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quarta-feira, 14 de agosto de 2024

OS INGLESES EM DIAMANTINA

 OS INGLESES EM DIAMANTINA

AO Dr. João brandão costa

(Paulo Kruger Corrêa Mourão)

A exploração dos diamantes que ainda hoje se faz em escala considerável, atrai, como é natural, o capital estrangeiro, principalmente o britânico.

A preciosa gema não está mais a flor da terra, como soia ser no tempo dos contratadores e das intendências. Assim, é necessário o emprego de maquinismo moderno, como dragas, peneiras e bombas, que arrancam o cascalho diamantífero do leito dos rios desviados, bem como de acúmulo dos desmontes, lugares inacessíveis ao humilde garimpeiro. Este, desde os tempos coloniais, procurava tirar o sustento próprio e da família, faiscando aqui e ali não obstante a grande perseguição da Intendência.

O trabalho mais técnico permite tirar as reservas de diamantes do seio mais profundo da terra, porém, para tanto, torna-se necessário o capital que, não havendo de sobejo entre nós, é importado do estrangeiro, sobretudo, da Grã-Bretanha, onde existe em excesso.

De lá também veem homens resolutos que deixam os seus lares para explorar riquezas em países estrangeiros longínquos.

PRAÇA JK
ACERVO+138.jpg (576×416) (googleusercontent.com)


Por esse motivo há muitos ingleses residindo em Diamantina. Vários deles tantos anos lá estiveram que acabam assimilando os usos da cidade, vivendo como se fossem da terra.

Por surpreendente que parece, alguns mudaram diretamente de Londres para aquela cidade do nordeste de Minas, onde constituíram o seu “home” sem pretender jamais sair dali.

O povo da cidade os observava com muita curiosidade, admirando a suas simplicidade e adaptação no meio, não obstante o português estropiado que falam toda a vida, com acento estrangeiro.

Contudo, há certos hábitos que conservam, como a alimentação, constante de bifes, batatas, leite, ovos e muita conserva de lataria.

Apreciam muito a cerveja até mesmo a célebre Tijucana, fabricada na cidade pelo seu chico Costa, porém a bebida da sua preferência sempre foi o velho uísque inglês ou americano.

Pelo ano de 1920, lá residiam:

Mr. Bichardson um inglês fechado, carrancudo, alto, magro, de óculos espessos, que quase não falava o português.

Mr. Galloway – simpático, fino, cavalheiro, inteligente, de muito acento e cheio de palavras inglesas.

Dr. Jonhson – um tipo alto, forte, de alegria comunicativa, com uma mão imensa que apertava dos outros com força ao lhes perguntar: “How are you?”

Burk Jonhson- magro, não muito alto, de rosto manchado e nariz vermelho, alcoólatra inveterado, falando sempre com a voz arrastada um português incompreensível que fazia rir.

Mr. Smith – alto, magrinho, delicado, com uma voz doce e um razoável português.

Mr. Lourenço – caladão, magro, beberão.

A esta lista é preciso acrescentar os nomes de outros que, embora não fossem ingleses, viviam sempre com estes e, como tais, eram denominados pelo povo da cidade que os não distinguia:

Mmme. Richardson – francesa, grandalhona, vermelhusca, com uma pronuncia de rr puxados com que irritava o marido – Mr. Richardson – e os que não o eram.

Snr. Jacques Santiago Paris-uruguaio, exuberante, bonitão, cheio de dichotes, anedotas e histórias interessantes com que alegrava a roda de ingleses, pois falava muito bem a língua de John Bull. Os diamantinenses apreciavam muito o seu bom humor e alegria comunicativa.

Mr. Spangler – americano roliço que falava sem encarar as pessoas e era muito entendido de negócios.

Mr. Humphery – também americano, boníssimo, falador que dava boas gargalhadas, com razoável português e muitos perdigotos.

O fato seguinte caracteriza esta boa gente.

Organizaram um piquenique na Pedra Grande, local aprazível da cidade. Combinaram que a contribuição de cada um seria surpresa.

Pela manhã, encontraram-se no local referido, cada qual com o seu farnel.

O primeiro a abrir o seu foi o casal Richardson. Haviam levado 2 litros de wiskey e 1 litro de gin; em seguida, Mr. Smith mostrou o seu, constituído de 1 garrafinha de aperitivo e 1 litro de Wiskey; logo após Hamphrey mostrou 1 litro de rum; Seu Paris desembrulhou 2 litros de Wiskey e 1 de rum; Dr. Jonhson levou 1 litro de Wiskey, 1 de rum e outro de gin. Finalmente Mr. Lourenço desembrulhou um grande pão. Depuseram tuto isto sobre a relva e, então Mr. Richardson, examinando cuidadosamente cada farnel, fixou a sua vista sobre pão e perguntou, designando-o:

- Pra que tanto pão?

Esses ingleses, entretanto, nem sempre viviam em harmonia. Formavam grupos antagônicos. Os interesses de um grupo começaram a entrar em conflito com os do outro. De um lado Mr. Gallaway, Mr. Smith, Mr. Humphrey, do outro Mr. Richardson, Seu Paris e outros.

Mr. Spangler – concunhado de Mr. Galloway, acabou rompendo com este e chegou a entrar em pugilato com o esguio e delicado Mr. Smith.

São as vicissitudes dos grandes interesses próximos. Esses não eram nem de leve os únicos males ocasionados pela exploração dos diamantes.

Ao lado de inúmeros episódios alegres e burlescos, entre esses estrangeiros, havia ás vezes, também acontecimentos tristes como o de Burt Jonhson.

Tanto bebeu este súdito de Sua Majestade, que começou a delirar. O próprio irmão perdeu completamente a confiança nele e o tratava como um ébrio habitual que era.

Um dia, sentou-se á mesa de um bar, e começou a tomar cerveja uma garrafa após outra. Em dado momento, gritou:

- Chamem a Maria, minha mulher!

Debruçou-se sobre a mesa e morreu.

Não era casado e nem tinha nenhuma mulher com o nome de Maria.

Hoje, quase todos eles já morreram, porém vieram outros que continuam explorando as nossas preciosas gemas.

Voz de Diamantina, pág. 4, nº 11, 1 de fevereiro, Diamantina/MG, 1948.

 

   

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