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quinta-feira, 6 de abril de 2017

Diamantes

A HISTÓRIA DO VALE DO JEQUITINHONHA

Júnia Ferreira Furtado
1- INTRODUÇÃO
 O Vale do Jequitinhonha está situado na porção Nordeste do Estado de Minas Gerais. Sua ocupação começou, no século início do XVIII, ligada à exploração do ouro e, já, a partir do fim da década de 1720, ao diamante que foi encontrado em torno do arraial do Tejuco.
 A região compreendia a Comarca do Serro do Frio, uma das quatro divisões administrativas da Capitania de Minas Gerais. A cabeça e centro administrativo da Comarca era a Vila do Príncipe, hoje cidade do Serro, primeiro e mais importante núcleo administrativo da região, ao qual estavam submetidos todos os arraiais.
 A descoberta do diamante na região atraiu enormes contigentes populacionais e, durante todo o período, foi o sustentáculo da economia local, sendo que o povoamento da Comarca se deu no sentido Sul-Norte, acompanhando os novos achados diamantíferos. O arraial do Tejuco, onde foram demarcadas as primeiras lavras, tornou-se o mais importante núcleo populacional urbano da região e era o centro da Demarcação Diamantina, estabelecida em 1739, quando a Coroa Portuguesa designou o engenheiro militar, Rafael Pires Pardinho, para demarcar a área produtora de diamantes, que constou, inicialmente, de um quadrilátero que circundava o arraial do Tejuco e ampliado à medida que novos achados se faziam ao Norte.
 A ocupação do Alto Jequitinhonha deu-se, prioritariamente, em torno da mineração. O aumento populacional e a urbanização ampliaram a demanda por produtos de abastecimento e acabaram provocando  a ocupação do Médio Jequitinhonha em torno da pecuária e agricultura de subsistência.
     “A decadência da extração do ouro e do diamante proporcionou à enorme população do Vale do Jequitinhonha um duplo movimento: a passagem para a economia de subsistência, ou a dispersão dessa população  em direção às terras que margeia os rios  Jequitinhonha e Arassuaí, onde havia condições para o desenvolvimento da pecuária extensiva. No entanto, o abandono em que se
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encontravam as atividades agropastoris, os métodos rudimentares adotados e, mais do que isto, a contração da renda inviabilizaram ou retardaram atividades agrícolas mais arrojadas, fazendo prevalecer a antiga agricultura de subsistência. ... ainda hoje, há uma estrutura fundiária defeituosa, com baixos níveis tecnológicos e reduzida ocupação de mão-de-obra.”1   Após a descoberta oficial dos diamantes, a Coroa procurou organizar a produção. As lavras foram distribuídas, a Intendência dos Diamantes foi criada e a extração deu-se livremente até 1734, mediante o pagamento das taxas de captação. A riqueza das lavras fez a produção crescer vertiginosamente e, consequentemente, os preços caíram no mercado mundial, pois o alto valor dos quilates estava diretamente ligado à raridade das gemas.2
 Para tentar recuperar os preços de comercialização das pedras, foi proibida a produção diamantífera até 1739. Nessa data, as lavras foram reabertas mas passaram a ser exploradas por um único arrematante, ou consórcio de arrematantes, mediante o sistema de contratos a serem arrematados de quatro em quatro anos. Esse sistema vigorou até 1771, quando a exploração passou a ser monopolizada pela Coroa, através da criação da Real Extração do Diamantes, dirigida diretamente pelo Intendente.3
 O período abarcado pela pesquisa vai da descoberta dos diamantes até o estabelecimento da Real Extração, pois esta última foi objeto de dissertação de mestrado, defendida na USP em 1991 e já publicada em livro.4 Este período ainda carece de maiores pesquisas, sobretudo a partir do uso de fontes primárias, um dos objetivos do presente trabalho.

2-  A DESCOBERTA DOS DIAMANTES
 O Ouvidor Caetano Costa Matoso reuniu em seus apontamentos três documentos referentes à região diamantina da Capitania de Minas, que circundava o antigo arraial do
                                                         
 1 PEREIRA, Vera Lúcia Felício. O artesão da memória no Vale do Jequitinhonha. Belo Horizonte, UFMG/PUC - MINAS, 1996. 1 v. 2PEREIRA, Vera Lúcia, op. cit., nota 1, p. 25. 3Ibid., p. 26. 4FURTADO, Júnia Ferreira. O livro da capa verde; vida no distrito diamantino no período da real extração. São Paulo: Anna Blume, 1996.
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Tejuco. O primeiro, de sua própria lavra, era uma compilação dos principais acontecimentos desde as descobertas do ouro e dos diamantes na região, na forma de uma corografia da Vila do Príncipe e do próprio arraial, até por volta do ano de 1750. Os dois últimos eram transcrições de documentos de época, referentes aos segundo e terceiro contratos dos diamantes. Todos os documentos apontam interessantes caminhos de pesquisa para o historiador, apesar do primeiro ser, aparentemente, o mais instigante pela amplitude e originalidade dos temas abordados.
 Nessa pequena história da região, entre o início de sua ocupação até aproximadamente 1752, Caetano abordou diferentes questões como: a fundação da vila, o descobrimento dos diamantes, as oscilações na administração e nas formas de concessão das lavras e as técnicas de mineração dos diamantes. A fundação da Vila do Príncipe foi atribuída pelo Ouvidor, de forma inédita, aos caprichos de uma negra. Segundo sua descrição, o pelourinho foi erguido por ordem do Ouvidor de Sabará, Luís Botelho de Queirós, em um local distante apenas duas léguas do arraial do Tejuco. Mas, passado pouco tempo, o juiz Antônio Quaresma mudou a povoação para um novo sítio, onde está até hoje, distante do arraial nove léguas, tudo “a instâncias de uma sua amiga negra, por nome Jacinta, existente ainda hoje, que vivia naquele sítio com lavras suas.”5
 Como Jacinta, nas Minas no século XVIII, eram muitas as negras e mulatas que estabeleciam relacionamentos ilícitos com o sexo oposto. Essa prática era resultante, entre outros motivos, da conformação do povoamento, onde os homens compunham a maioria absoluta da população, fruto das características inerentes à atividade mineratória: seu caráter urbano, efêmero, itinerante e de aventura. No caso da região diamantina, de povoamento recente, esta desproporção era acentuada. Ao se examinar o censo de 1738, relativo à Comarca do Serro do Frio como um todo, da qual o Distrito Diamantino fazia parte, depreende-se que do total de 9.681 habitantes 83,5% eram homens e 16,5% eram mulheres.
                                                         
 5HISTÓRIA da Vila do Príncipe e do modo de lavar os diamantes e de extrair o cascalho. Doc. 120
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Entre os escravos, este último segmento representava apenas 3,1%, pois eram obtidos, prioritariamente, para o trabalho da mineração, mais afeito aos homens.6
 Já entre os forros, as proporções se invertiam, e as mulheres passavam a ser majoritárias. No mesmo censo, do total de 387 forros, elas constituíam 63%, contra 37% de homens, indicativo de que eram as que mais se beneficiavam da alforria, inclusive acumulando bens, como as lavras de Jacinta. Uma vez livres, essas mulheres oscilavam entre a desclassificação social e a inserção, ainda que desajeitada, no universo antes restrito aos brancos livres da Capitania. Esta última possibilidade, cada vez mais comum, escandalizava o Governador das Minas, o Conde das Galvêas que, em 1733, procurou reprimir
“os pecados públicos que com tanta soltura correm desenfreadamente no arraial do T[e]juco, pelo grande número de mulheres desonestas que habitam no mesmo arraial com vida tão dissoluta e escandalosa que, não se contentando de andarem com cadeiras e serpentinas acompanhadas de escravos, se atrevem irreverentes a entrar na casa de Deus com vestidos ricos e pomposos e totalmente alheios e impróprios de suas condições.”7

 A descoberta dos diamantes foi o principal tema que emergiu de sua descrição da região e é, ainda hoje, um tema nebuloso para os historiadores, entre outros fatores, porque os próprios partícipes do acontecimento trataram de cercá-lo de mistérios e mal entendidos. Distantes as datas entre a descoberta das preciosas gemas e a sua oficialização, circularam várias versões de como a primeira se deu de fato, já que os documentos oficiais preservados nos arquivos datam do segundo momento – 1729.8 Nesse ano, Dom Lourenço de Almeida enviou o comunicado oficial da descoberta, aparentemente pressionado pela notoriedade da mineração clandestina das pedras, do qual ele próprio era um dos suspeitos de tirar vantagem até então. Irmão do patriarca de Lisboa e cunhado do secretário de Estado, governador das
                                                         
