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sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O Vaticinio do Feiticeiro


O Vaticinio do Feiticeiro   
 Paulo Krüger Corrêa Mourão.



Esta história tem características próprias aqui minuciosamente descritas. Qualquer semelhança com casos da vida real que não apresentem as mesmas características  terão sido coincidência.
Ao romper da alvorada, duas moças desciam apressadas a rua que leva á chácara do Juca Neves. Estavam muito agasalha- das e iam de braço dado, falando baixinho e sorrindo.
O mistério que emprestavam ao que iam fazer era patenteado pela preocupação de esconder o rosto nas golas levantadas dos paletós de frio e pelo que conversavam em voz baixa, olhando furtivamente em derreder, para verem se eram observadas. As precauções, aliás, era inúteis, pois aquela hora matinal a rua estava deserta. Uma das moças era clara, de rosto oval. plena de juventude e graça, encantadora pelos seus olhos trêfegos e pela vivacidade contagiante de seus modos; a outra era morena, de rosto redondo, grandes olhos cismadores, a personificação da simpatia. Se a primeira perturbava e inspirava paixão, a segunda só poderia despertar o amor. Eram primas e estavam ambas noivas. A mais clara chamava-se Roxana e a morena Leticia. Continuavam o seu caminho apressadas sem reparar na beleza daquela manhã outonal, tão característica de Diamantina. As gotas de orvalho brilhavam ao sol nascente, como se fossem pingos de frio condensado.  
As moças passaram pela chácara dos Neves, ainda fechada, e prosseguiram o caminho pela estrada que conduz ao bairro da Palha. Passando ao lado de baixo do cemitério.
 Á cerca de uns trezentos metros da porteira da chácara  começaram a aparecer, á beira do caminho, uns pequenos casebres cobertos de sapé. As moças deram em repará-los e, em dado momento, a Roxana apontou para uma dessas cafuas, á direita, dizendo:
- É ali.
A outra fez que sim com a cabeça e ambas se dirigiram para a única porta de entrada, depois de terem olhado para diante e para traz, com o receio de serem vistas.
Bateram porta com força e esperaram. Alguns segundos depois, abriu-se uma das janelas de taboa rústica e surgiu a cabeça de um negro velho, já com a carapinha prateada, denotando avançada idade, pois a raça negra é demorada em encanecer. Os olhos do  homem eram vidrados e apresentavam um misto de resignação e cansaço.
Com a voz trêmula, perguntou?
- O Que é que vocês desejam ?
— O Senhor não é o seu Manoel Amassabarro? Indagou a Rosana.
— Um criado de vancês. O homem não mandou que entrassem, suspeitoso, mas a Leticia falou de forma a despertar a confiança: Desejávamos consultar ao Senhor.
— Já vou atendê vancês, disse o preto, saindo da janela. Alguns segundos depois, ele abriu a porta e as duas moças penetraram no casebre, não sem olhar novamente para um lado e para o outro da estrada. — Seu Manoel, disse a Rosana, eu e minha prima vamo-nos casar e desejamos que o senhor nos diga se seremos felizes. O senhor pode falar com toda a franqueza. O homem, a princípio, ficou olhando para a moça, com ar apalermado, como se tivesse ouvido as suas palavras, mas não percebesse o sentido delas. Depois falou:
—Vancês qué que eu diga tudo mémo que num seja favorável ?
 —Isto mesmo. Seu Manoel, pôde dizer o que achar, sem receio, respondeu a interpelada. As moças começaram a reparar a casa; estavam numa saleta que era ao mesmo tempo sala e cozinha, pois, no canto, havia um fogão feito de adobes. Do teto, pendiam os objetos mais estranhos: um pé de coelho; uma planta seca, parecendo arruda; um colar de grandes contas; na mão com os dedos em posição de “figa'', toscamente esculpida em madeira; uma estrela de cinco pontas de arame e outras coisas mais.
