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sexta-feira, 22 de maio de 2020

loteria


Loteria
       O Armando de Carvalho era negociante em Diamantina, lá pelo ano de 1880. A sua        loja de fazendas, calçado se armarinho, com uma seção de ferragens, era conhecida em todo o norte de Minas, e abastecia              toda aquela região que tinha comércio e com a cidade mineira. O Seu Armando era um homem muito austero e trabalhador e vivia para a loja e a família que residia no sobrado em cima desta.
        Naquela época, por não haver estradas de ferro, todo o comércio era feito      em lombo de animal, e Diamantina mandava e recebia mercadorias tanto para a Bahia como para Ouro Preto, a capital da Província.
         A cidade ficou, pois, considerada o “Empório do Norte”, nome que os seus habitantes mantinham com muita ufania. Por isso,              quando se funda mais tarde a Casa Mota e Cia, foi colocado na       fachada uma enorme placa, com os dizeres:  “Ao Grande Empório do Norte”.
          O Seu Armando estava convencido da justiça desse título, não só por orgulho de diamantinense, como por experiência própria, tendo em vista a grande prosperidade que           vinha tendo a “Casa Carvalho” nos seus dez anos de existência.
           Certa ocasião, o negociante entrou a pensar que seria muito interessante ampliar, o negócio, acrescentando-lhe uma seção de atracado para vender       couros, sal e cereais. Para tanto, era necessário levantar um grande empréstimo, pois precisava construir um depósito amplo, com estrebaria anexa, para manter uns 20 ou 30 burros, necessários ao comércio com Ouro Preto e com todo norte de Minas.

                             Imagem da Internet - centro da cidade - Loja O Grande Empório do Norte
                              
           Para este plano ele precisava de 50 contos – quantia considerável na época – que esperava obter       a longo prazo, por intermédio das relações comerciais         que tinha no Rio de Janeiro.
         Resolvido a tentar o empréstimo, fez uma viagem à Capital do país. Contudo, depois de muitos entendimentos com uma certa casa bancária de judeus, só conseguiu o  dinheiro, a juros elevados e o prazo de cinco anos, oferecendo, como garantia, três sobrados que possuía na cidade mineira e o aval de dois negociantes seus amigos.
         Os lucros esperados deveriam cobrir perfeitamente os juros e amortização do capital.
         Nessa época, o Seu Armando tinha como correspondente no Rio, a importante casa Vidal   Cia, estabelecida à rua do Ouvidor.        Esta casa vendia para ele não só as próprias mercadorias, como outras da praça, enviando ao negociante, via Ouro Preto. Essas mercadorias,      quase sempre chegavam sem avarias e             com a possível presteza.
         Levando em conta a grande dívida que fizera, o Seu Armando tomou o hábito de encomendar a “Vidal & Cia.”, todo o ano, um bilhete inteiro da loteria de S. João, cujo prêmio maior era 50 contos.
          Infelizmente, porém, este saía invariavelmente branco e nem ao menos dava os prêmios menores.
         Assim aconteceu durante três anos seguidos. Já faltavam apenas dois para ficar paga a dívida e aproximava-se o mês de junho, em que corria a loteria, Seu Armando pensou, ponderou bem o assunto e chegou à conclusão que estava fazendo despesa inutilmente com o tal bilhete que não dava nem o mesmo dinheiro. O resultado foi que desistiu   e, naquele ano,      não escreveu à casa fazendo a encomenda da loteria. A dívida  já estava tocando o fim     e, com a economia que mantinha, não teria grandes dificuldades de pagar o resto, pois os juros já haviam   diminuído com o decréscimo do capital.
              Lá pelo mês de agosto recebeu uma carta de “Vital & Cia.”, o que logo reconheceu pelo nome da firma    no envelope. Abriu-a e achou dentro um cheque de 50 contos, pagável em Ouro Preto.
             
              A carta que o acompanhava era lacônica e dizia: “Junto anexamos o cheque nº... pagável em Ouro Preto, contra a Casa Bancária...., referente ao prêmio que lhe coube por sorte        na Loteria Federal. Na sua conta corrente debitamos 12$000 pelo preço do bilhete.
              Atenciosamente
             “Vidal    &           Cia.,”
              Seu Armando ficou estupefato. Pensou um pouco e antes mesmo de comunicar o fato à esposa escreveu a seguinte carta que mandou logo pôr no correio, para aproveitar o estafeta que   partiria aquela tarde mesmo, levando as malas postais de Diamantina, “Sr. Vidal & Cia”. “lamento o engano. A quantia que me enviaram por cheque pagável     em Ouro Preto,       não me pertence, porquanto este ano não encomendei nenhum bilhete. Devolvo-o anexo.
              Saudações e agradecimentos. Armando de Carvalho”.
              Sabe-se que era grande o tempo que levava o correio naquela época. Seu Armando, como era natural, achou muita graça no caso e, durante              meses, comentou-o com a esposa, os amigos, as visitas e com as demais pessoas da cidade que, sabendo do fato, indagavam a respeito. Finalmente, três meses depois, já estando o caso quase esquecido, o Seu Armando recebeu nova carta de Vidal & Cia que dizia:              “Prezado Senhor. Recebemos a carta de V.S., devolvendo o cheque nº... contra a Casa Bancária... de Ouro Preto, com a afirmativa de           não ter o direito ao dinheiro, por não            haver encomendado o bilhete. Esclarecemos que este foi adquirido em             seu nome, por sua conta e encerrado em um          envelope especial. Procedemos assim por achar que talvez tivesse extraviado a  carta que em V.S. nos tivesse feito a encomenda. Portanto, o             mesmo que o bilhete fosse branco, debitaríamos o valor dele na sua conta.
              Desta forma, V.S. tem direito ao prêmio que lhe coube por sorte, e não       nos conformamos com outra solução que de lhe entregar. Anexamos novamente o cheque pagável na capital dessa Província.
              Atenciosamente saudações. “Vidal & Cia”.
              O Seu Armando foi procurar a mulher e lhe disse simplesmente mostrando a carta.
              Mourão, Paulo Krüger Corrêa, VD., p. 4,  nº 24, Diamantina, 1948.

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