilustre cidadão, pregado no seu ecúleo de sofrimento corporal, e com o
espírito consolado, tranquilo, alado as regiões da paz de Jesus Cristo, apostolando
pelo exemplo da mais edificante paciência.
Foi necessária uma intervenção cirúrgica – a abertura
de uma grande coleção de pus na fossa ilíaca, abcesso ossifluente de carie
tuberculosa...
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Vieram os médicos, prepararam tudo para a operação. Transportaram-no para a mesa, e iam administra-lhe o clorofórmio...
- Não – disse – ele. Não quero anestésicos...
-Mas, doutor – disse o médico - a operação é
longa, havemos de fender os tecidos, camada por camada...
- É uma temeridade. A operação será muito
dolorosa, sofrerá muito.
- Não tanto como o nosso Redentor na Cruz.
Aspire ao menos um pouco de Clorofórmio...
Não. Para Jesus Cristo no Calvário não houve clorofórmio,
houve fé! E vinagre. Deixem-me sofrer, por meus pecados, unido a Ele na Paixão.
E suportou a operação que o aliviou por algum
tempo.
Após alguns meses de tormentos purificadores,
cauterizantes, sempre suportados com admirável paciência e resignação
religiosa, fortificado com todos os sacramentos, entregou a sua bela alma a
Deus.
Tendo sido um dos fundadores da fábrica, foi
sepultado a teu pedido, na porta da capela de Biribiri... onde – aí! – habitava
então Jesus Sacramentado...
Depois, quando já cessara ali a permanência
da Eucaristia, foram os restos mortais de Joaquim Felício, a expensas e por
voto unânime da municipalidade, removido para a igreja de São Francisco, na cidade.
Não podem estar melhor que sob a invocação do
seráfico e humilde pobre de Assis.”
Dr. Antônio Felício dos Santos, em Casos Reais
a Registrar.
A Estrela Polar, pág. 1, nº 32, 6 de Agosto,
Diamantina-MG, 1944
O periódico jornal "O Momento",2 de Setembro de 1922, notícia a morte de Joaquim Felício dos Santos e a comoção que trouxe ao povo diamantinense. Também descreve os seus artigos publicado no periódico jornal "O Jequitinhonha".
"Jornalista surgiu por entre as colunas de um periódico que o seu nome celebrizou, despedindo raios contra o velho edifício das instituições monárquicas, e a sua pena fulgurante transformou-se em clava poderosa, que aterrava os adversários, clareando as suas numerosas falanges.
Fremem ainda hoje as páginas do velho Jequitinhonha, aviventadas pelo entusiasmo e pela pureza de crenças, com que Joaquim Felício traçava seus magistrais artigos. Sob aqueles períodos enérgicos, causticantes como o ferro em brasa, advinha-se o pulso gigante do trabalhador, que ora desertou da terra, alando-se para os espaços afim de sentar-se no trono radiante da glória e da imortalidade!
Ao mesmo tempo, que a sua pena orçava na justa heroica da democracia, burilava esses belos poemas em prosa, tão doces quanto singelos, que se chamaram Acaiaca, Fragmento de um Manuscrito, Os invisíveis, Cenas da vida de um Garimpeiro, Brás, O Capitão Mendonça, Um manuscrito velho; atirisava ferino escrevendo a História do ano de dois mil, O Inferno, O Intendente de Diamante, (comédia(, e enfeixava num esplêndido volume as Memórias do Distrito Diamantino.
Político - jamais sacrificou o seu ideal as conveniências da ocasião.
Eleito deputado geral e não podendo com o seu caráter leal o com o seu talento altivo perfilha - causas que a consciência repelia, rompeu denodadamente contra os abusos, contra as prepotências, vergastando-as com soberana indignação e esboroando-as com o desdem e a ironia".
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