A velha tia
Irene, pobre, solteira, hipocôndrica por causa de uma cruciante asma, apesar de
excelente criatura, nunca se resignou a morar com as sobrinhas, embora
amando-as estremecidamente.
Morava em Diamantina, em uma casinha
na rua do Amparo perto da igreja, inteiramente só... Ah! é verdade, tinha por
companhia um cão chamado Sósinho e umas galinhas, sempre em número limitado –
doze, afora o galo. Quando morria alguma, a substituía por outra igual.
Um dia, indo visitá-la, disse-lhe
que estava de partida para a fazenda do meu cunhado, e perguntei-lhe si queria
escrever á minha irmã.
- Não, meu filho, dê-lhe lembranças.
Ah! agora me lembro. Perdi ontem uma galinha. Peça á Fininha que me mande
outra. Mas escreva na carteira...
- Oh! Tia Irene, não me esquecerei.
Não. Escreva como há de ser a
galinha. Olhe: topetuda, nanica, china, de orelha branca, preta de carne
branca, sapateira, sura e de oveiro caído...
Chegando á fazenda, transmiti á
minha irmã a encomenda. Tinha ela muitascentenas de galinhas. Mandou reuní-las,
e começamos a escolha.
Nenhuma achamos com todos os
requisitos! De vinte nanicas, dez tinham o oveiro caído, mas, só três eram
sapateiras, duas suras e nenhuma topetuda. Destas, nenhuma era sura... E assim
por diante. Si dispensassemos uma das condições, achariámos dezenas.
Finalmente, nem na criação dos
agregados achou-se a galinha da tia Irene! Mandaram-lhe duas dúzias, mas ela
não quis conservar nenhuma, porque não podiam subistituir a falecida...
Quanta gente neste mundo anda a
procurar a galinha da tia Irene! Quanta gente vive solteira por ser tão
exigente como ela!
Bastaria por exemplo, dispensar o
topete, para acharem-se logo no embaraço da escolha...
SILVÉRIO,
Padre, Quarenta Contos, A galinha da tia Irene, pág.65, Ed. Boa Imprensa,
Petrópolis
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