UM PADRE GORADO
Paulo Kruger Corrêa Mourão
Nem mesmo nas
férias aquele jovem seminarista deixava a batina. Tendo entrado para o
Seminário ainda muito moço. o Plácido Tameirão tomou muito a sério o estudo no
estabelecimento c dedicando-se a ele, com todas as suas forças, sonhava com o
dia feliz da ordenação em que realizara o ideal de se dedicar ao serviço do
altar.
No dia 30 de junho,
quando tinha Inicio o período de três meses de descanso, ele vinha para casa, sério
e compenetrado, metido na surrada sotaina, e se conservava recolhido e santo,
sempre em casa, enquanto os seus colegas vestiam logo os trajes seculares e se
distraiam da austeridade de educandário procurando os bailes, as serenatas e os judeus noturnos.
O Seminário
localizado no alto, ao largo D. João, e visível de grande distância, para
quem viaja para a cidade. As agulhas das suas torres góticas são vistas pelo
viajante, «desde muito longe, quer tenha a cavalo, como era o único meio possível
no tempo desta história, quer de estrada de ferro a partir de 1914, data da
inauguração da ferrovia.
Ao lado da
imponente igreja de cantaria, ficam os três grandes pavilhões e as dependências daquele
enorme edifício pelo qual tem passado
tantas gerações de estudantes que, mais tarde, se tornaram conhecidas nas
letras, nas ciências e na administração, na política constituindo uma verdadeira elite da velha cidade
mineira e de todo o norte do Estado.
Teatro Santa Isabel - Diamantina-MG
Mesmo durante
as férias, nos domingos, vinha o Plácido Tameirão assistir a benção das 6
horas, antes anunciada pelo sino grave e soturno da torre.
Tal era a sua
constância que ninguém ousava duvidar daquela vocação revelada tão cedo.
Já havia ele concluído o curso ginasial
propriamente e frequentava o de filosofia. Era de se notar o extraordinário interesse
que demonstrava por este estudo: sabia apontar os erros e exageros dos filósofos
agnósticos, enquanto revelava invulgar entusiasmo pela filosofia tornista.
Enquanto fazia
esses estudos que o aproximavam da dignidade sacerdotal, faltando poucos anos
para a ordenação adquiria
insensivelmente invejável cultura geral, de orientação clássica.
Nos períodos
que passava em casa, não deixava de se exercitar também na prática da caridade,
pois, compreendia que, no amor de Deus e do próximo, estava toda a essência da
vida espiritual.
Certa vez,
teve notícias de que, vizinho á sua casa, morava um homem idoso que adquirira
cruel enfermidade e Vivia bastante isolado, apenas com a mulher e uma filha que
lhe prodigalizavam cuidados.
Formou logo o plano caridoso de oferecer a sua
companhia ao velho, bem como de tratar dele, na medida das possibilidades.
Sendo aceita, tornou-se logo intimo da casa, passando longas horas com o
enfermo para quem lia algumas vezes e sempre auxiliava no tratamento. A mulher
do homem, D. Amelia, vivia decantando a bondade do moço. Assim pensava também a filha—a Zizinha—que ficava comovida
de ver tão desinteressada dedicação.
Nas longas conversas
ao pé do leito do enfermo, muitas castelavam:
—Havemos
de assistir á sua primeira missa, dizia a velha.
— E se algum
dia eu me casar será o senhor o, celebrante, acrescentava a moça.
—Porque não
entra para um convento? indagava ele como se não compreendesse outra vocação
que a do claustro.
—Cruz! gritava
a moça, com grande escândalo do estudante.
Cerca de um
mês depois, o velho piorou muito. O médico da cidade, Dr. Teles de Menezes,
prescreveu um tratamento rigoroso, com compressas quentes e sinapismos de duas
em duas horas, mesmo durante a noite.
Nesta nova conjuntura,
o Plácido, por assim dizer, mudou-se para a casa do enfermo e, com toda a
assiduidade, ajudava a Zizinha a fazer o tratamento. Ora, nessa época, Diamantina
não tinha ainda luz elétrica. A iluminação das ruas era de acetileno e a
doméstica por meio de candeeiros belgas, nas casas ricas, e simples lamparinas
nas remediadas ou pobres.
Quando chegava
o momento dos sinapismos noturnos, a Zizinha pegava em uma das lamparinas ao pé
do leito do pai e chamava o estudante:
—Padre
Plácido, vamos? Assim lhe dizia por graça. Este respondia:
—Sim, irmã
Zizinha. E saiam ambos pelos escuros corredores e quantos do soturno casarão,
até a cozinha onde preparavam o remédio. Ora, uma noite, uma lufada de vento apagou a lamparina
quando ambos estavam no corredor. O resultado foi darem-se as mãos e correrem.
Este acontecimento repetiu-se ainda por duas
ou três vezes. Finalmente, veio a tentação: era o próprio futuro Padre Plácido
que se encarregava de apagar a luz e a Zizinha fazia o resto.
Neste ponto,
só havia um recurso para o estudante e para mim que lhe escrevo a
crônica—desistir: ele de ser padre e eu de continuar o conto.
No ano seguinte, havia um estudante a menos no
Seminário.
Entretanto,
anos depois eles se casaram: A Zizinha com um cavaleiro que nada tinha com o
caso e o rapaz com uma formosa moça da Capital.
Voz de
Diamantina, 1948, nº 40, Diamantina.
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