A LENDA DA IGREIA DA LUZ
Paulo Krüger Corrêa Mourão.
O professor Aires da Mata Machado
Filho, cm seu livro "Arraial do Tijuco, Cidade de Diamantina", diz, a
respeito da igreja da Luz e da sua fundadora D. Tereza de Jesus, a fls. 166 [
"é tradição que essa capela, além de um recolhimento de órfãs. foi fundada
pela referida Senhora, por voto que fez, tendo fugido do terremoto de Lisboa,
de 1755." ... . .
Mais abaixo, inventariando os objetos existentes na igreja,
diz o mesmo autor:
"um retrato a óleo da fundadora da
capela, pelo pintor Manuel Pereira, e uma cruz com fragmento do Santo Lenho, devidamente
autenticada, trazendo a data de 1795 e o respectivo documento a de 11 de
novembro de 1793, o que prova que lá então existia a capela.' (O grifo é
meu).
Com essas afirmativas, o
professor Aires dá curso a uma lenda que corre em Diamantina de que a referida
senhora D. Tereza de Jesus tenha fugido de Lisboa no próprio dia do terremoto
de 1755 e tenha feito a promessa de, caso conseguisse chegar ao Brasil, mandar
edificar uma capela destinada ao culto de Nossa Senhora da Luz.
Esta interessante história, se verdadeira,
mostraria ser a Igreja da Luz a concretização de uma promessa, mas não me parece
ter fundamento, pelos motivos que passo a expor.
Em primeiro lugar, não é crivei pudesse uma
pessoa fugir por mar do horror a que se reduziu Lisboa, em poucos minutos, naquele
trágico dia de novembro de 1753. Efetivamente, o terre- moto destruiu a cidade
por desmoronamento, em alguns poucos minutos, seguindo-se o incêndio e o
maremoto que fez o Tejo invadir a capitai, completando a obra de extermínio.
Como compreender pudesse alguém, naquela terrível confusão, conseguir
embarcação para se fazer ao mar e que esta resistisse a onda do maremoto?
Poderia ser contudo que a
referida senhora não tivesse saído da cidade, tendo-se salvo, como também o
foram tantas outras milhares de pessoas, mas não ficaria assim explicado
fizesse ela o voto de fundar capela precisamente no Brasil e nem a razão Dela
qual se transportou para cá. Aceitamos, entretanto, a possibilidade de ter
feito o voto para se salvar, de qualquer forma daquela hecatombe. Compreendesse
que, neste caso, ao chegar ao Brasil, deveria, dentre de breve prazo, tratar de
iniciar a construção do templo. Assim não o fez. entretanto, conforme prova o
códice n°. 270, de 1795 a 1803, maço 51, do Arquivo Público Mineiro. Por ele se
verifica que D. Tereza de Jesus Perpetua solicitou permissão ao Príncipe
Regente D. João para erguer a capela, no ano de 1802, isto é, quarenta e sete
anos depois do terremoto. Deve-se notar que a licença, dirigida ao Príncipe Regente,
como Grão Mestre da Ordem de Cristo, teve o despacho favorável só em 1803.
(Códice 277, fls. 112v).
Ora, como compreender tivesse
essa senhora esperado tantos anos para cumprir tão solene e grave promessa? Há
ainda uma circunstância que não pode passar despercebida a quem conheça o
espírito religioso da época: nas petições era costura alegarem-se as razões de
ordem religiosa, quando as havia. D. Tereza, pelo seu procurador, alega “Huma
particular devoção com a Virgem Santíssima como May e Protetora dos Pecadores”,
bem como, em seu benefício, "para afervorar o culto". Entretanto não
fala em promessa ou voto algum. - .
A petição da abastada matrona e a informação
do intendente dos diamantes, Dr. Modesto Antônio Mayer, não citados no livro do
professor Aires, vão abaixo transcritas, na integra, tal como as copiei da
continuação fl. 1 códice ns 270, março 51 (de 1795 a 1803). . .
Pelo exame de ambas, verifica-se ser também
inexata a existência antiga de recolhimento de órfãos anexo a capela, hipótese
está sem o menor fundamento, pois, além da petição não tocar no assunto, não há,
nas proximidades da igreja, nenhum prédio antigo que se prestasse a tal mister.