 6POPULAÇÃO de Minas Gerais. R. do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 3, p. 465-498, 1898.  7BANDO do governador de 2 de dezembro de 1933, apud VEIGA, Xavier da. Efemérides mineiras. Belo Horizonte, Fundação Joã Pinheiro, 1998. p. 1026.  8CARTA de Dom Lourenço sobre a descoberta dos diamantes, 22 de julho de 1729. R. do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 7, p. 263-264, s. d.
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Minas entre 1721 e 1731, Dom Lourenço retornou à Corte com cerca de 18 milhões de cruzados, riquezas auferidas em diversos negócios que se envolveu, entre eles os diamantes.9
 Notícias de descobertas de diamantes no Brasil remontaram à segunda metade do século XVI. Por essa época, partiram de Porto Seguro e Espírito Santo as expedições de Fernandes Tourinho (1572), Antônio Dias (1574) e Marcos de Azeredo (1596) que penetraram na região pelo Rio Doce e deste para os rios Jequitinhonha, Araçuaí, Caravelas e Mucuri, atingindo o pico do Itambé. Ambrósio Brandão, no Diálogos das Grandezas do Brasil, escrito em 1618, já enumerava os diamantes como uma de suas riquezas10 e certamente, esses se encontravam entre as pedras que Marcos de Azeredo depositou aos pés de Felipe II em Madrid, ao voltar de sua expedição. Em 1702, Frei Antônio do Rosário anotou que os diamantes do Brasil eram mandados “não em bizalhos, mas em caixas, que todo ano vem a este reino”, de sorte que tinham convertido estas terras na verdadeira Índia de Portugal, “pois a Índia já não é Índia.”11Mas apesar dessas notícias esparsas, somente com os achados de diamantes na comarca do Serro do Frio, no segundo quartel do século XVIII, a América Portuguesa se tornou grande produtora de diamantes.
 Por isso, os significativos movimentos populacionais para a região decorrentes da circulação da notícia do achado das preciosas pedras dataram dessa época e deram-se, não a partir das costas do Espírito Santo, mas do sul da Capitania das Minas, oriundos da região aurífera. Na correspondência do homem de negócios português, Francisco Pinheiro, existe um dos primeiros relatos contemporâneos à descoberta. Em setembro de 1727, seu agente comercial em Sabará, Francisco da Cruz, escreveu-lhe contando
“das minas novas do Serro do Frio, [...] cujas minas são umas que haverá dez meses se descobriram com tanta grandeza, [...] e de todas estas partes se tem retirado a maior parte da gente que nela habitavam e desta a maior parte, pois todos vão a buscar maiores conveniências que me afirmaram [...] os grandes lucros e jornais que dão os negros e louvam muito a Deus, a lembrar-se de todo o gênero humano.”12.
                                                         
 9GODINHO, Vitorino de Magalhães. Portugal, as frotas do açúcar e do ouro. R. de História/USP, São Paulo, n. 15, p.6988, jul./set. 1953. 10BRANDÃO, Ambrósio F. Diálogos das grandezas do Brasil. 1618. Rio de Janeiro: Dois Mundos, s. d.p. 40-41. 11ROSÁRIO, Frei Antônio do. Frutas do Brasil numa nova e ascética monarquia. Lisboa: 1702, p. III. 12HOSPITAL SÃO JOSÉ. Testamentaria de Francisco Pinheiro. Carta 166, maço 29, f. 257. In: LISANTI,
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 Este relato contemporâneo aos acontecimentos recua a descoberta dos diamantes para a mesma época dos apontamentos do Ouvidor Caetano Costa Matoso, qual seja -  o ano de 1726, e não quando da comunicação oficial pelas autoridades, em 1729.
 O mesmo Francisco da Cruz contou ainda sobre o número significativo de pessoas que abandonavam, desde 1726, a região aurífera das Minas e passavam para a região diamantina, confirmando já serem os descobertos públicos e notórios. Calculava, pelo “que me afirmaram várias pessoas casadas nesta terra que voltaram a buscar suas famílias” que para lá já tinham passado mais “de mil homens brancos e negros”13. Previa que daí “a ano e meio ficará essa comarca [Rio das Velhas] sem gente, pois uma coisa é ver, e outra é contar as muitas tropas que todos os dias partem para elas.”14.
No início do descobrimento dos diamantes, a região continuava cercada de lendas e mistérios. Como Francisco da Cruz, a maioria das pessoas sabia o que se passava pelo ouvir dizer e vários rumores circulavam. Nessa época, nem sua localização exata era possível precisar. Uns diziam que sua “distância das minas passa de ter ... mais de oitenta léguas”15; outros, “que estão distantes a estas, vinte e um dias de viagem, as quais querem dizer ficam no distrito da Bahia e a ela dizem tocar.”16  “O rush do diamante trazia, segundo eles, a desorganização da vida e gerava mais pobreza do que riqueza. A especulação aumentava e muitos viam que a riqueza investida em imóveis e os objetos perdiam seu valor de um dia para o outro. Cruz contou que os valores estavam todos invertidos e, ‘com a retirada da gente desta vila, [fez-se] dar-se as casas de graça’. Outros trocavam seus imóveis com ‘um taverneiro por uns calções encarnados e outros por um freio de cavalo’; pois ‘não há quem os queira, que ... muitos se têm ido [para as minas novas] ..., deixam os seus engenhos e fazendas que valem mais de meia arroba de ouro, ... e tornam a empregar o seu ouro em negros.”17

                                                                                                                                                                               FILHO, LUÍS. Negócios coloniais; uma correspondência comercial do sec. XVIII. Brasília, Ministério da Fazenda, 1973. 13 HOSPITAL SÃO JOSÉ. Op. cit., nota 13, f. 258. 14 Ibid., f. 259. 15 Ibid., f. 258 16 Ibid., f. 271. 17 FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócios; a interiorização da metrópole e do comércio nas Minas Setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1998.
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 Parte da historiografia referiu-se apenas à descoberta oficial. Joaquim Felício dos Santos, o primeiro historiador da região dos diamantes, afirmou que “não é menos difícil dizer quem fora o primeiro descobridor”, tal o número de versões presentes na tradição oral.18 Para ele, era apenas certo que já tinham sido encontrados em 1729, quando começou a exploração pela Coroa.   Outros procuraram indícios de como os fatos teriam verdadeiramente se dado. Augusto de Lima Júnior apresentou uma versão pormenorizada, mesclando documentos a narrações antigas e atribuiu o descoberto “em 1714, a um certo faiscador de nome Francisco Machado Silva.”19 Sua fonte principal foi o relato que Martinho de Mendonça Pina e Proença, enviado para avaliar a potencialidade da produção de diamantes na região em 1734, fez um ao Conde de Sabugosa.20 Sua história, repleta de incidentes e intrigas, desenrolou-se até 1729 em uma trama que envolvia autoridades e particulares,  na busca de tirar o máximo proveito da extração clandestina, ocultando da Coroa as riquezas que vertiam dos ribeiros tejucanos. Em 1721, os diamantes passaram a ser encontrados em profusão nas lavras do Rio Morrinhos de propriedade de Bernardo da Fonseca Lobo. Este teria avisado imediatamente o Governador Dom Lourenço de Almeida que, juntamente com o Ouvidor do Serro do Frio, Antônio Rodrigues Banha, trataram não de avisar o Reino, mas de se reunir numa sociedade para extrair ilegalmente as pedras. Nessa trama associaram-se, ainda, o Frei Elói Torres, que já residira na Índia e Felipe de Santiago, vendedor ambulante. Lima Júnior, a exemplo de Martinho de Mendonça, atribuiu a Bernardo da Fonseca Lobo o papel de inocente útil, explorado pela camarilha capitaneada pelo Governador. Até que, em 1729, impedido pela notoriedade da descoberta de continuar a negociação clandestina, o governador foi obrigado a fazer a comunicação oficial, onde atribuiu a demora da notícia pela incerteza da qualidade das pedras e declarou terem aparecido pela primeira vez, já há algum tempo, nas lavras de Fonseca Lobo. Na mesma época, Bernardo se dirigia ao Reino com um lote das pedras e ali conseguiu o título de descobridor e várias mercês.
                                                         
 18 SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do distrito Diamantino. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976. p. 49. 19 LIMA JR., Auguste de. Histórias dos diamantes nas Minas Gerais. Rio de Janeiro: Dois Mundos, s. d. p. 18. 20 Sobre o descobrimento dos diamantes na Comarca do Serro. Primeiras administrações. R. do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 7, p. 251 - 263, 1902.
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 A ausência de documentos e relatos da época tornou imprecisa a ordem dos acontecimentos. Jacob de Castro Sarmento, médico, cristão-novo, residente na Inglaterra, redigiu, em 1735, o primeiro relato publicado conhecido da descoberta dos diamantes.
 Inserido em seu livro de medicina Matéria Médica, Físico-Histórica, Mecânica, Reino Mineral,21 no verbete sobre diamantes, indicou o ano de 1726 e a Felipe de Santiago o reconhecimento de que as pedras brancas, que os mineiros tiravam dos rios do Tejuco eram realmente diamantes. Relatou os artifícios do Ouvidor Banha para ocultar e extrair ilegalmente as pedras, mas afirmou que, já em 1727, se divulgou “essa notícia de maneira que, no ano de 1728 principiaram-se a tirar em abundância no mesmo Ribeiro do Caeté-mirim.”22
 Coube, efetivamente, a Bernardo da Fonseca Lobo o atributo de descobridor. Afirmou em seu testamento que possuía “um serviço que fez à Sua Magestade por lhe descobrir os diamantes”, em troca do que recebera “o manto de cavaleiro”, com o qual pretendia ser amortalhado e “uma propriedade de um ofício de tabelião de judicial e notas nesta Vila do Príncipe”, que se encontrava em 1743, época em que redigiu o testamento, “arrendado por seis anos a Luis Lopes Falcão Pereira.”23 Era ainda proprietário da lavra dos Morrinhos, entre outras, ao contrário do que afirmou Lima Júnior que, enganado pelo Governador da preciosidade das pedras, a vendera, por preço irrisório, ao novo Ouvidor Antônio Ferreira do Vale e Melo.24
 Fonseca Lobo tornou-se um pequeno potentado local, graças aos privilégios recebidos. Sua suntuosa casa, construída no arraial, dispunha de um oratório particular. Desfrutou da amizade do primeiro Intendente dos Diamantes Rafael Pires Sardinha, a quem pedia inúmeros favores, inclusive o de ser seu testamenteiro em Portugal.25 O próprio Governador José Antônio Freire de Andrade foi padrinho de sua filha Firminiana, em uma de
                                                         
