O
Parentinho. – Augusto Teixeira Gente, por alcunha O Parentinho, por tratar todo
mundo de parente, era nessa época um velho branco, quase completamente calvo,
de grande nariz, sempre vestido de preto, de pernas esguias e um pouco tortas.
Gastronômo e apreciador de bebidas,
apesar de não ser ébrio, era figura infalível em todos os banquetes e festas.
Contava inúmeras anedotas dos velhos tempos em Diamantina. Sabia de cór uma
infinidade de sonetos e poesias, que recitava nas reuniões familiares, muito
compenetrado.
Nunca se dedicara á profissão alguma,
e apesar de pobre, andava regularmente vestido, não parecendo sofrer
necessidades. Situação misteriosa que só vi em Diamantina, nessa época e em mais nenhuma das outras cidades onde
tenho residido. Certos indivíduos e chefes de famílias, pobres, sem recursos,
sem profissão conhecida, honestos, entretanto, e tranquilos, alimentados,
vestidos e calçados e, ... sem dívidas.
O Parentinho residia celibatario em
companhia de uma velha irmã solteirona também numa humilde casinha , á rua
Direita. Desde longos anos, na data natalícia do Parentinho, a velha irmã lhe
dava de presente uma antiga moeda de ouro portuguesa, a qual voltava ás mãos da
mana, no aniversário desta, como presente do irmão. E assim, alternadamente, a
moeda, ora pertencia a um ora a outro.
Imagem da internet - acervo Zé da Sé - Pça do Mercado- Diamantina
O Parentinho faleceu em 1908 em
Diamantina.
Domingos D’Ascenzo - em 1893, apareceu em Diamantina esse
italiano, que contava então vinte e tantos anos de idade, e ali montou uma
barbearia com relativo conforto, máquina de cortar cabelo, loções, perfumaria e
pós de arroz , a primeira barbearia que se abriu naquela cidade, onde até então
só havia quatro ou cinco Cabelereiros e barbeiros ambulantes (o Ubaldo Soares, o
Bambães e outros), dispondo apenas de navalhas , amolador, tesouras, pincel,
sabão e da baciinha.
Em breve, porém, se descobriu em
Diamantina que o italiano recém-chegado era um detraqué perigoso, que, em Ouro
Preto, já navalhara o pescoço de um fregues, descoberta que nada diminuiu sua
frequesia, pois era habilíssimo barbeiro, o único decente daquela cidade,
apesar de tão calmo e demorado que, muitas vezes, interrompia, por dez minutos,
o corte do cabelo de um fregues, para beber tranquilamente seu café com leite,
na própria barbearia.
Certa ocasião, um negociante estava
sendo barbeado pelo Domingos, quando viu pelo espelho o italiano fazer horríveis
caretas. Apavorado (el por cause...) o freguês levantou-se da cadeira e saiu
correndo pela rua, tapando com um lenço a metade barbeada no rosto.
Em outra ocasião, pela manhã, ao
passar em frente a sua porta, uma jovem, de uniforme azul, em direção á Escola
Normal, o Domingos correu para ela, abraçou-a e beijou-a, caindo ambos ao chão,
entre gritos estridentes da moça.
Ao trilhar dos apitos, (no primeiro
momento pensou-se que o italiano apunhalara a jovem), o Domingos saiu correndo
e fechou-se em sua loja de barbeiro, a cuja porta se reuniram populares
indignados em atitude ameaçadora.
Chegando o delegado de polícia,
intimou-o a abrir a porta, aparecendo então o criminoso, vestido de
sobre-casaca preta. A receber a voz de prisão, disse á autoridade:
- Estou
pronto a casar com a moça!
Este escândalo fora provocado pela perfídia de
alguns rapazes. Andando o Domingos desorientado para casar-se com qualquer moça
e sendo justamente repelido por todas, alguns rapazes perfidamente lhe
insinuaram que, se ele beijasse uma jovem, seria logo obrigado pela polícia a
casar-se com ela.
Apesar
desse e de outros atos de manifesto desequilíbrio mental, o barbeiro continuou
com sua numerosa freguesia.
Ultimamente andava o Domingos a tentar
empréstimos no comércio local, para introduzir em Diamantina duas futurosas
indústrias, dizia ele: a criação de
camarões e a captura de onças para vendê-las vivas ou extrair-lhes as peles. E
assim explicava os seus projetos .
-
Farei construir um grande tanque com água salgada e mandarei buscar no Rio, em
latas de querosene, camarões vivos, para reprodução e venda em Diamantina.
Quanto ás onças, a caçada é fácil. Dirijo-me á serra de Itaipaba, onde há
muitas . Ponho, como isca um pedaço de carne, debaixo de uma árvore ou de um
rochedo e trepo lá em cima, á espera. Quando chegar a onça para comer a carne,
eu dou um grito; ela olha para cima lanço-lhe nos olhos um punhado de pó da
Pérsia; a fera fica tonta, eu monto em cima dela e venho assim até Diamantina.
Deste
modo eu tenho certeza de pegar muitas onças vivas , venderei algumas para os
circos de cavalinhos ou jardins zoológicos, e de outras tirarei as peles, que no
Rio se vendem a bons preços.
