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sexta-feira, 4 de janeiro de 2019


A LENDA DA IGREIA DA LUZ
Paulo Krüger Corrêa Mourão.

O professor Aires da Mata Machado Filho, cm seu livro "Arraial do Tijuco, Cidade de Diamantina", diz, a respeito da igreja da Luz e da sua fundadora D. Tereza de Jesus, a fls. 166 [ "é tradição que essa capela, além de um recolhimento de órfãs. foi fundada pela referida Senhora, por voto que fez, tendo fugido do terremoto de Lisboa, de 1755." ... . .
Mais abaixo, inventariando os objetos existentes na igreja, diz o mesmo autor:
 "um retrato a óleo da fundadora da capela, pelo pintor Manuel Pereira, e uma cruz com fragmento do Santo Lenho, devidamente autenticada, trazendo a data de 1795 e o respectivo documento a de 11 de novembro de 1793, o que prova que lá então existia a capela.' (O grifo é meu).
Com essas afirmativas, o professor Aires dá curso a uma lenda que corre em Diamantina de que a referida senhora D. Tereza de Jesus tenha fugido de Lisboa no próprio dia do terremoto de 1755 e tenha feito a promessa de, caso conseguisse chegar ao Brasil, mandar edificar uma capela destinada ao culto de Nossa Senhora da Luz.