 21 SARMENTO, Jacob de Castro. Matéria médica, físico - histórica, mecânica, reino mineral; Londres, 1735. p. 147-157. Esta indicação e cópia do trecho foram-me gentilmente cedidas pelo Prof. Friedrich E. Renger. 22 Ibid., p. 150. 23 DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico. Óbitos no tejuco. 1752 - 1766. Caixa 350, f. 89v - 92v. 24 LIMA JR., Auguste de, op. cit., nota 20, p. 23-24. 25 DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 24, f. 89v - 92.
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suas viagens ao Tejuco.26 Seu filho Roberto Mascarenhas continuou desfrutando de cargos e poder no Distrito Diamantino, muitas vezes aproveitando-se deles para encobrir atividades ilegais.27
 Na parte final de sua pequena história, Caetano se debruçou sobre os diferentes métodos de extração dos diamantes. Primeiramente, explorava-se o aluvião dos rios, onde se encontravam diamantes em maior quantidade e com mais facilidade, utilizando principalmente a bateia. As técnicas empregadas eram as mais simples possíveis e dava-se preferência ao período das secas. Quando estes se esgotavam passava-se à exploração das margens, ou grupiaras. Os custos de produção elevavam-se, pois eram exigidas técnicas mais sofisticadas, além de ser necessário remover os entulhos retirados do fundo dos rios e acumulados nas margens. Ao fim, fazia-se uma segunda lavagem dos cascalhos buscando pedras desprezadas na primeira lavagem.

3-  OS CONTRATOS DIAMANTINOS
 Os outros dois documentos inseridos por Caetano Costa Matoso, em seu famoso Códice, referem-se ao período dos contratos (1739-1771). Foram celebrados seis contratos, alguns deles tendo sido renovados, estendendo, assim, o período de quatro anos originalmente estabelecido. Foram contratadores dos diamantes: 1º Contrato (1740-1743) : Sargento-Mor João Fernandes de Oliveira, em sociedade com Francisco Ferreira da Silva; 2º Contrato (1744-1748): João Fernandes de Oliveira; 3º Contrato (1749-1753): Felisberto Caldeira Brant, em sociedade com Alberto Luís Pereira e Conrado Caldeira Brant; 4º Contrato (1753-1758): João Fernandes de Oliveira, em sociedade com Antônio dos Santos Pinto e Domingos de Basto Viana, administrado por seu filho homônimo, o Desembargador João Fernandes de Oliveira; 5º Contrato (1759-61): João Fernandes de Oliveira, em sociedade com Antônio dos Santos Pinto e Domingos de Basto Viana, administrado pelo
                                                         
 26 Id., Livro de Batismos do Arraial do Tejuco; 1745 - 1765. Caixa 297, f. 35v. 27 FURTADO, Júnia Ferreira. O livro da capa verde; o regimento diamantino de 1771 e a vida no distrito diamantino no período da Real Extração. São Paulo: Anna Blume, 1996. p. 99-100.
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Desembargador João Fernandes de Oliveira; 6º Contrato (1762-1771): João Fernandes de Oliveira e seu filho, Desembargador João Fernandes de Oliveira.
 O primeiro documento transcrito (documento 85) refere-se às condições estabelecidas entre a Coroa e o Sargento-Mor João Fernandes de Oliveira para a exploração das lavras diamantinas durante o segundo contrato arrematado por ele, entre 1744 - 1748. Trata-se de documento bem conhecido e de fácil acesso ao pesquisador. Entre outros, encontra-se, em Portugal, copiado nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, na Seção Manuscritos do Brasil, vol. 31; e, no Brasil, foi publicado nos Anais da Biblioteca Nacional, vol. 8, 1960.28
 O Sargento-Mor João Fernandes de Oliveira, português de nascimento, natural de Barcelos, estabelecera-se em Mariana e se tornara próspero comerciante. Para arrematar o primeiro contrato, associara-se ao cristão-novo Francisco Ferreira da Silva, aventurando-se sozinho no segundo. Uma memória anônima atribuiu a escolha de João Fernandes a um artifício equivocado concebido pelo Governador Gomes Freire de Andrade. Ao residir no Tejuco no primeiro semestre de 1739, o Governador tentou negociar o contrato localmente. Foi acompanhado de João Fernandes, que propôs um lance em hasta pública, apenas para convencer os homens de negócio do Tejuco das condições estipuladas pela Coroa. Apesar de não possuir as condições financeiras necessárias, como ninguém mais se habilitou, foi forçado a honrar o contrato e passou a ter todo o apoio do Governador para garantir o sucesso da empreitada.29As condições estabelecidas para o 2º contrato foram, com pouquíssimas modificações, as mesmas que valeram para os demais. Seus principais artigos visavam o controle da produção, para que a oferta permanecesse controlada e os preços estáveis; e também reprimir a produção ilegal e o contrabando. Até o fim do terceiro contrato, os arrematantes tinham o monopólio da produção e da comercialização, pagando, anualmente, à Coroa uma quantia proporcional ao produto da venda dos diamantes no mercado mundial.
                                                         
 28 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Manuscritos do Brasil. v. 31; Anais da Biblioteca Nacional. Do descobrimento dos diamantes e diferences métodos que se tem praticado na sua extração. Rio de Janeiro, v. 8, p. 145- 152, 1960. LISBOA. Biblioteca Nacional. Notícias das Minas dos Diamantes.  Seção dos Reservados. Avulsos. Cod., 7167. 29 LISBOA. Biblioteca Nacional. Notícias das Minas dos Diamantes.  Seção dos Reservados. Avulsos. Cod., 7167.
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 Para a exploração, haviam sido estabelecidas duas condições principais. A primeira era a limitação da área explorada que pretendia, além de restringir a oferta, manter áreas não exploradas para os contratos vindouros. Com isso, visava-se atingir um custo médio de produção, garantindo a lucratividade dos contratos ao longo do tempo, já que o custo da extração do diamante de aluvião era inferior aos das margens (grupiaras) e cascalhos (2ª lavagem). A segunda referia-se à limitação do número de escravos empregados nas lavras. Até o terceiro contrato, estipulava-se 600 escravos, além daqueles empregados nos serviços domésticos dos feitores e administradores.
 Outra cláusula importante era de interesse dos contratadores. Como os escravos adoeciam, fugiam ou morriam facilmente, prejudicando a produção, podia-se repor no mês seguinte a mão-de-obra faltosa no mês anterior. Eram as chamadas falhas do contrato, que deveriam ser reportadas mensalmente ao Intendente para que este fizesse um controle rigoroso, tanto da falta, quanto da reposição dos escravos.
 As demais condições visavam à repressão ao garimpo e ao contrabando das pedras. Por exemplo, previa punição para os escravos fugidos e extraviadores; proibia a residência nos limites da Demarcação Diamantina de pessoas sem cargos ou ocupação definida; estimulava as denúncias recompensando os denunciantes; impunha a pena de despejo aos suspeitos; etc.
 Os diamantes eram enviados anualmente à Lisboa em caixas pequenas e depositados na Casa de Moeda de Lisboa, sendo que as pedras acima de 20 quilates eram de propriedade régia. Ali, as demais eram vendidas pelos procuradores do contratador mediante dois sistemas: ou depositavam a parte da Coroa (fiança) e podiam retirar as pedras, ou fazia-se, diretamente, a venda na presença de um funcionário régio. Como o acerto das contas era feito anualmente, os contratadores podiam emitir letras de crédito nas praças de Lisboa e Rio de Janeiro e, dessa forma, capitalizavam-se para pagar as enormes despesas que a produção acarretava.
 O segundo contrato acabou mergulhado em dívidas. Gomes Freire de Andrade teve que vir em socorro do amigo fiel, João Fernandes, para que ele pudesse honrar as letras que emitira em Lisboa. A solução foi encontrar uma esposa rica para o contratador viúvo e
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endividado. Casamento de interesses, os nubentes estabeleceram um pacto pré-nupcial. A noiva Isabel Pires Monteiro era viúva do Capitão-mor Luís de Siqueira Brandão e seu patrimônio era constituído de seis fazendas, com seus escravos, cavalos e cabeças de gado, importando mais de 37 contos de réis. Seus bens foram avaliados e seu rico patrimônio incorporado ao do novo marido. Em troca, quando da morte desse, caso não houvesse filhos do matrimônio, ela retiraria da herança o montante correspondente à avaliação.30
 Para o autor da Memória já mencionada, a ruína do contrato era certa já que as condições eram totalmente desfavoráveis. Ao limitar o número de escravos em seiscentos, inviabilizava os lucros, pois os custos de produção eram elevados. Por sua vez, os tejucanos, mais experientes, acostumados ao trato da exploração das lavras diamantinas, sabiam que tais condições só podiam terminar em prejuízo, “porque como as terras melhores e mais fáceis se acabam era preciso aumentar-se o número dos escravos alugados para trabalhá-las.”31
A baixa lucratividade do contrato também forçava os contratadores ao garimpo clandestino das preciosas gemas, pois

