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sábado, 1 de dezembro de 2018

Iluminação das ruas antigas de Diamantina


UM PADRE GORADO
Paulo Kruger Corrêa Mourão
Nem mesmo nas férias aquele jovem seminarista deixava a batina. Tendo entrado para o Seminário ainda muito moço. o Plácido Tameirão tomou muito a sério o estudo no estabelecimento c dedicando-se a ele, com todas as suas forças, sonhava com o dia feliz da ordenação em que realizara o ideal de se dedicar ao serviço do altar.
No dia 30 de junho, quando tinha Inicio o período de três meses de descanso, ele vinha para casa, sério e compenetrado, metido na surrada sotaina, e se conservava recolhido e santo, sempre em casa, enquanto os seus colegas vestiam logo os trajes seculares e se distraiam da austeridade de educandário procurando os bailes, as serenatas e os judeus noturnos.
 O Seminário localizado no alto, ao largo D. João, e visível de grande distância, para quem viaja para a cidade. As agulhas das suas torres góticas são vistas pelo viajante, «desde muito longe, quer tenha a cavalo, como era o único meio possível no tempo desta história, quer de estrada de ferro a partir de 1914, data da inauguração da ferrovia.
Ao lado da imponente igreja de cantaria, ficam os três  grandes pavilhões e as dependências daquele enorme edifício  pelo qual tem passado tantas gerações de estudantes que, mais tarde, se tornaram conhecidas nas letras, nas ciências e na administração, na política  constituindo uma verdadeira elite da velha cidade mineira e de todo o norte do Estado.


                                  Teatro Santa Isabel - Diamantina-MG
Mesmo durante as férias, nos domingos, vinha o Plácido Tameirão assistir a benção das 6 horas, antes anunciada pelo sino grave e soturno da torre.
Tal era a sua constância que ninguém ousava duvidar daquela vocação revelada tão cedo.
 Já havia ele concluído o curso ginasial propriamente e frequentava o de filosofia. Era de se notar o extraordinário interesse que demonstrava por este estudo: sabia apontar os erros e exageros dos filósofos agnósticos, enquanto revelava invulgar entusiasmo pela filosofia tornista.
Enquanto fazia esses estudos que o aproximavam da dignidade sacerdotal, faltando poucos anos para a ordenação  adquiria insensivelmente invejável cultura geral, de orientação  clássica.
Nos períodos que passava em casa, não deixava de se exercitar também na prática da caridade, pois, compreendia que, no amor de Deus e do próximo, estava toda a essência da vida espiritual.
Certa vez, teve notícias de que, vizinho á sua casa, morava um homem idoso que adquirira cruel enfermidade e Vivia bastante isolado, apenas com a mulher e uma filha que lhe prodigalizavam cuidados.
 Formou logo o plano caridoso de oferecer a sua companhia ao velho, bem como de tratar dele, na medida das possibilidades. Sendo aceita, tornou-se logo intimo da casa, passando longas horas com o enfermo para quem lia algumas vezes e sempre auxiliava no tratamento. A mulher do homem, D. Amelia, vivia decantando a bondade do moço. Assim pensava  também a filha—a Zizinha—que ficava comovida de ver tão desinteressada dedicação.
Nas longas conversas ao pé do leito do enfermo, muitas castelavam:
  —Havemos de assistir á sua primeira missa, dizia a velha.
— E se algum dia eu me casar será o senhor o, celebrante, acrescentava a moça.
—Porque não entra para um convento? indagava ele como se não compreendesse outra vocação que a do claustro.
—Cruz! gritava a moça, com grande escândalo do estudante.
Cerca de um mês depois, o velho piorou muito. O médico da cidade, Dr. Teles de Menezes, prescreveu um tratamento rigoroso, com compressas quentes e sinapismos de duas em duas horas, mesmo durante a noite.
Nesta nova conjuntura, o Plácido, por assim dizer, mudou-se para a casa do enfermo e, com toda a assiduidade, ajudava a Zizinha a fazer o tratamento. Ora, nessa época, Diamantina não tinha ainda luz elétrica. A iluminação das ruas era de acetileno e a doméstica por meio de candeeiros belgas, nas casas ricas, e simples lamparinas nas remediadas ou pobres.
Quando chegava o momento dos sinapismos noturnos, a Zizinha pegava em uma das lamparinas ao pé do leito do pai e chamava o estudante:
—Padre Plácido, vamos? Assim lhe dizia por graça. Este respondia:
—Sim, irmã Zizinha. E saiam ambos pelos escuros corredores e quantos do soturno casarão, até a cozinha onde preparavam o remédio.  Ora, uma noite, uma lufada de vento apagou a lamparina quando ambos estavam no corredor. O resultado foi darem-se as mãos e correrem.
 Este acontecimento repetiu-se ainda por duas ou três vezes. Finalmente, veio a tentação: era o próprio futuro Padre Plácido que se encarregava de apagar a luz e a Zizinha fazia o resto.
Neste ponto, só havia um recurso para o estudante e para mim que lhe escrevo a crônica—desistir: ele de ser padre e eu de continuar o conto.
 No ano seguinte, havia um estudante a menos no Seminário.  
Entretanto, anos depois eles se casaram: A Zizinha com um cavaleiro que nada tinha com o caso e o rapaz com uma formosa moça da Capital.
Voz de Diamantina, 1948, nº 40, Diamantina.

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