Loteria
O Armando de Carvalho era negociante em Diamantina, lá pelo ano de 1880. A sua loja de fazendas, calçado se armarinho,
com uma seção de ferragens, era conhecida em todo o norte de Minas, e abastecia toda aquela região que tinha comércio
e com a cidade mineira. O Seu Armando era um homem muito austero e trabalhador
e vivia para a loja e a família que residia no sobrado em cima desta.
Naquela época,
por não haver estradas de ferro, todo o comércio era feito em lombo de animal, e Diamantina mandava e recebia mercadorias tanto
para a Bahia como para Ouro Preto, a capital da Província.
A cidade ficou,
pois, considerada o “Empório do Norte”, nome que os seus habitantes mantinham
com muita ufania. Por isso,
quando se funda mais tarde a Casa Mota e Cia, foi colocado na fachada uma enorme placa, com os dizeres: “Ao Grande Empório do Norte”.
O Seu
Armando estava convencido da justiça desse título, não só por orgulho de diamantinense, como por experiência própria,
tendo em vista a grande prosperidade que vinha
tendo a “Casa Carvalho” nos seus dez anos de existência.
Certa
ocasião, o negociante entrou a pensar que seria
muito interessante ampliar, o negócio, acrescentando-lhe uma seção de atracado
para vender couros, sal e cereais.
Para tanto, era necessário levantar um grande empréstimo, pois precisava construir
um depósito amplo, com estrebaria anexa, para manter uns 20 ou 30 burros, necessários
ao comércio com Ouro Preto e com todo norte de Minas.
Imagem da Internet - centro da cidade - Loja O Grande Empório do Norte
Para este plano ele precisava de 50 contos – quantia considerável
na época – que esperava obter a longo
prazo, por intermédio das relações comerciais que
tinha no Rio de Janeiro.
Resolvido a tentar o empréstimo, fez uma viagem à Capital do país.
Contudo, depois de muitos entendimentos com uma certa casa bancária de judeus, só
conseguiu o dinheiro, a juros elevados e
o prazo de cinco anos, oferecendo, como garantia,
três sobrados que possuía na cidade mineira e o aval de dois negociantes seus amigos.
Os lucros
esperados deveriam cobrir perfeitamente os juros e amortização do capital.
Nessa época, o
Seu Armando tinha como correspondente no Rio, a importante casa Vidal Cia, estabelecida à rua do Ouvidor. Esta casa vendia para ele não só as próprias
mercadorias, como outras da praça, enviando ao negociante, via Ouro Preto. Essas
mercadorias, quase sempre chegavam sem
avarias e com a possível presteza.
Levando em conta a grande dívida que
fizera, o Seu Armando tomou o hábito de encomendar a “Vidal & Cia.”, todo o
ano, um bilhete inteiro da loteria de S. João,
cujo prêmio maior era 50 contos.
Infelizmente,
porém, este saía invariavelmente branco e nem
ao menos dava os prêmios menores.
Assim aconteceu
durante três anos seguidos. Já faltavam apenas dois para ficar paga a dívida e aproximava-se
o mês de junho, em que corria a loteria, Seu Armando pensou, ponderou bem o assunto
e chegou à conclusão que estava fazendo despesa inutilmente com o tal bilhete que
não dava nem o mesmo dinheiro. O resultado foi que desistiu e, naquele ano, não escreveu à casa fazendo
a encomenda da loteria. A dívida já estava
tocando o fim e, com a economia que mantinha,
não teria grandes dificuldades de pagar o resto, pois os juros já haviam diminuído com o decréscimo do capital.
Lá pelo mês
de agosto recebeu uma carta de “Vital &
Cia.”, o que logo reconheceu pelo nome da firma no
envelope. Abriu-a e achou dentro um cheque de 50 contos, pagável em Ouro Preto.
A carta que
o acompanhava era lacônica e dizia: “Junto anexamos
o cheque nº... pagável em Ouro Preto, contra a Casa Bancária...., referente ao prêmio
que lhe coube por sorte na Loteria Federal.
Na sua conta corrente debitamos 12$000 pelo preço do bilhete.
Atenciosamente
“Vidal & Cia.,”
Seu Armando
ficou estupefato. Pensou um pouco e antes mesmo de comunicar o fato à esposa
escreveu a seguinte carta que mandou logo pôr no correio, para aproveitar o estafeta
que partiria aquela tarde mesmo, levando as malas postais de Diamantina, “Sr. Vidal
& Cia”. “lamento o engano. A quantia que me enviaram por cheque pagável em Ouro Preto, não me pertence, porquanto
este ano não encomendei nenhum bilhete. Devolvo-o anexo.
Saudações
e agradecimentos. Armando de Carvalho”.
Sabe-se que
era grande o tempo que levava o correio naquela
época. Seu Armando, como era natural, achou muita graça no caso e, durante meses, comentou-o com a esposa, os amigos, as visitas e com as demais pessoas
da cidade que, sabendo do fato, indagavam a respeito. Finalmente, três meses depois,
já estando o caso quase esquecido, o Seu Armando recebeu nova carta de Vidal &
Cia que dizia: “Prezado
Senhor. Recebemos a carta de V.S., devolvendo
o cheque nº... contra a Casa Bancária... de Ouro Preto, com a afirmativa de não ter o direito ao dinheiro, por não haver encomendado o bilhete. Esclarecemos
que este foi adquirido em seu nome,
por sua conta e encerrado em um envelope
especial. Procedemos assim por achar que talvez tivesse extraviado a carta que em V.S. nos tivesse feito a encomenda.
Portanto, o mesmo que o bilhete fosse branco, debitaríamos o valor
dele na sua conta.
Desta forma,
V.S. tem direito ao prêmio que lhe coube por sorte, e não nos conformamos com outra solução que de lhe
entregar. Anexamos novamente o cheque pagável na capital dessa Província.
Atenciosamente
saudações. “Vidal & Cia”.
O Seu
Armando foi procurar a mulher e lhe disse simplesmente mostrando a carta.
Mourão, Paulo
Krüger Corrêa, VD., p. 4, nº
24, Diamantina, 1948.
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