“daqui nasceu excogitar a necessidade muitos meios e subterfúgios que lhe servissem de véu para meter a laborar toda a multidão de escravos, que lhe fosse possível, encobertos com vários pretextos, como o de retirar madeiras, serrar taboados, fazer regos, tirar aguadas, edificar caminhos, conduzir carros, povoar as oficinas e roças, extranumerários para pagar falhas dos doentes, ou fugidos.”32

 A riqueza que brotava dos ribeiros diamantinos também atraía os moradores, pois estes só podiam minerar lavras exclusivamente auríferas. Apesar de todas as medidas repressivas, cada vez mais severas contidas nas legislações editadas para a região, era quase impossível impedir os extravios sempre contrários aos interesses da Coroa e dos contratadores. João Fernandes acabou inventando um estratagema para diminuir seus prejuízos que consistia em mandar os negros de sua facção comprar os próprios diamantes que lhe furtavam.

                                                         
 30 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Desembargo do Paço. Ilhas. Maço 1342, doc. 7. 31 LISBOA. Biblioteca Nacional, op. cit., nota 30. 32 Ibid.
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“Daqui nascia o negro fazer mais diligência para furtar o seu senhor de dia o que havia de lhe vender à noite, sem risco de ser castigado, e o branco julgar impunível o delito de contrabando, pois via o contratador ocupado no seu mesmo exercício, fazendo por essa causa o tráfico comum, nos mais por vício e, no contrato por necessidade.”33

4-  O CONTRATO DE FELISBERTO CALDEIRA BRANT34

Após a ruína do segundo contrato, João Fernandes de Oliveira não se dispôs a arrematar o terceiro e, em janeiro de 1748, Felisberto Caldeira Brant, seu irmão Conrado e seu sócio Alberto Luís Pereira se habilitaram para tanto. O prazo inicialmente estabelecido de quatro anos, a vigorar a partir de 1º de janeiro de 1749, foi prorrogado e se estendeu até agosto de 1753.  Caldeira Brant nasceu em São João Del Rei. Era o filho mais velho de Abrósio Caldeira, português, que emigrara para as Minas, e de Mariana de Sousa Coutinho. Casou-se com Branca de Almeida Lara, de família paulista, e tinha três irmãos: Conrado, Sebastião e Joaquim, que foram seus sócios em vários negócios. Brant e seus irmãos já estavam acostumados com as lides da exploração diamantina, pois se enriqueceram explorando a região dos Pilões e Rio Claro em Goiás, incorporadas ao contrato então estabelecido com a Coroa, acrescentando-lhe regiões dentro da Demarcação.35  Na segunda metade do século XIX, Joaquim Felício dos Santos escreveu suas famosas “Memórias do distrito Diamantino”36, primeiramente publicadas na forma de crônicas jornalísticas e, finalmente, reunidas em um volume em 1868. A construção que fez da história do Distrito Diamantino imortalizou-se para muito além das páginas de seu livro. Recheada de heróis e de vilões, aprisionados no eterno jogo da dominação metropolitana e da resistência colonial, a história do Distrito tornou-se o símbolo da opressão portuguesa no Brasil, tendo sido Felisberto Caldeira Brant sua maior vítima.
                                                         
 33 Ibid.  34 Foi apresentado como parte da Mesa Redonda “O direito das gentes; conflitos entre o público e o privado no Império Português Setecentista”, durante o XX Simpósio Nacional de História, promovido pela ANPUH, Florianópolis, 25 a 30 de julho de 1999. Será publicado na íntegra nos Anais. (No prelo). 35 FURTADO, Júnia Ferreira. O labirinto da fortuna; o contrato de João Felisberto Caldeira Brant no Tejuco. Belo Horizonte: CNPq, 1998. s. p. (Texto avulso). 36SANTOS, Joaquim Felício dos, op. cit., nota 19.
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 Em 1739, a Coroa instituiu o sistema de contratos para explorar a riqueza diamantina, que eram arrematados em leilões públicos de quatro em quatro anos, ou mais arrematantes. Adquirido o direito de exploração, assinava-se um contrato com a Coroa, onde eram determinados os direitos e deveres das partes. A difícil tarefa de fiscalização desses homens ricos e poderosos, já que tal sistema trazia para dentro da esfera pública interesses particulares, cabia ao principal administrador local, o Intendente dos Diamantes.
 Felisberto Caldeira Brant assinou o terceiro contrato dos diamantes, que se estendeu entre 1749 e 1753. Para contar sua história, Felício dos Santos se baseou em um antigo manuscrito, atribuído, segundo ele, a Plácido de Oliveira Rolim, e às informações dadas pelo neto de Brant, o então Visconde de Barbacena.37 Segundo eles, o jovem Felisberto havia acumulado uma das maiores fortunas da colônia, o que teria causado inveja e criado muitos inimigos que se articularam para destruí-lo.
 Entre eles estavam duas novas autoridades metropolitanas na região, o Intendente dos Diamantes, Sancho de Andrade Lanções e o Ouvidor do Serro do Frio, José Pinto de Morais Bacellar. O Intendente, fiel cumpridor das vontades do Rei, tentava evitar o contrabando e os descaminhos, e teria começado a perseguir o contratador. Por sua vez, Caldeira ganhara a antipatia do Ouvidor porque este ousadamente atirara uma flor no colo de uma de suas parentas durante a missa. O contratador teria considerado um ato indigno e desafiou o Ouvidor para um duelo, mas providencialmente este foi salvo por um botão. Interesses públicos e privados chocavam-se e armava-se o pano de fundo para um desfecho trágico.
 A sorte de Felisberto começou a mudar com o espetacular roubo do cofre da Intendência, onde era guardada a produção anual dos diamantes, ocorrido em 1752, pouco antes de terminar o contrato. O contratador atribuiu o roubo aos seus inimigos, pois deixou-o sem caixa para pagar as dívidas que se avolumavam. Tudo conspirava contra ele, pois a partir daí, a Coroa determinou o sequestro de seus bens e sua prisão.
                                                         
 37 O manuscrito a que se refere Felício dos Santos não foi localizado, no entanto na Biblioteca Nacional existe uma genealogia da família escrita por um descendente: RIO DE JANEIRO. Biblioteca Nacional. Cód. 17,1,16; BRANT, Pedro Caldeira. Memórias genealógicas e históricas da família Brant e outras...
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 Transferido para Lisboa, foi surpreendido pelo terremoto de 1755. Encontrava-se preso no Limoeiro, ainda aguardando o julgamento de sua causa. Vendo-se livre, “no meio dos horrores, da desolação e do incêndio geral, bradava como se fosse o gênio da maldição: Ladrões, restituí o dinheiro que me roubastes!”38 Honradamente, apresentou-se, espontaneamente, ao Marquês de Pombal, que comovido permitiu que se retirasse para Caldas da Rainha e aguardasse o fim do processo em liberdade. Porém, quase três anos de prisão minaram suas forças e faleceu em Caldas sem que a justiça fosse feita. Perdera seu filho mais velho no terremoto, toda a sua fortuna consumira-se no sequestro, do qual nunca seus herdeiros foram indenizados.
 A partir desta sucessão de acontecimentos funestos, Felício dos Santos alçou o Contratador ao panteão dos heróis nacionais.39 Como Davi e Golias, Felisberto ousou desafiar o impiedoso sistema metropolitano, que o destroçou. Sem freios ao seu poder, a esfera pública esmagava os interesses privados, colocando tudo e todos sob seu arbítrio. Caldeira Brant, sintoma precoce do espírito nativista nascente, foi vingado por Deus: como em Sodoma, o terremoto de 1755, sobre Lisboa, era a expressão de sua cólera.
 A partir da trajetória de Felisberto Caldeira Brant, podemos compreender os paradoxais significados da palavra fortuna, pois se pode ser sorte ou riqueza, quer também dizer fado ou destino.
 No entanto, consulta às fontes primárias da época revelaram uma história radicalmente diferente da construída por Felício dos Santos. No Império Português, a distância entre o centro do poder e a periferia interpunha diversos agentes intermediários. Muitos deles faziam parte da própria estrutura administrativa do Estado, mas a maioria era cooptada de forma indireta. Tal era o caso dos diversos contratadores e de muitos cargos da justiça e do fisco, que eram providos pela compra. Se por um lado, era forma de estender o poder a regiões cada vez mais longínquas, por outro lado, esses régulos traziam para dentro da esfera pública seus interesses privados. A trajetória de vida de Felisberto Caldeira Brant, como
                                                         