Assim, pois, á luz desses
documentos, fica provado que a igreja que se supunha, talvez, a mais antiga de
Diamantina é, possivelmente, a mais recente (com exceção, é claro, da Catedral
e das novas capelas) sendo provável que se tenha ultimado justamente quando
"a Arquiconfraria de São Francisco, que esteve na capela do Amparo desde
1806 até 1819, transportou-se nessa data para a capela de N. Senhora da Luz,
que D. Tereza de Jesus, sua proprietária, lhe cedeu".
Cópia da petição Por Despº do Cons. Ultrº de 2 de Dezembro
de 1803.
"Senhor Diz D. Thereza de Jesus Perpetua,
assistente nas Minas Geraes, Bispado de Marianna, que ella suppiicante temhuma
particular devoção com a Virgem Santíssima como May e pro- tectora dos
Pecadores elhetem permitido erigir huma Capella, com o orago de Nossa Senhora
da Luz, efazer-lhe' hum decente Patrimônio para Sustentação doculto Divino.
Ecomo aquellas Terras são do Padroado da Orden de Christo dq, V. AR. he Grão
Mestre, poresso depende nupassamento da Regia Licença, aqual implora a Supplicante
por intercessão da mesma Senhora. Econfia naPiedade de V. A. B. espera merecer
esta Graça permitindo-lhe a faculdade deerigir huma Capella com aquele Orago
nos Suburbios do Arrayal do Tejuco, não só comobsequio áSenhora, mas tãobem
embeneficio daSupplicante, emais visinhos que nella desejão afervorar oculto,
eassestirem aos Divinos Officios, entre- tanto que nenhum prejuiso fáz ao Regio
Padroado da Ordem, visto queaSuplicante seofrece afazer ocompetente Patrimônio
para adecencia do culto, portanto—Pede avossAlteza Real, sedigne mandar
porseuRegio Decreto, que na Meza da Consciência ordene seexpessa á Suppiicante
Provizão deLicença para erigir a referida capella, fazendo perante oOrdenario
ocompetente Patrimô- nio aqueseofresse—EReceber áMerce—Como Procurador daSupplicante.
Domingos José Soares Bassos Franco, de Borja Garção Stockier". A
informação dada pelo Intendente é a seguinte: ' Illmo. e Exmo. Snr. A pertenção
de D. Thereza de Jesus Perpetua moradora no Arral, do Tejuco desta Capnia na
ereção de Huma Capellada N. Snra. dainvocação da Luz, Sobre que S. A. B. foi
Servido mandar me ouvir precizavão só mente da Li- cença do .Mesmo Senhor como
Grão Mestre da Ordem de Chris- to, noque meparece nâo pôde haver duvida humavez
q. aSupe. estabeleça rendimto. suficiente pa. reparos, fabrica e . . . (ilegi-
vel) da mencionada Capella; mas também necessita da liegia Dis- pensa do Alvará
de 20 de Mayo de 1795 q proibe pellos SoIidos e irreíragaveis princípios nelle
substanciados, similhante genero de . . . (ilegível) Per ssuado-me porem q os
princípios geraes es- tabelecidos naquele Alvará podemser modificados a favor
da Supe. não sp pellas razoens allegadas no mencionado requeri- mento que
reconheço serem verdadeiras pelloparticujar conheci- mento q tenho da Supe. e
dos consideráveis bens eq não tem herdos. necessos. Como também pella utilidade
q dahi resulta ao publico, suposta aSituaçâo das Casas eCapellas da Supe q
sendo fundadas na extremidade dods Arraial fica sendo aquelle oio e devoto
estabelecimento . . . (ilegivel) utilidade como . (ileai- vel) aos Domingos e
aos Santos aos mmos, moradores que tabitão os Subúrbios do Arral, pa. aquelle
lado, não havendo outra Capella ondemais comodamte. possa satisfazer ao
preceiloda Missa. Isto he oq me paresse devia responder sobre o Requerimento da
Supe. V. Exa. porem informará oq lhe parecer justo. D. Ge. V. E^a. ViUa Ra. 17
de julho de 18ÍÍ3.'' - /*• - Eilmo. e Exmo. Sar. Berms Je. de Lorena ' O
Intende.'dos Diamantes. * * ' , Modesto Anta
Mayer.
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