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sexta-feira, 8 de abril de 2022

ASSIM NASCEU O CRUZEIRO DA SERRA

Sobre a chegada do Exmo. Revmo. O Sr. Bispo, remeter-nos o seguinte: A entrada de S. Exc.ª. Revmo.

Acha-se restituído aos seus penates, depois de uma excursão de 4 meses e meio o Sr. D. João Antônio dos Santos, Bispo da Diamantina.

A sua entrada na cidade foi uma ovação popular.

A esboçamos em breves palavras com a singeleza dos fatos.

Cruz em Diamantina-MG- Acervo: Erick


Às 12/2 horas do dia 31 do corrente um portador chegou do Rio Manso anunciou, que em poucas horas S. Exc.ª. Revmo., se acharia entre nós, ao mais tardar às 5 horas desse mesmo dia. Imediatamente agitou-se a cidade, os sinos começaram a tanger em sons festivos, girândolas de fogos atroam os ares. - E o alvoroço apossou-se do peito de todos,

cada qual querendo ser o primeiro a tributar ao venerando prelado suas preces de amor e congratulação por tão próspera vinda.

Cavalgadas improvisaram-se aos centenárias, núcleos de famílias, ondas de povo, todos acudiram pressurosos para saudar a vinda do chefe entre seus súditos em Jesus Cristo. Entre essas e outras espontâneas demonstrações, que pintaram a cordialidade com que eram feitas, destacou-se uma, que se pode considerar a mais feliz inspiração do momento.

Um magnífico Cruzeiro, pesando cerca de 60 arrobas, foi levado em braços por cidadãos de todas as classes para ser fincado no cimo mais alto da serra, que circunda a cidade, como comemoração da volta do santo pastor ao meio de suas ovelhas.

Em sua frente atacavam-se centenas de fogos e bombas; atrás do préstito tocava a excelente banda de música O Coro Grande

Essa ideia toda da iniciativa do Sr. Comandante Herculano Carlos de Magalhães e Castro, que às suas expensas mandou construir o Cruzeiro, deu verdadeiro brilho e realce ao recebimento de S. Exc.ª.

Em poucos instantes a serra do Rio Grande povoou-se, como por encanto, de ondas de povo, multidões condensadas e compactas, que desenhavam à distância, o mais lindo panorama, que pode imaginar-se!... De 3.500 a 4.000 indivíduos foi calculado o número de pessoas, que acudiram ao encontro de S. Exc.ª, há mais de uma légua da cidade.


Serra São Francisco e o Cruzeiro da Serra - Diamantina-MG Acervo: Erick

Um grupo de cavaleiros adiantou-se mais sobre os outros até encontrar o venerando Bispo Diocesano e a sua simpática comitiva; então todos de um só movimento se apearam, e curvando o joelho, beijaram as sagradas mãos de S. Exc.ª... começando a inquirir do estado de sua preciosa saúde. S. Exc.ª. incomodado, desde alguns dias era transportado em uma liteira. Mais próximo chegado, feito o sinal de convenção, o povo voou ao encontro de seu pastor, felicitando-o viva, cordial e sinceramente, desprendendo os animais, que carregavam a liteira, e carregando-a em ombros, disputando-se a glória desse transporte de filhos para com seu carinhoso Pai. O Sr. Bispo abençoando, com seu sorriso de bondade nos lábios, a todos quanto dobravam o joelho para vê-lo passar, era o emblema da virtude: e santidade de modéstia!

Á’ muito custo pode o Exmo. Prelado romper por entre a multidão compacta, que se aglomeravam em redor dele para beijar-lhe as mãos; mas enfim conseguiu chegar à capela, que se havia improvisado de folhas de palmeira coberta de pano; em frente da qual achava-se o Cruzeiro enfeitado de flores, e destinado a ser bento por S. Exc.ª. Reverendíssima.

Antes, porém, da cerimônia de bênção o digno Juiz de Direito Dr. João Salomé de Queiroga pronunciou uma breve, mas tocante alocução, na qual em seu nome, e em nome do povo, se congratulava com S. Exc.ª, pela sua feliz chegada à Sé do Bispado, é ao seio de sua saudosa família e diocesana. O honrado magistrado aproveitou daquela solene ocasião para expandir seu gênio republicano, dando oficialmente à S. Exc.ª. reverendíssima a fausta e auspiciosa notícia da nova lei sobre o elemento servil.

O Exmo. Prelado recebeu-a com a expansão do júbilo, pois é sabido, que foi um dos mais ativos colaboradores de ideias tão humanitárias. Sabe-se nesta Cidade que os brilhantes artigos publicados pelo Jequitinhonha no ano de 1861 sobre este assunto eram da ilustrada pena de S. Exc.ª. e por isso a lembrança foi muito aplaudida.

Seguiu-se a benção do Cruzeiro por S. Exc.ª. e já era noite fechada quando imenso préstito o acompanhou à Sé da Cidade, onde o Coro Grande desempenhou com toda pompa o magnífico Te-déum de Henrique Alves de Mesquita, o célebre maestro brasileiro.

Da Sé foi S. Exc.ª. acompanhado pelo povo e música até o Palácio Episcopal, onde tem a sua residência.

Raiou alegremente o dia de Todos as Santos. Como na véspera alastrou-se a estrada da serra de nuvens de povo e 4 ou 5:000 pessoas achavam-se pelas 11 horas reunidas no píncaro, onde se projetava elevar o magnífico Cruzeiro, comemoração da volta do Santo Prelado. Um sino para ali transportado repicava festivamente, chamando os fiéis à oração. Fogos se repetiam de instante a instante, e o povo galgava as cumeadas da serra por todas as devesas do caminho.

O prazer transluzia no semblante de todos, o sorriso da satisfação geral espraia nos lábios.

Ao meio dia celebrou-se uma missa cantada, ainda tocando o Coro Grande, a mais luzida música da Diamantina.

Cruzeiro da Serra - Iluminado.  Diamantina-MG - Acervo: Erick
Depois subiu ao púlpito, improvisado em uma magnífica posição, o ilustrado e eloquente

orador sagrado e distinto Sr. Padre Sipolis superior do Seminário Episcopal, e pronunciou um eloquente sermão, elogiando a viva fé dos diamantinenses, e o amor de quem haviam dado provas å seu pastor.

"Aquela Cruz, dizia o inteligente pregador, não deve ser um marco somente de comemoração, mas uma arma de combate para fortalecer a fé, vencer a iniquidade. Como no sinal aparecido ao Grande Constantino, deve-se ler no alto dela estas palavras sagradas—in hoc signo vinces!” Neste sinal vencerás."

Guindou-se em seguida o Cruzeiro, que, içado por tesouras e cordas, em poucos minutos começou a dominar de todas as alturas a nossa querida Cidade a sede do Bispado,

A união dispersou-se tão alegremente como havia sido formada."

0 Jequitinhonha, como intérprete deste povo, saúda cordialmente a volta de S Exc.ª. Reverendíssima.

O Jequitinhonha, pág.1-2, 5 de Novembro, Diamantina-MG, 1871

 

 

 

 

 

 

 

 


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