 38 SANTOS, Joaquim Felício dos, op. cit., nota 19, p. 97.
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veremos a seguir, foi marcada por esse paradoxo que caracterizava a relação entre os potentados locais e o Estado.
 Felisberto era o filho mais velho de Ambrósio Caldeira Brant, português que lutara na Guerra dos Emboabas. Nasceu em São João Del Rei, onde se casou com a paulista Branca de Almeida Lara e estabeleceu-se com vários negócios em sociedade com os irmãos Conrado, Sebastião e Joaquim. Como era o costume, as relações econômicas e familiares entrelaçavamse, as primeiras em benefício das últimas. Ali começou sua conflituosa relação com as autoridades metropolitanas. Em 1730, participou com o irmão Joaquim, de uma emboscada ao Ouvidor do Rio das Mortes, Antônio da Cunha Silveira, a quem acusava de atrapalhar seus negócios. Ambos foram presos, mas acabaram sendo soltos por não se conseguir provar sua culpa.40
 Uma vez livres, os irmãos se retiraram para a região de Paracatu e Goiás, onde se faziam descobertos. Ali se enriqueceram explorando diamantes, principalmente na região de Rio Claro, e estabeleceram relações com outros potentados locais: Joaquim se casou com a filha de José Rodrigues Froes, Guarda-mor da região a partir de 1744. Procuraram também as benesses do poder metropolitano para alcançar as honras necessárias à sua afirmação social. Em 1747, Dom João V concedeu a Felisberto a mercê de Capitão dos Cavalos do arraial de São Luís e Santa Ana do Paracatu.41
 Em 1748, terminou o segundo contrato dos diamantes do Tejuco, arrematado pelo Sargento-Mor João Fernandes de Oliveira que, tendo se arruinado, não se interessou em renová-lo. Felisberto Caldeira Brant, rico e experiente nas lides diamantíferas, prontificou-se a arrematar o contrato, tendo como sócio um advogado português estabelecido em Sabará, Alberto Luís Pereira, que ali fora Juiz dos Órfãos e Ausentes.42 Gomes Freire deslocou-se para
                                                                                                                                                                               39 SANTOS, Joaquim Felício dos, op. cit., nota 19,. p. 83-97; OCTÁVIO, Rodrigo. Felisberto Caldeira. Crônica dos tempos coloniais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1921. s. p. 40 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino. Manuscritos Avulsos de Minas Gerais. Caixa 17, doc. 35 e Caixa 20, doc. 5. 41 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Registro Geral de Mercês. Livro 37, f. 90; LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 76, doc. 45. 42 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino. Ministério do Reino. Decretos. Maço 15, doc. 40.
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o Tejuco, onde foi celebrado o contrato,43 logo depois foram até Rio Claro, pois, também, as minas diamantíferas ali situadas, no Rio Pilões, foram incorporadas.44
 O período incial foi de prosperidade e aumento do poder do potentado, que contava com a complacência das autoridades, principalmente o Intendente dos Diamantes, Plácido de Almeida Moutoso, que já velho e cansado, morreria no Tejuco em 1747. Também complexa relação se teceu entre o contratador e a população local: vários membros da elite faziam parte da Companhia formada para fornecer escravos para o contrato45 e muitos outros viviam do aluguel dos seus escravos para as extrações ilegais realizadas.46
 O poderio do contratador, que servia também para acobertar suas atividades ilegais, dependia das boas relações com as autoridades da Capitania, especialmente o Governador. Felisberto e seu sócio Alberto Luís não olvidaram esforços para estabelecer relações com Gomes Freire de Andrade, inclusive de compadrio. Por procuração, o Governador foi padrinho de duas filhas de Alberto e para o batizado de Thereza, filha de Felisberto, foi pessoalmente ao Tejuco47. Interesses públicos e privados entrelaçavam-se, num complicado jogo de interesses.
 Essa situação começou a se reverter com a chegada do novo Intendente Sancho de Andrade Castro e Lanções, em 1751. Diferentemente da administração anterior, Lanções estava disposto a devassar os procedimentos de Caldeira Brant e começou a pressioná-lo e surgiram diversos pontos de atrito. Um dos grandes problemas enfrentados pelos contratadores, para manter estável a produção dos diamantes, eram as faltas dos escravos ao serviço, provocadas por mortes, fugas, ou doenças. Assim, os contratos previam que estas falhas pudessem ser respostas no mês seguinte, cabendo ao Intendente verificar tanto as falhas quanto as reposições. O direito de repor as falhas tornou-se um dos principais mecanismos de aumento do número de escravos envolvidos na extração, bastando para isto
                                                         
 43 Id., Manuscritos do Brasil. v. 31. 44 ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro. Imprensa Nacional: 1946. v. 9, nota 110, p. 446. 45 LISBOA. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, op. cit., nota 44, v. 31. 46 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 65, doc. 55. 47 DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 27, Caixa 297, f. 23 e 30.
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que o Intendente não cumprisse seu papel de vigilância. Além do mais, Brant conseguira do Governador o direito de que as falhas ocorridas em Goiás fossem repostas no Tejuco, dificultando ainda mais o controle. Assim que chegou ao Distrito Diamantino, percebendo que a situação estava completamente fora dos limites, Sancho de Andrade começou a exigir que as falhas dos contratos fossem averiguadas, principalmente as de Goiás.48
 O ano de 1752 foi de extrema tensão, o Intendente exigia o controle das falhas, o contratador recusava-se a apresentá-las e se esforçava por colocar o Governador contra o primeiro, acusando-o de persegui-lo e causar instabilidade no mais importante negócio da Coroa Portuguesa. Nessa época, Gomes Freire se retirou para o Sul e deixou seu irmão José Antônio Freire de Andrade como interino. Em suas Instruções, advertiu o irmão que no Tejuco a situação era delicada, pois o contratador e o Intendente eram inimigos. Na disputa, tomou o partido de Caldeira, pois afirmou que o último era “um ministro muito mal conceituado no ministério.”49. Certamente, por trás de palavras tão ambíguas, revelavam-se os conflitos entre as redes clientelares que dominavam a administração portuguesa, do Reino até as terras distantes além mar. Lanções certamente não vinha apadrinhado pelo grupo favorável ao governador e certamente era um espinho em sua jurisdição.
 O cerco fechava-se e Brant não podia mais contar com a presença protetora de Gomes Freire, era pois necessário tomar medidas drásticas, já que, no primeiro semestre daquele ano Lanções, dera seu ultimato sobre a apresentação das falhas, ameaçando o contratador com a prisão.
 Num lance arriscado, o contratador denunciou à Coroa um espetacular roubo do cofre da Intendência, onde estava guardada a produção anual de diamantes e acusou o Intendente de executá-lo. Na verdade, o montante roubado era quase insignificante, apenas 22 oitavas, quando a produção anual era cerca de 9.000 oitavas por ano. O grande escândalo residia na suspeita sobre o principal representante da Coroa, o Intendente, que Felisberto pretendia
                                                         
 48 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 60, doc. 29. 49 INSTRUÇÕES que o Governador Gomes Freire de Andrade....R. do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 4, p. 374, 1899.
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neutralizar e até mesmo ameaçar seu posto, já que não conseguira sua conivência.50 A acusação: o Intendente aproveitara-se de sua posição pública e, de forma escandalosa e imprópria para seu cargo, cometera um crime para auferir lucros privados e instabilizar um dos principais negócios de Sua Majestade.
 Na denúncia apresentada, Felisberto narrou com minúcias o sistema de entrada dos diamantes no cofre, os seus mecanismos de segurança e de conferência de peso, além dos estratagemas inventados por ele para descobrir que estava sendo roubado.  O cofre ficava na Casa do Contrato, onde residia o Intendente, guardado sob o sistema de três chaves, uma sob o poder do Contratador, outra do Intendente e a última do tesoureiro. Este, por sua vez, ficava no interior de um cofre maior, fechado por uma chave, esta com o Intendente. Semanalmente, os três se reuniam, pesavam o montante a entrar no cofre com a balança de Felisberto e anotavam as oitavas em um livro. Alegou que, em fins de abril de 1752, começou a desconfiar que estava sendo roubado e, semanalmente, deixava algum indício para verificar se o saco tinha sido mexido, como o jeito de amarrar a fita, até a colocação de um alfinete. Finalmente, em 7 de junho de 1752, exigiu que os diamantes fossem repesados.51
 A partir daí, os diversos testemunhos apresentados à Coroa traçaram argumentos diferentes, mas alinhavaram mais ou menos os mesmos fatos. No dia 8, os diamantes foram pesados e verificou-se a falta. Felisberto, alegando que “...o Intendente tinha má fama e ruim procedimento do que fizera em Portugal” e de que “poderia abrir de novo o cofre e fugir com tudo”,52 exigiu que fossem colocados sentinelas junto ao prédio e ao cofre, inclusive sugeriu que um grande barulho ouvido à noite seria o Intendente tentando arrombar o cofre para fugir com o restante.
 Nas descrições de Sancho Castro e Lanções, o mesmo procedimento teria sido uma forma de intimidá-lo e, dessa forma, desafiar a própria autoridade real de que este estava investido. O comportamento de Felisberto era de um régulo, vivia cercado de escravos, agregados e parentes, todos armados de baionetas e espadachins. Segundo ele, o roubo era
                                                         
