Como os hábitos musicais introduzidos no Arraial do
Tijuco aconteceram por influência direta da nobreza portuguesa ali
estabelecida, é bastante provável que no ambiente dos salões nobres tijuquenses
se tenha iniciado também a tradição de se cantarem serenatas. Especificamente,
no seio da Corte portuguesa, esse costume se firmou por volta de 1720, quando o
rei Dom João V promoveu a italianização da vida musical de Portugal, ao
contratar o músico italiano Domenico Scarlatti para o cargo de mestre de sua
Capela Real. Desde a chegada de Scarlatti, as serenatas passaram a ser cantadas
com bastante regularidade na corte, no dia do aniversário do Rei, da Rainha e
dos Príncipes, ou nas festas onomásticas. Entrementes, levando-se em
consideração estudos publicados por Mariza Lira, fica bastante evidente que,
anterior à chegada de Scarlatti à Corte portuguesa, já havia o costume de se
cantarem serenatas em Portugal, fora do ambiente palaciano.
Os primórdios da serenata residem no século XI,
momento em que o movimento trovadoresco se desenvolveu no sul da França. Os
trovadores pioneiros, estabelecidos na região de Provença, inspiraram-se no
antigo conceito grego de poema lírico como composição vocal para manifestar o
ideal cavalheiresco. Destarte, inseriram seus poemas em novas formas, melodias
e ritmos da música profana, de cunho popular. A arte de produzir trovas foi
cultivada inicialmente apenas pelos nobres. Depois, para interpretar suas
composições, os trovadores passaram a contratar músicos itinerantes, chamados jograis
ou menestréis, que divagavam por feiras, aldeias e castelos, difundindo as
trovas. Assim, o movimento trovadoresco se estendeu para a classe burguesa,
alastrando-se, rapidamente, pelo Continente Europeu, por intermédio dos
guerreiros que participavam das cruzadas, ou pelos próprios trovadores, como
também os jograis, que visitavam as cortes. No acompanhamento musical,
utilizavam-se principalmente a viola, a harpa, a lira e o alaúde.
Como eram feitos para serem cantados, os poemas
recebiam o nome de cantigas, versando, principalmente, sobre o amor ou sendo
usados como protesto. Entre as cantigas utilizadas para celebrar o amor, a alba
e a serena se correlacionavam como formas para se expressar a ansiedade, a
tristeza, a saudade e os sofrimentos causados pelo amor. A primeira é a canção
matinal e a segunda, a canção noturna, praticada sob o sereno.
Embora o movimento trovadoresco tenha desaparecido
no século XIII, o costume de se cantar a serena perpetuou-se na Península
Ibérica, atravessou os séculos e terminou por ser implantado no Brasil, sob
influência da cultura portuguesa, com o intuito de se sublimar a mulher amada.
Por um processo cognitivo de formação da palavra, o termo alba deu origem ao
vocábulo alvorada. Da mesma forma, conforme estudos da folclorista, o termo
serena transformou-se em serenada na língua castelhana, cujo vocábulo
correspondente na língua portuguesa é serenata.
Ainda de acordo com Mariza Lira, o vocábulo
serenata é utilizado para nomear uma modalidade de execução musical, ou seja,
“concertos realizados à noite e ao ar livre”, cujo repertório utilizado primava
sempre por um gênero de canção sentimental e carregada de lirismo, composta de
melodias simples e graciosas, com características muito próprias das modinhas.
Entrementes, à singularidade desse gênero de canção lírica adicionou-se a
maneira específica de os negros e os mulatos cantá-la. Surgiu uma nova forma de
serenata, em cujas melodias originais das modinhas foram inseridos elementos
peculiares aos fandangos e lundus.
Essa fusão de gêneros musicais, descrita por Mariza
Lira, está registrada, com mais detalhes, nos estudos de Mozart de Araújo, para
quem o lundu, considerado uma dança chula, sensual e libidinosa, “foi a válvula
de equilíbrio emocional de que se utilizaram os escravos para amenizar as
agruras do exílio e os sofrimentos da escravidão”. Para Mozart, embora a
modinha, “açafata de Corte”, e o lundu, “moleque de eito”, tenham nascido em
berços opostos, socialmente antagônicos, terminaram por desenvolver uma
convivência tão íntima que, em alguns momentos, fundiram-se.
Portanto, conforme os dois estudiosos citados, a
simbiose que ocorreu quando a modinha recebeu elementos característicos do
fandango e do lundu gerou nova forma musical, denominada “seresta”, que,
fundamentalmente, é uma variante da serenata, por ser também “cantada à noite e
ao ar livre”. Isso posto, Mariza Lira afirma que “seresta” é uma corruptela de
serenata. Destaca ainda que a mania das serenatas já era da terra quando os
negros e mulatos entraram a imitar o branco com o jeitinho todo especial de
interpretação, influenciado pelo canto de lundus e fandangos. Toda seresta,
pois, é uma forma de serenata.
O costume de se cantarem serenatas ficou marcado
como a tradição musical de origem europeia mais intensa que se perenizou em
Diamantina.
Foto: Serenata em Diamantina com a presença do presidente Juscelino Kubitschek-Acervo: Cassa de Juscelino |
– internet – facebook – Wander
da Conceição
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