O Domingos d’Ascenzo fabricava vinhos e
cervejas (que encontravam consumidores!), um remédio soberano para dor de
cabeça, unhas encravadas e espinhas (!); fazia retratos com cabelos e metia-se
a concertar relógios, que ás vezes, entregava aos fregueses mais zangados do
que os recebera.
Tentou
aprender a tocar clarineta, incomodando os vizinhos com as notas estridentes e
desafinadas do instrumento; mas teve de abandonar a pretensão, por causa das
vaias da garotada. Apesar de italiano não tinha veia para a música.
Bambães
– Era um mulato escuro, muito alegre, excelente músico e barbeiro ambulante, o
Bernardino Vieira Couto, vulgo Bambães. Tratava a todos de “meu belo” e repetia
a cada moento a sua expressão predileta: “Bate as caixinhas de bombalão!”.
Paupérrimo, com grande família a sustentar, o
seu ideal era a construção de uma capela em frente ao cruzeiro do bairro do Rio
Grande, onde residia. Para angariar donativos, percorria as ruas, com um sino
sobre um andor, carregado por meninos, acompanhado pela garotada, a cantar uns
versos de sua composição.
Lutando
com inúmeras dificuldades, conseguiu apenas levantar as paredes e construir o
telhado da futura igrejinha, que nunca foi concluída, sendo afinal. Derrubado o
edíficio, vinte e sete anos após sua morte.
Bernardino
Veira Couto faleceu em 1905. Pobre Bambães! Já velho baixou ao túmulo, sem ver
realizado o ardente ideal de sua mocidade!
O
Laport – José da Cunha Vale Laport foi o meu professor de desenho e caligrafia,
na Escola Normal de Diamantina, em 1894.
Era um sujeito baixo, moreno, de cabelos negros
e anelados, quase sempre trajado de sobre-casaca escura. Tinha o pescoço cheio
de manchas avermelhadas.
Admirável
era sua caligrafia, letra lindíssima que
parecia talhada de aço; habilíssimo no desenho e na pintura, deixou vários bons
retratos de pessoas da época . Estou convencido que se vivesse em centro mais
adiantado e tivesse tido educação artística, tornar-se um dos grandes pintores
brasileiros.
O
bom Laport era de uma paciência infinita para com seus alunos, que muito o
estimavam.
Mundinho
Botija – Raimundo Nonato da Silva, não se melindrava com este apelido, como
aliás o seu pai, João Nepomuceno da Silva, por alcunha João Botija.
O
Mundinho era moreno, magro de pequena estatura. Muitíssimo inteligente era
também dotado de memória prodigiosa, principalmente para datas.
Na
redação da “Idea Nova” , semanário que que ele foi gerente por algum tempo.
Em um dia do mês de agosto de 1885, ás nove
horas da noite, noite fria e escura, rapidamente toda a atmosfera se iluminou,
ficando quase tão clara como o dia; ouvia-se ao alto um ruído como de
cachoeira: chuáááááá. Pelo céu passava um enorme aerolito luminoso, em chamas,
o qual pouco depois desapareceu no horizonte, com um estrondo que fez tremer a
terra. A noite escureceu de novo e o povo aterrado pensava que era o fim do
mundo.
A
passagem do colossal meteorito causou com efeito grande sensação em Diamantina,
conforme várias vezes ouvi do meu pai.
Quando
a companhia Boldrini se retirou de Diamantina em 1888, levava de lucro líquido
trinta e tantos contos de réis... Nesse mesmo ano de 1888, faleceu de febre
tipóide, na chácara dos Coqueiros , á rua da Romana, o jovem e esperançoso
médico baiano, o Dr. Carlos Leite...
O
Dr. Berenguer (Bento Bittencont, Berenguer César), Juiz Municipal de
Diamantina, suicidou-se, com um tiro na cabeça, em sua residência, á rua da
Glória , em tal , de tal mês do ano de 1891.
Mundinho
Botija era uma uma crônica viva dos fatos sucedidos em Diamantina desde sua
infância, relembrando-os com todas as minudências.
Zeca
Bento – o cantor popular de muletas, pois tinha uma perna amputada, publicava
nos jornais modinhas, lundus e paródias, que depois reuniu um livro.
Lulu
Vidinha – o exímio tocador de violão.
O Cláudio – ( Caludio Augusto Ribeiro de Almeida),
paralítico das pernas, agente do correio. Gerente do semanário “Cidade de
Diamantina”, saía á rua, ora a cavalo, ora carregado como uma criança pelo Juca
Cláudio, inteligente, operoso, alegre, amável, serviçal, dedicava-se á música
sacra, cantando nas igrejas; era primo ou sobrinho do célebre diamantinense Domingos
José de Almeida, que tão brilhante missão desempenhou no Rio Grande do Sul. O
Cláudio faleceu em fevereiro de 1896.
Detalonde
– (Agostinho Detalonde Lopes). Alto, espigado, inquieto, movimentando sempre.
Inteligente, muito dado á leitura de livros históricos e socialistas, gostava
de escrever nos jornais. Fazia como ourives, trabalhos de coco e ouro,
indústria que em que fora exímio o seu pai, o Ezequias Lopes, e,
posteriormente, um discípulo deste, o Antônio de Pádua Oliveira.
ARNO Ciro. Voz de
Diamantina, A Metrópole do Norte, XXXVI.
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