 50 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 01. 51 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 01.
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mais uma das muitas maquinações que “iluminaram contra mim, tantas [invertinas] quanto são os vícios que neles há, e formando entre si uma desordenada conjuração destinada a me arruinarem com a maior difamação do meu crédito e dos [araltos] soberano que representa este meu cargo.”53
 Utilizando-se da retórica, os dois grupos passaram todo o ano seguinte tentando mover as complexas teias de apadrinhamento e amizade que sentenciam do Tejuco até o Reino. As relações públicas, fundadas sob o reino do privado, funcionavam segundo os critérios da amizade e do clientelismo. Por um lado, era este o mecanismo que fundava as hierarquias e submetia os homens às vontades reais; por outro, paradoxalmente, era o que dificultava a efetivação deste mesmo poder, pois os interesses particulares imiscuíam-se nos públicos, pervertendo sua ordem e significado.
 Finalmente, no dia 9 de junho, um incidente modificou o rumo dos acontecimentos. O Intendente convocou o Escrivão da Intendência para que este lavrasse uma certidão de que nem sempre estava presente quando o Contratador abria o cofre, com quem muitas vezes deixava sua chave e que os diamantes eram pesados com a balança trazida por este. Pretendia com este procedimento provar que o roubo poderia ter sido preparado pelo contratador.54 No entanto, Felisberto contava com o apoio do escrivão, a quem privilegiava alugando seus escravos, e que sabia que estaria também se incriminando assinando tal declaração. Saiu então gritando para a rua que estava sendo ameaçado com uma faca pelo Intendente.55 Lá se encontravam Felisberto e Conrado Caldeira Brant, Alberto Luís Pereira e todos os seus escravos, parentes e agregados, armados de baionetas e com as espadas desembainhadas. O Intendente deu voz de prisão ao Contratador, a Alberto Luís e ao seu procurador José Pinheiro e ordenou que seguissem para a cadeia. Sem saber ao certo quem lhe obedecia ou não, começaram a caminhar. O contratador e vários partidários, ainda armados, chamavamlhe de ladrão e, sem o respeito devido, continuavam com o chapéu na cabeça. Finalmente, no adro da Igreja Matriz de Santo Antônio, Alberto Luís apontou a espada para o Intendente e
                                                                                                                                                                               52 Ibid. 53Ibid., Caixa 60, doc. 29. 54 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 60, doc. 29.
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esse, desarmado, lembrou-lhe do lugar sagrado onde estavam e do crime de lesa-magestade que cometia. Imediatamente, os insurretos homiziaram-se dentro da Igreja.56
 Os acontecimentos precipitaram-se e obrigaram os dois lados a um jogo de força. De dentro da Igreja, Felisberto tratou de escrever ao Governador e ao Rei contando sua versão. O Intendente fez o mesmo, nomeou novos subordinados e começou a fazer uma devassa sobre o caso e os descaminhos do Contratador.57 A situação era tão grave que o Governador José Antônio Freire de Andrade foi para o Tejuco, onde chegou no dia 26 de junho. Dali mandou chamar imediatamente o Ouvidor Do Serro do Frio, José Pinto de Morais Bacellar, para tirar uma devassa sobre o furto e o procedimento do Intendente, colocando-se dessa forma, do lado dos Caldeira.
 As conclusões do Ouvidor começaram a mudar o rumo dos acontecimentos. Ao contrário do que esperava, o Governador tomou o partido de Lanções e concluiu que era “o furto dos diamantes suposto e falso.”58 Durante todo o ano seguinte, os dois partidos tentaram influenciar as autoridades superiores. Brant escrevia continuamente a Gomes Freire pedindo sua intermediação e levantando novas suspeitas sobre Lanções, inclusive como contrabandista de diamantes. Lanções tentava sensibilizar diretamente ao Rei, já que não podia contar com a ajuda das autoridades da Colônia.
 Gomes Freire de Andrade tentou de todas as formas pender a balança a favor de seu protegido. Do Sul, escrevia para as duas maiores autoridades do Reino, Diogo de Mendonça Corte Real e Sebastião José de Carvalho e Mello, atestando a incompetência de Lanções, do prejuízo que trazia aos negócios reais, da devassa que mandara tirar e da provável prisão do Intendente, assim que tudo estivesse apurado.59
 Porém, a sorte de Felisberto começou a mudar quando, em março de 1753, descobriuse, em Lisboa, uma partida de 3.000 quilates de diamantes que vinha na frota dirigida ao
                                                                                                                                                                               55 Ibid., Caixa 63, doc. 01. 56 Ibid., Caixa 63. doc. 01. e Caixa 60, doc. 29. 57 Ibid., Caixa 60, doc. 29. 58 Ibid., Caixa 60, doc. 37.
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Desembargador da Alfândega Dionísio José Collaço.60 Tal quantidade de diamantes não poderia estar sendo extraída da Demarcação sem a participação ou conivência do contratador e as denúncias de Lanções pararam de cair no vazio. A frota que chegou ao Brasil em agosto de 1753, trazia as ordens secretas de prisão do contratador a ser realizada por José Antônio Freire de Andrade que devia passar imediatamente ao Tejuco. Lá deveria se encontrar com o Ouvidor Bacellar para prender Felisberto e seus sócios, seqüestrar seus bens e iniciar imediatamente uma devassa.61
 A prisão do contratador e seus protegidos provocou comoção no Tejuco, obrigando as autoridades a mantê-lo em local secreto, e enviá-lo imediatamente ao Rio de Janeiro. Ali, foi recolhido, junto com Alberto à Ilha das Cobras. Bacellar iniciou o acerto das contas do contrato: informou que os bens eram insuficientes para cobrir os empréstimos em letras de câmbio emitidas e, de posse do livro dos escravos alugados no Tejuco, que a sonegação atingira o montante de cerca de trinta vezes do total explorado.62 Devassas no Tejuco e em Vila Rica, estabeleceram a conexão entre as pedras encontradas na frota e o contratador.63
 Na luta travada entre os representantes das esferas públicas e privadas, todos saíram perdedores. Em setembro de 1753, Lanções voltou para o Reino desacreditado. Suspenso, por inépcia administrativa, sua permanência tornara-se impossível e, no mês seguinte, tomou posse o novo Intendente dos Diamantes.64 Os interesses do contratador e suas ligações na Corte arruinaram a carreira de um magistrado, que tentara fazer valer os do Rei No fim do ano, Bacellar apresentou seu relatório, onde afirmou que o furto lhe parecera “fantástico e fingido”; no entanto, considerou Lanções um magistrado ignorante e incapaz, pois cuidara apenas das “diferenças que se moveram entre ele e o contratador” e “não de andar no serviço de Sua Magestade.”65 Os interesses públicos, segundo afirmava o Ouvidor, não eram contrários, ou podiam ser movidos por razões particulares, o que só traria instabilidades.
                                                                                                                                                                               59 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino. Manuscritos avulsos do Rio de Janeiro. Caixa 64, doc. 16887- 16888. e Caixa 60, doc. 16075 e 16086. 60 Id., op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 36. 61 Ibid., Caixa 58, doc. 110 e Caixa. 63, doc. 28 e 36. 62 Ibid., Caixa 63, doc. 29. 63 Ibid., doc. 36. 64 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41,  Caixa 63, doc. 38.
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Arguto observador, percebia que interesses públicos e privados, paradoxalmente, deveriam estar sempre fundidos, um agindo em benefício do outro.
 Decretada a falência do contrato, o mercado financeiro do Império pôs-se em polvorosa. O Rei viu-se obrigado a garantir que o pagamento das letras emitidas pelo contrato fosse feito diretamente pelo Erário Régio.66 Sabiamente, Dom José percebeu que, se a Fazenda Real e o cabedal dos particulares ficavam perdidos, antes de mais nada, era seu próprio poder que ficara ameaçado “pelo público escândalo.”67 Também o novo Intendente mostrou os limites do poder real, ao cooptar agentes privados para se fazer efetivo, pois os funcionários régios tinham se tornado “administradores e assalariados de Felisberto” e “todos os moradores deste continente [do Distrito Diamantino] são dependentes do contratador, porque na sua bondade ou maldade reside seu aumento ou perdição.”68
 Felisberto foi transferido para a Ilha das Cobras e de lá para a Cadeia do Limoeiro em Lisboa. Ali, sobreviveu trancafiado ao terremoto de Lisboa. O seqüestro de seus bens só terminou em 1768 e ressarciu o tesouro régio de parte dos prejuízos.69 Em 1769, quase totalmente paralisado e com dificuldades de fala devido a um ataque apopléctico, morria no Limoeiro, apesar de autorizado a se retirar para Caldas da Rainha.70
 Interesses públicos e privados estavam irremediavelmente imbricados no Império Português. Se a esfera pública dependia de tornar privado o poder para atingir regiões cada vez mais distantes, nos confins dos sertões estes homens tomavam para si a voz do Rei e impunham limites a sua atuação, pervertendo o sentido de quem lhes investira tal poder, pois seus “conhecimentos [só poderiam ser] purificados com a verdadeira presença de Vossa
                                                                                                                                                                               65 Ibid., Caixa 63, doc. 28. 66 RIO DE JANEIRO. Biblioteca Nacional. Do Descobrimento dos diamantes e diferentes métodos que se tem praticado na sua extração. Anais. Rio de Janeiro, v.. 8, p.163-172, 1960. 67 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 28. 68 Ibid., Caixa 67, doc. 37. 69 RIO DE JANEIRO. Biblioteca Nacional. Op. cit., nota 67, v. 8. p.163-172; e LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino. Manuscritos da Bahia. Doc. 2723. 70 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Ministério do Reino. Decretos Régios. Pasta 17, n. 74; Id. op. cit., nota 31, Maço 1342, doc. 7.
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Magestade.”71 Por outro lado, um não existia sem outro, o poder reproduzindo-se em esferas cada vez menores, hierarquizando os homens, colocando-os sob domínio real. Mas, paradoxalmente, os interesses públicos, ao assumirem no Império português natureza privada, eram a razão e o limite do alcance do próprio poder.
 Na data inicial do contrato era Governador das Minas o Conde de Bobadela, (Gomes Freire de Andrade) e Intendente Interino dos diamantes, Francisco Moreira de Matos. Como era o costume, Caldeira Brant procurou estreitar as relações com essas autoridades, inclusive estabelecendo laços de compadrio, pretexto sempre utilizado para se unir a importantes figuras da Capitania. Ana e Thereza, filhas de Alberto, foram batizadas em 1750, 1752, respectivamente, tendo como padrinho o Governador Gomes Freire de Andrade.72 Nesses batizados, Gomes Freire mandou procurações, não indo pessoalmente ao Tejuco. Já no batizado de uma das filhas de Felisberto, Thereza, o Governador não só foi o padrinho, como esteve pessoalmente na cerimônia. Posteriormente, Gomes Freire foi aliado fiel, retribuindo a amizade do contratador.
 A atuação de Felisberto Caldeira Brant baseou-se no completo desrespeito às três normas centrais do contrato. Inicialmente, foi-lhe permitido minerar com trezentos escravos, posteriormente, aumentados para seiscentos. Na verdade, seus apontamentos revelaram a utilização de cerca de dois mil escravos. Também estendeu a exploração a áreas vedadas na demarcação, principalmente as rentáveis águas do Rio Caeté-mirim, onde ele conseguiu a concessão de uma sesmaria. Por fim, recusou-se a proceder a averiguação das falhas pelos giros dos destacamentos e continuou a exigir, mensalmente, seu pagamento pelo Intendente.
 O período inicial do contrato foi de prosperidade e aumento do poder do potentado, com a complacência das autoridades e da população locais, que teciam um complexo jogo de interesses e podiam viver folgadamente do aluguel ilegal dos seus escravos para o contrato. Essa situação começou a se reverter com a chegada do novo Intendente Sancho de Andrade Castro e Lanções, em 1751. Diferentemente da administração anterior, Lanções estava
                                                         
