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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A velha da rua do Amparo





A velha tia Irene, pobre, solteira, hipocôndrica por causa de uma cruciante asma, apesar de excelente criatura, nunca se resignou a morar com as sobrinhas, embora amando-as estremecidamente.
            Morava em Diamantina, em uma casinha na rua do Amparo perto da igreja, inteiramente só... Ah! é verdade, tinha por companhia um cão chamado Sósinho e umas galinhas, sempre em número limitado – doze, afora o galo. Quando morria alguma, a substituía por outra igual.
            Um dia, indo visitá-la, disse-lhe que estava de partida para a fazenda do meu cunhado, e perguntei-lhe si queria escrever á minha irmã.
            - Não, meu filho, dê-lhe lembranças. Ah! agora me lembro. Perdi ontem uma galinha. Peça á Fininha que me mande outra. Mas escreva na carteira...
            - Oh! Tia Irene, não me esquecerei.
            Não. Escreva como há de ser a galinha. Olhe: topetuda, nanica, china, de orelha branca, preta de carne branca, sapateira, sura e de oveiro caído...
            Chegando á fazenda, transmiti á minha irmã a encomenda. Tinha ela muitascentenas de galinhas. Mandou reuní-las, e começamos a escolha.
            Nenhuma achamos com todos os requisitos! De vinte nanicas, dez tinham o oveiro caído, mas, só três eram sapateiras, duas suras e nenhuma topetuda. Destas, nenhuma era sura... E assim por diante. Si dispensassemos uma das condições, achariámos dezenas.
            Finalmente, nem na criação dos agregados achou-se a galinha da tia Irene! Mandaram-lhe duas dúzias, mas ela não quis conservar nenhuma, porque não podiam subistituir a falecida...
            Quanta gente neste mundo anda a procurar a galinha da tia Irene! Quanta gente vive solteira por ser tão exigente como ela!
             Bastaria por exemplo, dispensar o topete, para acharem-se logo no embaraço da escolha...
SILVÉRIO, Padre, Quarenta Contos, A galinha da tia Irene, pág.65, Ed. Boa Imprensa, Petrópolis

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