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sexta-feira, 17 de junho de 2022

Desafinado - Info 24 - Hábitos musicais no Arraial do Tijuco

 

Como os hábitos musicais introduzidos no Arraial do Tijuco aconteceram por influência direta da nobreza portuguesa ali estabelecida, é bastante provável que no ambiente dos salões nobres tijuquenses se tenha iniciado também a tradição de se cantarem serenatas. Especificamente, no seio da Corte portuguesa, esse costume se firmou por volta de 1720, quando o rei Dom João V promoveu a italianização da vida musical de Portugal, ao contratar o músico italiano Domenico Scarlatti para o cargo de mestre de sua Capela Real. Desde a chegada de Scarlatti, as serenatas passaram a ser cantadas com bastante regularidade na corte, no dia do aniversário do Rei, da Rainha e dos Príncipes, ou nas festas onomásticas. Entrementes, levando-se em consideração estudos publicados por Mariza Lira, fica bastante evidente que, anterior à chegada de Scarlatti à Corte portuguesa, já havia o costume de se cantarem serenatas em Portugal, fora do ambiente palaciano.

Os primórdios da serenata residem no século XI, momento em que o movimento trovadoresco se desenvolveu no sul da França. Os trovadores pioneiros, estabelecidos na região de Provença, inspiraram-se no antigo conceito grego de poema lírico como composição vocal para manifestar o ideal cavalheiresco. Destarte, inseriram seus poemas em novas formas, melodias e ritmos da música profana, de cunho popular. A arte de produzir trovas foi cultivada inicialmente apenas pelos nobres. Depois, para interpretar suas composições, os trovadores passaram a contratar músicos itinerantes, chamados jograis ou menestréis, que divagavam por feiras, aldeias e castelos, difundindo as trovas. Assim, o movimento trovadoresco se estendeu para a classe burguesa, alastrando-se, rapidamente, pelo Continente Europeu, por intermédio dos guerreiros que participavam das cruzadas, ou pelos próprios trovadores, como também os jograis, que visitavam as cortes. No acompanhamento musical, utilizavam-se principalmente a viola, a harpa, a lira e o alaúde.

Como eram feitos para serem cantados, os poemas recebiam o nome de cantigas, versando, principalmente, sobre o amor ou sendo usados como protesto. Entre as cantigas utilizadas para celebrar o amor, a alba e a serena se correlacionavam como formas para se expressar a ansiedade, a tristeza, a saudade e os sofrimentos causados pelo amor. A primeira é a canção matinal e a segunda, a canção noturna, praticada sob o sereno.

Embora o movimento trovadoresco tenha desaparecido no século XIII, o costume de se cantar a serena perpetuou-se na Península Ibérica, atravessou os séculos e terminou por ser implantado no Brasil, sob influência da cultura portuguesa, com o intuito de se sublimar a mulher amada. Por um processo cognitivo de formação da palavra, o termo alba deu origem ao vocábulo alvorada. Da mesma forma, conforme estudos da folclorista, o termo serena transformou-se em serenada na língua castelhana, cujo vocábulo correspondente na língua portuguesa é serenata.

Ainda de acordo com Mariza Lira, o vocábulo serenata é utilizado para nomear uma modalidade de execução musical, ou seja, “concertos realizados à noite e ao ar livre”, cujo repertório utilizado primava sempre por um gênero de canção sentimental e carregada de lirismo, composta de melodias simples e graciosas, com características muito próprias das modinhas. Entrementes, à singularidade desse gênero de canção lírica adicionou-se a maneira específica de os negros e os mulatos cantá-la. Surgiu uma nova forma de serenata, em cujas melodias originais das modinhas foram inseridos elementos peculiares aos fandangos e lundus.

Essa fusão de gêneros musicais, descrita por Mariza Lira, está registrada, com mais detalhes, nos estudos de Mozart de Araújo, para quem o lundu, considerado uma dança chula, sensual e libidinosa, “foi a válvula de equilíbrio emocional de que se utilizaram os escravos para amenizar as agruras do exílio e os sofrimentos da escravidão”. Para Mozart, embora a modinha, “açafata de Corte”, e o lundu, “moleque de eito”, tenham nascido em berços opostos, socialmente antagônicos, terminaram por desenvolver uma convivência tão íntima que, em alguns momentos, fundiram-se.

Portanto, conforme os dois estudiosos citados, a simbiose que ocorreu quando a modinha recebeu elementos característicos do fandango e do lundu gerou nova forma musical, denominada “seresta”, que, fundamentalmente, é uma variante da serenata, por ser também “cantada à noite e ao ar livre”. Isso posto, Mariza Lira afirma que “seresta” é uma corruptela de serenata. Destaca ainda que a mania das serenatas já era da terra quando os negros e mulatos entraram a imitar o branco com o jeitinho todo especial de interpretação, influenciado pelo canto de lundus e fandangos. Toda seresta, pois, é uma forma de serenata.

O costume de se cantarem serenatas ficou marcado como a tradição musical de origem europeia mais intensa que se perenizou em Diamantina.

Foto: Serenata em Diamantina com a presença do presidente Juscelino Kubitschek-Acervo: Cassa de Juscelino




– internet – facebook – Wander da Conceição

 

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