 71 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Ministério do Reino. Decretos Régios. Pasta 17, n. 74; Id. op. cit., nota 31, Maço 1342, doc. 7.
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disposto a devassar os procedimentos de Caldeira Brant e começou a pressioná-lo. Surgiram diversos pontos de atrito, mas o principal foi a exigência de que as falhas dos contratos fossem averiguadas.73
 Em 1752, quando Gomes Freire se retirou para o sul e deixou seu irmão José Antônio Freire de Andrade como interino, advertiu-o em suas Instruções que tomasse cuidado com o Intendente, pois o mesmo era “um ministro muito mal conceituado no ministério,”74 tomando o partido de Caldeira Brant e retribuindo-lhe as demonstrações de amizade explicitadas nas relações de compadrio.
 As disputas sobre a verificação das falhas do contrato chegaram ao seu ponto máximo no primeiro semestre de 1752. Em junho, Brant acusou o Intendente de roubar o cofre dos diamantes para prejudicá-lo.75 Era uma quantia irrisória, mas lançava dúvidas sobre a idoneidade do principal representante da Coroa. O clima no Tejuco obrigou o governador interino a se deslocar para lá diversas vezes. Lanções lançou, então, um ultimato sobre a verificação das falhas, determinando em uma sentença (documento 86), que só fossem pagas as verificadas pelos guardas.
  O destino do Contrato foi trágico. Da devassa resultante da denúncia do roubo do cofre, Lanções acabou inocentado, mas foi suspenso por inépcia administrativa.76 Os caprichos do contratador e suas ligações na Corte arruinaram a carreira de um magistrado que tentava fazer valer os interesses do Rei.77 Já as desordens de Caldeira Brant foram descobertas, inclusive o número gigantesco de pedras que extraíra ilegalmente e suas redes de contrabando para o Reino. O Ouvidor do Serro do Frio, José Pinto de Morais Bacelar, encarregado da Devassa dos crimes de extravio, encontrou o livro de registro de aluguel dos escravos que trabalhavam ilegalmente.78 A partir desses dados, estimou a produção real e chegou à
                                                                                                                                                                               72 DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27, Caixa 297, f. 23 e 30. 73 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 1. 74 INSTRUÇÕES que o Governador Gomes Freire de Andrade... R. do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 4, p. 374, 1899. 75 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 63, doc. 1 76 Id., op. cit., nota 60, n. 15.587 e 15.591. 77 Ibid., n. 16.078. 78 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 65, doc. 55.
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conclusão que Caldeira deveria ter pago à Coroa cerca de trinta vezes o montante de 1:655Ø276 milhões de réis que fizera entrar nos cofres régios.
 Ele foi preso junto com o sócio, posteriormente transferidos para a Ilha das Cobras no Rio de Janeiro e para o Reino.79 Felisberto morreu na cadeia do Limoeiro80 e Alberto Luís Pereira ficou preso na Torre de Belém, mas conseguiu, por fim, a liberdade sem que lhe pesasse nenhuma culpa. Na década de 70, recebeu o hábito da Ordem de Cristo, arrematou o contrato do peixe no Algarve e viveu o resto de seus dias na nobreza, tendo conseguido apagar seu passado.81
 A prisão de Felisberto colocou em perigo o pagamento das letras que venciam em Lisboa e no Rio de Janeiro no final do ano de 1753. Dom José I, para evitar um colapso do sistema de contratos diamantinos, honrou seu pagamento e determinou o seqüestro integral dos bens do contratador, que só terminou em 1768, para ressarcir o tesouro régio dos prejuízos.82

4- CHICA DA SILVA E JOÃO FERNANDES DE OLIVEIRA
 Longe de querer recuperar a imagem física de Chica, pesquisas em documentos sobre sua vida, revelaram que se tratava de uma senhora mulata que procurava, e de certa forma conseguiu, inserir-se na sociedade branca das Minas Gerais da época. Essa inserção se deu a partir da prática do concubinato com o contratador dos diamantes, o Desembargador João Fernandes de Oliveira, com o qual nunca se casou de fato por estar impedida pelos costumes e leis da época de regularizar sua situação.
 Ao contrário do que se costuma pensar, como outras mulheres forras de seu tempo, Chica não foi rainha ou bruxa e sua atuação junto à elite branca do arraial do Tejuco foi
                                                         
 79 Id. Op. cit., nota 60, n. 17.199 e 17.488. 80 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 31, Maço 31, doc. 7  81 LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Habilitação à Ordem de Cristo; Alberto Luís Pereira. Letra A, maço 31, doc. 5.. 82 RIO DE JANEIRO. Biblioteca Nacional, op. cit., nota 57, v. 8, p. 163-172.
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sempre conservadora, procurando usufruir das vantagens que sua nova inserção naquela sociedade podia lhe oferecer. Ao longo de sua vida, procurou diminuir o estigma que a cor e a escravidão lhe impuseram, promovendo a ascensão social de sua prole. Para isso, ela dispôs da influência e da riqueza de seu companheiro.
4.1. Origem
 A historiografia afirma que Chica era filha de uma negra, escrava, de nome Maria da Costa e de branco chamado Antônio Caetano de Sá, não se conhecendo a data certa de seu nascimento. Simão Pires Sardinha, seu filho mais velho, quando se habilitou à Ordem de Cristo afirmou ter sido essa sua ascendência materna. O Capitão Antônio Caetano teria nascido e sido batizado na Candelária, no Rio de Janeiro, e a avó na Freguesia da Conceição da Praia, na cidade da Bahia.83 O processo foi evidentemente manipulado para esconder a ascendência negra do habilitado, obstáculo quase intransponível para a concessão do hábito, que ele efetivamente alcançou. Para diminuir o estigma da cor e da escravidão, Simão conseguiu que as testemunhas omitissem a condição escrava de sua mãe e avó e afirmaram que Chica era
“filha legítima do Capitão dos Auxiliares Antônio Caetano de Sá e de Maria da Costa, que possuíam muitos cabedais e uma copiosa escravatura, sendo esta de cor parda e, por conseqüência, sua filha, mãe do habilitado. Já neste, fica em 3º ou 4º grau, porém vivendo todos com uma excelente reputação e à luz da nobreza, com muita riqueza e fazendo a primeira figura naquele continente, visitados das primeiras pessoas.”84

