Celebrando-se, este ano, o jubileu de ouro da
Abolição da Escravidão no Brasil nos é
reivindicar para o primeiro bispo de Diamantina a
honra de ter sido um dos mais entusiastas
dentre os abolicionistas mineiros. Mais justo
colocar o busto do primeiro bispo de Diamantina numa praça tão especial que
leva o seu nome e ao mesmo tempo por ter sido um grande humanista.
Espírito arguto no estudo das úlceras sociais do
seu tempo e conhecedor esclarecido da
doutrina da Igreja Católica de que era digno Pastor
neste longínquo rebanho diamantinense, D.
João Antônio dos Santos soube formar ideias justas
e severas a respeito da escravidão dos
africanos no Brasil, junto com os seus irmãos
Joaquim Felício dos Santos e Antônio Felício dos Santos e João Felício,
fervorosos na questão da abolição e da república no Brasil.
Seu coração, sua ciência, sua piedade e seu
patriotismo fizeram dele um resoluto
abolicionista.
Tendo-lhe D. Viçoso confiado, em 1845, a redação da
Selecta Católica, deu á estampa
vários artigos contra a escravidão, o que lhe valeu
as iras dos assinantes possuidores de
escravos. Devolveram o jornal, com o endereço a D.
Viçoso.
“Recebido o pacote, - conta o Cônego Severiano, -
mandou o Prelado chamar o Redator
a palácio e referiu-lhe o que se acabava de dar.
- Então? – Disse-lhe D. Viçoso.
- Neste caso, o remédio é muito fácil, -
respondeu-lhe o interrogado. Eu me retiro da
Redação e V. Exmª.
faça substituir por outro que não desagrade os assinantes.
O Prelado não esteve pelo alvitre, acrescentando
que ambos eram da mesma opinião
sobre o magno assunto, e tanto assim que já havia
publicado um escrito seu em prol da
liberdade que se devia dar aos cativos. Com toda a
pressão em cima de D. João o primeiro bispo da nossa diocese não se intimidou,
com sua simplicidade e inteligência, driblou os oposionistas e continuou a sua
campanha contra a escravidão.
Entrados em acordo, continuou a escrever como
dantes, no órgão oficial da Diocese, só
deixando o cargo, que tão bem havia desempenhado,
quando teve de seguir para Roma”.
D.João
e seus irmãos Joaquim Felício dos Santos e Antônio Felício dos Santos eram
contra a escravidão e defendiam abertamente o fim da monarquia e favores a
República. Este fato conhecido pelo Imperador D. Pedro II, que não gostava nada
dos ataques de Joaquim Felício dos Santos que fazia nos jornais e uma longa campanha
para o fim do regime da monarquia. Suas críticas ferrenhas criava um enorme
embate entre os poderes políticos da cidade que eram os conservadores a favor
da manutenção da monarquia e da escravidão, e os liberais que eram contra a
escravidão e o fim da monarquia. D. João o bispo de Diamantina, era a favor da
república e com isso criava um grande impasse entre a Igreja local e o Imperador.
Para não ser preso como aconteceu com os bispos do nordeste por serem contrário a monarquia, D. João foi
enviado para Roma para fazer o seu doutorado e de lá foi para a França onde
concluiu vários cursos importantes na sua carreira.
Voltando ao Brasil, quer como padre, quer, depois,
como bispo, D. João continuou
defendendo as mesmas ideias a respeito da
escravatura e o fim da monarquia juntamente com os seus irmãos.
Em 1870, com a valiosa colaboração da Câmara
Municipal, chefiou, em Diamantina, a
organização de uma Associação pia, cujo fim era
promover e acelerar a emancipação dos
escravos: a Irmandade de Nossa Senhora das Mercês.
No começo de julho de 1870, dirigiu aos possuidores
de escravos a seguinte circular, em
nome da Câmara Municipal:
“Ilmo.Snr.
A Ilustríssima Câmara Municipal desta cidade se
dirige a todos os possuidores de
escravos neste município, convidando-os para uma
grande reunião nesta cidade, afim de tratar
se da libertação dos cativos nela existentes.
