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sexta-feira, 22 de maio de 2020

Descrição do Tijuco

Antes de chegar a este belo arraial o viajante faz uma ideia favorável considerando que aí vão dar, Alguns acham-se reparados de poucos anos pelo cuidado do intendente(Câmara) e ofertas voluntárias dos habitantes. Ainda eu não tinha visto tão belos em alguma outra parte da Província. O Tijuco está assente no declive de um monte, cujos altos acham-se profundamente escavados pelos mineiros. Por baixo corre, em um vale bastantemente apertado, um córrego, que tem o nome de São Francisco. Do outro lado, serras extremamente áridas fronteiam o arraial e apresentam por toda a parte rochas escuro pardas, no meio das quais cresce uma relva, cuja cor pouco diferençava, no tempo da minha viagem, da das rochas mesmas. A verdura dos jardins do arraial contrasta, como logo direi, com essas cores sombrias, e chegando-se do Pinheiro ou do serviço do Curralinho, avista-se uma palmeira em um dos jardins, sobressai a todas as casas e forma por cima delas como uma elegante coroa.  As ruas do Tijuco são muito largas, muito asseadas, mas muito mal calçadas, quais todas são em declive, em razão da situação do arraial.   As casas edificadas, umas de terra e madeira, outras com adobe, são cobertas de telhas caiadas por fora, e em geral bem limpas. As portas e janelas são pintadas de diferentes cores, conforme o gosto dos proprietários. As rótulas, que fazem tão tristes as casas de Vila Rica, são muito mais raras em Tijuco, e os telhados não se estendem muito para fora das paredes.   Quando me despedia dos habitantes, tive ocasião de entrar nas principais casas do Tijuco que pareceram-me muito asseadas. As paredes dos repartimentos, em que entrei, eram caiadas, e as barras e os forros dos tetos  eram pintados imitando mármore. Quando aos móveis, havia em toda a parte em pequeno número, e eram geral tamboretes de couro cru, cadeiras com grandes espaldares, bancos e mesas.
                                Imagem da internet - Chácara dos Padres-  ao fundo o Seminário
Os jardins do Tijuco pareceram-me em geral mais bem tratados, que os que vi em outras partes; mas não são arranjados com mais ordem e simetria. Como quer que seja, pontos de vista muito mais agradáveis formam-se da reunião de jardins e casas unidas diversamente e dispostas em um plano inclinado. De muitas casas avistam-se, não só as que estão em baixo do declive do monte, mas o fundo do vale e as serras, que elevam-se fronteiras ao arraial; e não é possível descrever-se o efeito admirável , que em uma paisagem produz o contraste da verdura tão fresca dos jardins com a cor dos telhados das casas, e mais ainda com as cores pardacentas e austeras do pequeno vale e das montanhas circunvizinhas.   Posto que a cabeça do distrito dos diamantes por muito tempo não tenha sido senão uma capela filial da vila do Príncipe, há aí contado sete igrejas e duas capelas. Todos estes edifícios são pequenos, mas ornados com asseio e muito gosto. Por cima da porta das igrejas (ao inferior) a uma tribuna onde colocam os músicos, quando se celebram missas solenes. Muitas igrejas tem um pequeno órgão, feito no mesmo arraial, e há algumas que possuem mui belos ornamentos e riquíssima baixela de prata. As mais belas são a de Santo Antônio, São Francisco e Carmo.  Como os conventos são proibidos em toda a província, não os há no Tijuco, mas há uma casa de recolhidas, que educam meninas, e outra de irmãos da Ordem Terceira de São Francisco, encarregada de receber as esmolas que os fiéis conseguiram á sustentação do Santo Sepulcro. Há em Tijuco muitos edifícios públicos; o quartel, a cadeia, a casa da administração (contadoria) e a da intendência mas nada oferecem de notável. Antigamente o intendente residia dentro do arraial, mas a intendência atual está situada fora. Em um grande edifício, muito cômodo, construído em uma altura, da qual descobre-se uma parte do Tijuco, o vale que se estende abaixo do arraial e os rochedos fronteiros.  A casa da intendência possui a varanda talvez mais bela que existe em toda a província. As águas que se bebem no Tijuco são excelentes e fornecidas por pequenas minas que nascem da mesma montanha, em que está situado o arraial. Há fontes dentro de muitas casas, e além destas há três públicas, sem ornato algum. As casas de negócios encontram-se supridas de toda sorte de fazendas; também aí se acham chapéus, mercearias, quinquilharias, louças, vidros e mesmo muitos objetos de luxo, que é admirável encontrarem-se em uma tão grande distância dos portos de mar, e se vendem em geral por preços muito moderados, em atenção ás distâncias e dificuldades de transportes.  Em toda a Província de Minas encontrei homens de costumes dóceis, cheios de benevolência e hospitalidade; e os habitantes do Tijuco não possuem em grau inferior estas qualidades, e nas primeiras classes da sociedade elas ainda são mais realçadas por uma urbanidade sem afetação e pelo estilo de boa companhia. Encontrei em Tijuco mais ilustração que em todo o Brasil, mais gosto pela literatura e um amor mais vivo pela instrução. Muitas pessoas possuídas por uma nobre emulação, aí aprenderam francês sem mestre, conhecem nossos melhores autores e alguns, depois de um longo exercício consigo mesmo, conseguiram poder falar nossa língua de um modo inteligível, sé com o auxílio de uma gramática muito imperfeita. Os habitantes do Tijuco escrevem com belos caracteres, e a estes respeito podem rivalizar com os mais hábeis ingleses. Pelo que posso julgar, não são inferiores na música aos mais habitantes da Província, e uma missa com música, a que assisti em Santo Antônio, não me pareceu inferior á que tinha assistido alguns meses antes na vila do Príncipe.  Pouco tempo antes da minha partida, ofereci á sr. Matilde da Câmara um caderno de música. Logo depois houve em casa do intendente um concerto, no qual tocaram-se muito belas variações das arias do caderno.  Pelo que tenho dito dos recursos do Tijuco, não se deve estranhar, si em acrescentar que aí reina bem estar, que não encontrei em alguma outra parte da Província.   As casas são asseadas, os homens brancos vestem se bem e as mulheres brancas que tive ocasião de ver não se trajam com menos luxo. Mas, é preciso dizê-lo, os habitantes do Tijuco não se apartam desse caráter de imprevidência, que desgraçadamente distingue todos os brasileiros: gastam á media que recebem, e muitas vezes os empregados da  administração diamantina morrem endividados, posto que seus ordenados sejam muitos consideráveis. (Saint_Hilaire – Viagem ao Brasil)

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