Na prateleira do fundo, havia várias panelas com haste para mexer.  Em uma delas estava uma cousa seca, com o aspecto de uma mão de criança, conforme-pareceu ás moças, na penumbra da peça. Seu Manoel levantou-se penosamente do tamborete em que se achava e foi capengando até um armário de onde tirou um baralho ensebado. Voltando, pôs-se a embaralhar as cartas com as suas mãos magras e, era seguida, dispô-las sobre a mesa tosca de taboas escuras, em uma ordem estranha, enquanto enquanto rnurmurava baixinho palavras ininteligíveis. Em seguida, apontando para a Leticia, disse :
    - Ancê é mariposa.
Ficou calado alguns segundos e, depois, repetiu:
 — Ancê é mariposa e vai se queimá numa véla!
— Eu? perguntou a Leticia admirada.
    O preto fez que sim, com a cabeça, e, virando-se para a Rosana esboçou um sorriso, mais parecido com uma careta. Tomou então as cartas, embaralhou-as novamente e as dispôs, em outra ordem, repetindo ainda palavras misteriosas. Feito isto, apontou então para ela e falou: — Vancé é barbuleta. Vancê é barbuleta e vae vuá, vuá té muito alto I
— Só ? perguntou a moça, cujos olhos brilhavam de satisfação. A cabeça do velho, moveu-se verticalmente, dizendo que sim. Como ele não falou mais nada; as moças levantaram-se, abri- ram a bolsa puseram sobre a mesa duas pratas de 2 mil reis e retiraram-se.
Lá fora a Leticia explodiu : — Negro idiota! A Roxana retrucou: — Foi você mesma que me convidou a vir. Não tenho a culpa do que ele disse : Em seguida, sorriu, sem caridade, como se achasse ridículo o despeito a outra.
          A Leticia voltou á carga. — Você está satisfeita, Roxana, porque ele previu para você ura elevado futuro; admira-me que creia num preto ignorante como esse Amassabarro. A outra julgou melhor não discutir e ambas voltaram caladas para casa.
Três meses depois, Roxana se casou e mudou-se logo para São Paulo, onde o marido arranjou uma boa colocação. Já morava ai, havia cinco meses, quando recebeu uma carta da Leticia, convidando-a para o seu casamento. No final da missiva, ela dizia : "Soube que vocês estão muito bem aí. Já teria começado a Ascenção prevista pelo Amassabarro?''  Após o seu casamento, a Leticia mudou-se para Porto Alegre, onde o marido tencionava tentar a profissão, mas sem a segurança de um bom cargo, como tinha o esposo da Roxana.
_ Um ano depois não havia grandes novidades na vida dos casais, senão que a Leticia havia tido um bebe.  A Roxana ainda conservava o seu corpo esbelto do tempo de solteira.
Cinco anos depois do casamento de Roxana, o casal iniciou uma serie de grandes viagens a que obrigava o novo cargo do mando. A borboleta continuava no seu voo ascensional. Leticia teve o segundo e terceiro filho. O marido já estava bastante conhecido, como profissional, e a fortuna começava, enfim, a sorrir-lhe.  A mariposa ainda não se queimara na luz.
 Depois de um período de dois anos de continuas viagens houve uma grande novidade na vida de Roxana—outro homem !  teve acidentalmente, a terrível revelação.  E que homem! O seu maior amigo!
O marido perdoou. Até hoje a família discute se devera tê-lo feito. Perdoou, mas não esqueceu.
Roxana se defendeu com a mais amarga das defesas:
-“ Eu vivia isolada!”
Foi a borboleta que queimou as asas na vela da predição do Manuel Amassabarro.
Só que ele se enganou quanto ás pessoas.
O marido da Leticia começou a sua brilhante ascensão  como profissional, e homem de letras. Ocupou e ocupa ainda: O mais elevados cargo. Foi  a mariposa que voou.
              Voz de Diamantina, 1948, nº 39, Diamantina

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