Tomando eu parte na referida manifestação de
humanidade e justiça, que será ao mesmo
tempo uma distinção e uma glória para o nosso
município, rogo a V. S., em nome da nossa
Santa Religião, que aceite o convite que lhe é
feito, e que, ainda com sacrifício, não deixe de nela
comparecer no dia marcado.
Deus nosso Senhor o abençoe e toda a sua família.
Sou, com estima,
De V.S.
Amigo e servo muito obrigado,
João, Bispo de Diamantina”.
No dia 11 de julho de 1870, houve a reunião,
presidida pelo ínclito Diocesano e com a
presença, entre outros cidadãos, dos Srs. Josefino
Vieira Machado, João Felício dos Santos,
Dr. João Raimundo Mourão e Comentador José Ferreira
de Andrade Brant. Ficou fundada a
benemérita e patriótica “Pia Sociedade de Nossa
Senhora das Mercês”.
O Art Iº. Dos seus estatutos dizia: “Fica
instituída nesta cidade da Diamantina, com o fim
de auxiliar a emancipação do elemento servil, uma
pia sociedade, sob os auspícios de Nossa
Senhora das Mercês”.
Em outros artigos dos mesmos estatutos vem mais
especificada a finalidade da
Associação. Vejamo-los:
“Art. 3º - Serão aceitos donativos, ainda que sejam
para alforria determinada, e neste caso
não poderão ser aplicados a outro fim.
Art. 6º - São considerados sócios honorários ou
benfeitores quantos,... libertarem em
nome dela, escravos de qualquer valor, ou prestarem
serviços relevantes á causa da
emancipação.
Art. 7º - Todos os sócios tem o dever de proteger
as causas de liberdade, quando justas.”
No capítulo III, art. 10º, D. João Antônio dos
Santos é proclamado Presidente Perpétuo da
Sociedade.
Nas atribuições da Diretoria, estatue a letra d:
“Alforriar escravos na proporção dos fundos
sociais disponíveis, conforme as regras dos artigos
25 e 26”.
Entre as atribuições dos Procuradores está (art.
20.; letra c) a de : “Inquirir com empenho
quais os escravos que, por sua conduta e outras
circunstâncias, devam ser preferidos pelos os
benefícios da Sociedade.
Art. 25º. – Em regra, para a alforria dos escravos,
deverão ser preferidas as mulheres aos
homens até a idade de 40 anos; as casadas ás solteiras;
as que tiverem filhos vivos ás que não
os tiverem; os que forem sócios aos que não o
forem. Em igualdade de condições, recorrer-se á
sorte.
Art. 26º - Poderão ser auxiliados os escravos que
tenham parte do dinheiro necessário
para a sua alforria, ou cujos senhores façam
abatimento no seu valor”.
Nos anexos aos Estatutos, são para notados;
“Art.Iº. – A Sociedade, cada ano e por meio de
sorte, distribuirá prêmios de um conto de
réis pelos seus sócios escravos que anualmente
houverem contribuído com a quantia de 20$000,
na razão de um prêmio por 50 dos sócios.
Art. 3º - Se a quantia saída por sorte não cobrir o
preço da liberdade do escravo premiado,
a Sociedade o poderá inteirar com os fundos que
tiver em caixa”.
O capítulo único da letra B dos anexos estatue:
Art. 1º - Desejando auxiliar os seus membros
escravos por todos os modos possíveis, a
Sociedade por eles distribuirá pela sorte cada ano,
prêmios de 200$000.
Art 2º - No fim do cinco anos, os mesmos terão o
direito a um auxílio de 75$000; no fim de
dez, 180$000; no fim de vinte, 520$; no fim de 25 a
29, um conto de réis”.
Está-se vendo a eficiência com que a Sociedade se
propunha promover e incentivar a
emancipação do elemento servil, tudo sob a
orientação sábia de D. João.
