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sábado, 6 de junho de 2020

Diamantina 1885

1885—1889. Antigamente o comércio em Diamantina abria-se ás sete horas da manhã e fechava ás nove da noite, funcionando mesmo nos domingos e feriados, sem um dia_ de descanso para os empregados. Somente luzia excepção a este habito o Grande Empório do Norte, de Mota & Cia., que encerrava as portas, aos domingos, ao meio-dia. Na loja do meu pai, a rua Atrás da Sé, conforme já assinalei, em artigo anterior, reunia-se, todas as noites, um verdadeiro cenáculo de amigos e correligionários do Partido Liberal, em palestras políticas e recordações antigas.  Auxiliavam meu pai, na loja, à princípio, o seu socio Alexandre Ferreira, (Caldeira Brant & Ferreira) e depois o empregado João Batista de Assis (1891—1914). Eram frequentadores mais assíduos d'esse cenáculo: escrivão Joaquim Honorato, o fiscal da Câmara Diniz Lameirão de Oliveira Pinto, o chefe liberal João Raimundo Mourão, tio João Caldeira, Joaquim Lessa, professor da Escola Normal, Augusto Cesar de Azevedo Belo. Este último, muito inteligente, dentista prático, ornamentava, com figuras de animais, artísticos cuités, burilados do coco e ouro. Só o excediam nesta arte o Ezequias Lopes e mais tarde o seu discípulo Antônio Pádua de Oliveira O Agostinho Detalonde, filho do Ezequias, só fabricava piteiras de coco e ouro. O pobre Ezequias sempre se lamentava de um grande roubo de que foi vítima, que o arruinou completamente e cujos autores nunca foram descobertos.

      Imagem da internet - acervo Zé da Sé - vista de Diamantina (1901

 Outros frequentadores da loja: Procópio Gomes Ribeiro, que organizava os bailes e festejos carnavalescos e tratava de enterros, (mais uma prova de que os extremos se tocam), Agostinho Machado, médico prático, Juca Parrudo (José da Cunha Vale), pai do Laport (Jossé da Cunha Vale Laport), Antônio Tomáz de Godoi, empregado nos Telégrafos, Justiniano de Miranda, empregado no Distrito Diamantino, D. Carlos Frederico de .Magalhães Castelo Branco Rolim, português, professor público, que se dizia filho natural de D. Miguel I, rei de Portugal, e, por conseguinte, primo irmão do imperador do Brasil, D. Pedro II. Uma noite, após a retirada d'este da loja de meu pai. o Joaquim Honorato comentou com as pessoas presentes : —E' estranha essa mania do Cario» Rolim de querer passar por filho de D. Miguel E' falso. Há tempos ele mesmo me mostrou uma certidão de seu batismo, em Portugal, com os nomes de seus pais e padrinhos. Meu pai era assinante antigo do ''Jornal do Comércio" do Rio. Quando esta folha publicava algum artigo político interessante, ele o comentava com os amigos. Foi assim que ele leu para os presentes o celebre «discurso do Barão de Cotegipe (João Maurício Vanderley) profetizando a proclamação da República. Certa ocasião, tendo chegado a Diamantina Um telegrama da Corte, comunicando a queda do gabinete liberal, os conservadores organizaram uma passeata festiva, com foguetearia. Como os ânimos estavam muito excitados, meu pai convidou os amigos, a subirem para a sala e fechou a loja. Na sala de visitas, alguns, por precaução, depuseram numa mesa suas armas, pistolas e clavinas, Quando o grupo de conservadores passou em frente à nossa casa, começaram a dar vivas ao Partido Conservador, morres ao Partido Liberal e a atirar contra as nossas janelas, quebrando as vidraças. Meu pai e alguns amigos, chegando à sacada, deram gritos contra os agressores e. para os afugentar, dispararam as armas a parede da Sé, em frente. A passeata continuou marchando para o Macau, sem outros incidentes. Durante o tiroteio, correram, alarmadas, da cozinha para a sala, as empregadas : Clemência, minha babá, Lucrecia, Delmira e .seus filhos Osório e Maria do Carmo, Meu pai dedicava particular estima ao Osório, rapazola de dezoito a vinte anos. Tempos depois, retirando-se da nossa casa com sua mãe e irmã, o Osório começou uma vida desregrada de estroinices, indo parar na cadeia algumas vezes. Certo dia, tendo saído da prisão, foi a nossa casa e começou a contar episódios de sua vida na cadeia, interpretando as suas frases, com referências a um companheiro de calabouço : —Eu mais siô Pereira fazíamos pentes e colheres de chifre de boi ... Eu mais siô Pereira fazíamos garapa de casca de ananás ... Um i noite- houve uma briga feia entre o Torresmo e o Boi Pintado, que eu mais siô Pereira custámos a se- parar . . . O orgulho de Osório era sua amizade com o Jacinto Pereira (italiano ou argentino) condenado como chefe de uma quadrilha de audaciosos assaltantes. (Vida Memórias de um Estudante») Ao ouvir os elogios do Osório ao amigo, meu pai meu pai exclamou: -Que amizade com siô Pereira, um bandido, chefe de uma quadrilha, que assaltou tantas casas nesta cidade  —Não senhor, respondeu o Osório, Siô Pereira é um homem muito bom Não fez nada do que dizem. Foi condenado injustamente. ARNO, Ciro, Tempos Idos, p.4, Voz de Diamantina, 1959

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