 Esta interessante história, se verdadeira, mostraria ser a Igreja da Luz a concretização de uma promessa, mas não me parece ter fundamento, pelos motivos que passo a expor.
 Em primeiro lugar, não é crivei pudesse uma pessoa fugir por mar do horror a que se reduziu Lisboa, em poucos minutos, naquele trágico dia de novembro de 1753. Efetivamente, o terre- moto destruiu a cidade por desmoronamento, em alguns poucos minutos, seguindo-se o incêndio e o maremoto que fez o Tejo invadir a capitai, completando a obra de extermínio. Como compreender pudesse alguém, naquela terrível confusão, conseguir embarcação para se fazer ao mar e que esta resistisse a onda do maremoto?
Poderia ser contudo que a referida senhora não tivesse saído da cidade, tendo-se salvo, como também o foram tantas outras milhares de pessoas, mas não ficaria assim explicado fizesse ela o voto de fundar capela precisamente no Brasil e nem a razão Dela qual se transportou para cá. Aceitamos, entretanto, a possibilidade de ter feito o voto para se salvar, de qualquer forma daquela hecatombe. Compreendesse que, neste caso, ao chegar ao Brasil, deveria, dentre de breve prazo, tratar de iniciar a construção do templo. Assim não o fez. entretanto, conforme prova o códice n°. 270, de 1795 a 1803, maço 51, do Arquivo Público Mineiro. Por ele se verifica que D. Tereza de Jesus Perpetua solicitou permissão ao Príncipe Regente D. João para erguer a capela, no ano de 1802, isto é, quarenta e sete anos depois do terremoto. Deve-se notar que a licença, dirigida ao Príncipe Regente, como Grão Mestre da Ordem de Cristo, teve o despacho favorável só em 1803. (Códice 277, fls. 112v).
Ora, como compreender tivesse essa senhora esperado tantos anos para cumprir tão solene e grave promessa? Há ainda uma circunstância que não pode passar despercebida a quem conheça o espírito religioso da época: nas petições era costura alegarem-se as razões de ordem religiosa, quando as havia. D. Tereza, pelo seu procurador, alega “Huma particular devoção com a Virgem Santíssima como May e Protetora dos Pecadores”, bem como, em seu benefício, "para afervorar o culto". Entretanto não fala em promessa ou voto algum. - .
 A petição da abastada matrona e a informação do intendente dos diamantes, Dr. Modesto Antônio Mayer, não citados no livro do professor Aires, vão abaixo transcritas, na integra, tal como as copiei da continuação fl. 1 códice ns 270, março 51 (de 1795 a 1803). . .
 Pelo exame de ambas, verifica-se ser também inexata a existência antiga de recolhimento de órfãos anexo a capela, hipótese está sem o menor fundamento, pois, além da petição não tocar no assunto, não há, nas proximidades da igreja, nenhum prédio antigo que se prestasse a tal mister.
Assim, pois, á luz desses documentos, fica provado que a igreja que se supunha, talvez, a mais antiga de Diamantina é, possivelmente, a mais recente (com exceção, é claro, da Catedral e das novas capelas) sendo provável que se tenha ultimado justamente quando "a Arquiconfraria de São Francisco, que esteve na capela do Amparo desde 1806 até 1819, transportou-se nessa data para a capela de N. Senhora da Luz, que D. Tereza de Jesus, sua proprietária, lhe cedeu".
Cópia da petição Por Despº do Cons. Ultrº de 2 de Dezembro de 1803.
 "Senhor Diz D. Thereza de Jesus Perpetua, assistente nas Minas Geraes, Bispado de Marianna, que ella suppiicante temhuma particular devoção com a Virgem Santíssima como May e pro- tectora dos Pecadores elhetem permitido erigir huma Capella, com o orago de Nossa Senhora da Luz, efazer-lhe' hum decente Patrimônio para Sustentação doculto Divino. Ecomo aquellas Terras são do Padroado da Orden de Christo dq, V. AR. he Grão Mestre, poresso depende nupassamento da Regia Licença, aqual implora a Supplicante por intercessão da mesma Senhora. Econfia naPiedade de V. A. B. espera merecer esta Graça permitindo-lhe a faculdade deerigir huma Capella com aquele Orago nos Suburbios do Arrayal do Tejuco, não só comobsequio áSenhora, mas tãobem embeneficio daSupplicante, emais visinhos que nella desejão afervorar oculto, eassestirem aos Divinos Officios, entre- tanto que nenhum prejuiso fáz ao Regio Padroado da Ordem, visto queaSuplicante seofrece afazer ocompetente Patrimônio para adecencia do culto, portanto—Pede avossAlteza Real, sedigne mandar porseuRegio Decreto, que na Meza da Consciência ordene seexpessa á Suppiicante Provizão deLicença para erigir a referida capella, fazendo perante oOrdenario ocompetente Patrimô- nio aqueseofresse—EReceber áMerce—Como Procurador daSupplicante. Domingos José Soares Bassos Franco, de Borja Garção Stockier". A informação dada pelo Intendente é a seguinte: ' Illmo. e Exmo. Snr. A pertenção de D. Thereza de Jesus Perpetua moradora no Arral, do Tejuco desta Capnia na ereção de Huma Capellada N. Snra. dainvocação da Luz, Sobre que S. A. B. foi Servido mandar me ouvir precizavão só mente da Li- cença do .Mesmo Senhor como Grão Mestre da Ordem de Chris- to, noque meparece nâo pôde haver duvida humavez q. aSupe. estabeleça rendimto. suficiente pa. reparos, fabrica e . . . (ilegi- vel) da mencionada Capella; mas também necessita da liegia Dis- pensa do Alvará de 20 de Mayo de 1795 q proibe pellos SoIidos e irreíragaveis princípios nelle substanciados, similhante genero de . . . (ilegível) Per ssuado-me porem q os princípios geraes es- tabelecidos naquele Alvará podemser modificados a favor da Supe. não sp pellas razoens allegadas no mencionado requeri- mento que reconheço serem verdadeiras pelloparticujar conheci- mento q tenho da Supe. e dos consideráveis bens eq não tem herdos. necessos. Como também pella utilidade q dahi resulta ao publico, suposta aSituaçâo das Casas eCapellas da Supe q sendo fundadas na extremidade dods Arraial fica sendo aquelle oio e devoto estabelecimento . . . (ilegivel) utilidade como . (ileai- vel) aos Domingos e aos Santos aos mmos, moradores que tabitão os Subúrbios do Arral, pa. aquelle lado, não havendo outra Capella ondemais comodamte. possa satisfazer ao preceiloda Missa. Isto he oq me paresse devia responder sobre o Requerimento da Supe. V. Exa. porem informará oq lhe parecer justo. D. Ge. V. E^a. ViUa Ra. 17 de julho de 18ÍÍ3.'' - /*• - Eilmo. e Exmo. Sar. Berms Je. de Lorena ' O Intende.'dos Diamantes.  * * ' , Modesto Anta Mayer.

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