O primeiro Bispo de Diamantina escreveu, em 28 de
setembro de 1887, uma vibrante
Pastoral aos seus diocesanos, e nela se pronunciou
francamente pela Abolição.
Nesse importantíssimo e patriótico documento, tendo
de anunciar ás suas ovelhas as
festas do jubileu sacerdotal do papa Leão XIII, D.
João recomendava, como a obra mais
significativa e oportuna, a libertação dos cativos
e o amparo aos que já tivessem obtido a
liberdade.
Essa Pastoral do virtuoso Antiste repercutiu grandemente
em todo o país.
Quando o projeto da Lei Aurea foi discutido no
Senado, no dia 10 de maio de 1888, um
Senador abolicionista, em abono de seu voto, citou
a Pastoral de D. João e lembrou a sua
proposta sobre um golpe de Estado.
Um membro da oposição exasperou-se com a citação e
bradou que o Bispo de
Diamantina deveria ser “criminalmente
responsabilizado pelo seu ato”.
Por aí se avalia o peso da opinião do prelado
mineiro na importância pendência.
D. João, bispo de Diamantina, muitas vezes
agasalhava os escravos, como também lhe
dava de comer e dinheiro para seguir viagem.
Entrado no ano de 1888, - narra o seu biografo
Cônego Severiano de Campos Rocha, por
muitíssimas vezes ia pelas ruas da cidade, e batia
á porta de todas as casas onde houvesse
possuidores de gente escrava, e aos mesmos pedia um
grande favor, qual era o da liberdade
para aqueles que assim conservavam e gratuitamente
o serviam.
Desse modo, conseguiu na Diocese umas 2.000 cartas
de alforrias.
D. João e o 13 de maio, quando aqui chegou a
notícia da libertação final de todos os
escravos do Brasil.
“No mesmo dia da sanção, por via telegráfica, foi a
grata notícia transmitida para a Diamantina.
Estando D. João no Biribiri, lá recebeu a grata
notícia da extinção do elemento servil
em nosso país, e logo mandou apressar o troli em que costumava viajar e pôs-se
a caminho da cidade.
Entretanto, e sem perda de tempo, ia-se preparando
uma festividade pública, um sinal do contentamento de que exultavam quantos
haviam tomado parte na grande luta e, portanto, na vitória de foi ela coroada.
Enquanto isto se fazia, soube-se que D. João não
tardaria chegar do Biribiri. Os
organizadores da festividade, seguidos de pessoas de
todas as classes, se dirigiram para o alto
da cidade, e ao subirem a rua da Glória, avistaram
o troli que conduzia o Prelado, descendo pela
mesma rua. Estugaram então o passo e ao enfrentarem
o carro, fizeram parar os animais,
desatrelando-os, no intento de os substituir, o que
não conseguiram, em obediência a D. João,
que com eles desce a pé atravessando a cidade até o
passo episcopal.281
A festa cívica realizou-se ao cair da noite, na
praça fronteira ao Grupo Escolar, e que
então o Paço da Municipalidade, e em cujo frontispício
fartamente iluminado com lanternas de
várias cores, flutuava a bandeira nacional.
Junto ao alto paredão da Catedral construiu-se um
luxuoso palanque reservado a pessoas
gradas, das quais a primeira era D. João, a quem,
na hora previamente ajustada, uma numerosa
comissão composta de distintos abolicionistas, foi
buscar ao palácio, acompanhando-os uma
banda de música do Corão, do palácio para a praça.
Uma vez no seu lugar de honra, em companhia de
vários sacerdotes, executado o Hino
Nacional, discursaram sobre o assunto do dia o Dr.
Álvaro da Matta Machado, Arthur Queiroga,
Dr. Francisco Rabelo, enaltecendo as peregrinas
virtudes do Prelado e o muito que havia feito
pela libertação dos escravos.
A Estrela Polar, D. João Antônio dos Santos – um dos mais célebres abolicionistas mineiros pág,1, ano XXXVI, nº 20 , Dtna, 15 de maio de 1938.
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