 Em 1726, Antônio Caetano e Sá era Capitão das Ordenanças de Bocaina, Três Cruzes e Itatiaia, distritos do termo de Vila Rica. Homem branco, pouco se sabe sobre ele, otítulo de Capitão era sinal de distinção. Chica honrou seu pai, dando-lhe seu nome ao terceiro de seus filhos homens.
 Já, sobre sua mãe parece ser possível reunir mais informações. Em 1737, nascia em Conceição do Mato Dentro, Comarca do Serro do Frio, Rita, filha de Maria da Costa, crioula,
                                                         
 83 LISBOA. ARQUIVOS NACIONAIS DA TORRE DO TOMBO, op. cit., nota 82, Letra S, maço 5, doc. 5. 84 Ibid., f. 11.
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já então forra.85 Parece tratar-se efetivamente da mãe de Chica, pois Rita foi também o primeiro nome escolhido para uma de suas filhas e segundo nome de outra Chica, portanto, teria nascido antes de 1737, pois sua condição de escrava atestava que sua mãe ainda era escrava no momento de seu nascimento. Em 1748, também em Conceição do Mato Dentro, uma Maria da Costa foi indiciada como ré em uma das Visitas Episcopais que os Bispos faziam ao "rebanho" mineiro. Não é possível ter certeza de tratar-se da mesma pessoa, mas tudo indica que sim, pois as autoridades escandalizavam-se com o jeito libertino de vida destas mulheres forras. Apesar de amasiada com um ferreiro, ela foi acusada de deitar-se “com todo homem que se lhe oferece.”86 Várias testemunhas declararam, que era público e notório no arraial, que seu ciumento companheiro dava-lhe várias surras. Numa delas, “se descompuseram de palavras e pancadas por ciúmes e que do modo de viver da dita têm resultado várias ruínas e mortes.”87
 Ao que parece, Maria da Costa envolvera-se em muitas contendas no arraial e era exemplo das tensões causadas pelo aumento do número de mulheres livres de baixa condição social. Se era verdade que ela se dava com vários homens, devia provocar a ira de várias mulheres. Com uma delas acabou proferindo ameaças de agressão física e, de modo impróprio, afirmou que “era mulher capaz de dar uma bofetada em Nossa Senhora do Pilar.”88 Maria da Costa, como outros, pervertia o sentido do culto aos santos e conferia-lhe peculiaridades próprias da religiosidade popular, que inseria a religião nas contendas e tensões que permeavam o cotidiano. Acusada de ser meretriz, a ré revidou que “se ela era mulher pecadora, que por ela tinha sido Santa Maria Madalena”, e, com estas palavras, escandalizava a sociedade e os representantes do clero.89 A mesma Maria da Costa apareceu como madrinha de uma filha de uma escrava Silvéria em 1753, no Tejuco, também como forra.90
                                                         
 85DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico. Documentos sem identificação. Caixa 230. 86MARIANA. Arquidiocese . Arquivo Eclesiástico. Devassas; fevereiro de 1748, f.33. Apud FIGUEIREDO, Luciano R. O avesso da memória. p.109. 87Ibid. 88Ibid., f. 31v-32. Apud SOUZA, Laura de M. Os desclassificados do ouro. p. 184. 89Ibid. 90DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 27,. Caixa 297,. f. 6v.
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 Segundo o mesmo Sardinha, Chica teria sido batizada no arraial do Milho Verde, dentro da Demarcação Diamantina. Um de seus netos afirmou, em seu processo de genere, que ela nascera na Vila do Príncipe.91 Vários documentos atestam que Chica era mesmo mulata, pois era tratada nos mesmos como parda ou mulata,92 sendo efetivamente filha de uma negra com homem branco, o que era corriqueiro numa sociedade onde as mulheres, principalmente brancas, eram escassas. Certamente nasceu escrava, pois essa condição e depois a de forra foi sempre mencionada nos documentos do Tejuco.
 Em 1726, Antônio Caetano e Sá era Capitão das Ordenanças de Bocaina, Três Cruzes e Itatiaia, distritos do termo de Vila Rica.93 Homem branco, pouco se sabe sobre ele, o título de Capitão era sinal de distinção. Chica honrou seu pai, dando-lhe seu nome ao terceiro de seus filhos homens.
4.2.  A Escrava Chica, Mulata
   Na década de 50, foi possível identificar, pela primeira vez, a presença de Chica no arraial do Tejuco, através dos documentos. Era, então, escrava do médico Manoel Pires Sardinha, proprietário de lavras e importante médico no Tejuco, a essa época com quase 60 anos.94 No ano de 1750, Manoel Pires Sardinha era juiz na Câmara da Vila do Príncipe, importante cargo, reservado à elite dos homens bons da região.95
 Não há registros anteriores que determinem se Chica pertencia ao médico desde seu nascimento, nem qualquer documento que a relacione ao plantel de José da Silva de Oliveira, pai do padre Rolim. Com certeza, Sardinha foi seu penúltimo proprietário, vendendo-a, no ano de 1753, a João Fernandes de Oliveira.96 Como era usual, principalmente a partir do final do século XVIII, os negros assumirem o sobrenome de seu senhor, provavelmente a historiografia relacionou o sobrenome Silva Oliveira, que Chica adotou quando liberta, como
                                                         
 91LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Leitura de Bacharéis. Letra L, maço A, doc.24. 92DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 27, Caixa 297, f. 2. Id., Livro de Termos do Serro do Frio; 1750-1753 Caixa 557, f. 102v. 93LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 9, doc. 53. 94Ibid., Caixa 60, n. 29. Em 30 de junho de 1752, o Dr. Manoel Pires Sardinha foi testemunha de uma devassa no Tejuco e afirmou ser branco, viver de sua lavra e curativo no arraial do Tejuco e ter 60 anos. 95Livro de Registro de Patentes da Câmara da Vila do Príncipe – setembro de 1770. f.6v a 9
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indicativo do seu proprietário, no caso seria José da Silva Oliveira. Como veremos a seguir, Chica tomou esse sobrenome somente após ter sido alforriada. Enquanto era escrava, parecia na documentação da época, como era rotineiro, somente como Chica, parda ou mulata, escrava de...
 Em 1751, Chica teve seu primeiro filho, Simão, com seu proprietário, que não assumiu nos registros de batismo a paternidade de Simão, mas concedeu sua alforria.97 Mais tarde, em seu testamento redigido em 1755, ele reconheceu Simão como um de seus filhos bastardos, nomeando-o como um de seus herdeiros.98 Manoel já tinha dois outros filhos, Plácido, filho de uma escrava, Antonia Xavier e Cipriano, nascido de outra escrava Francisca Pires.99
 A Visita Eclesiástica ao Tejuco, em 1753, condenou Manoel Pires Sardinha de concubinato, em primeiro lapso, com suas duas escravas Franciscas e os “admoestou paternalmente ... para que de todo se apartassem (sic) da ilícita comunicação ... evitando por este meio as ofensas de Deus, escândalo ao próximo e o perigo a que vem expor as suas almas.”100 A historiografia é unânime em afirmar que Chica era mãe de Cipriano e Simão. Porém, os dois registros de nascimento, a Visita de 1753 e o testamento de Manoel Pires Sardinha não deixam dúvidas de tratarem-se de duas Franciscas. Em 1756, a mesma Francisca Pires, já crioula forra, dava luz a outra criança, Bárbara, que teve como madrinha a própria Chica da Silva,101 revelava-se, desta forma, que os laços estabelecidos no cativeiro eram honrados na vida livre.
4.3.  O Desembargador João Fernandes De Oliveira
 No segundo semestre de 1753, João Fernandes de Oliveira chegou ao Tejuco, após seu pai ter arrematado o quarto contrato dos diamantes.102 Em 24 de novembro daquele ano,
                                                                                                                                                                               96SERRO. Arquivo do Fórum. Livro de Notas – 1754. f. 55-55v. 97DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27, Caixa 297, f. 29. 98Id. op. cit., nota 26, f. 27. 99DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27, f. 11; op. cit., nota 26, f. 71. SERRO. Arquivo do Forum. Livro Avulso de Testamentos.  100Id., Livro de Termos do Serro do Frio. Caixa 557, f. 102v. 101Ibid., f. 40. 102LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Cartórios Notariais. 5B. Caixa. 15, Livro 75, notas Actual 12. f. 75-78v.
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apareceu pela primeira vez como padrinho de batismo no Tejuco, estabelecendo através da relações de compadrio as conexões necessárias para criar compromissos com a elite local. Na mesma data, batizou Angélica, filha legítima de José de Araújo Guimarães e Ignes Maria da Conceição, ambos brancos.103 Nos meses seguintes, foi seguidamente padrinho de batismo de mulatos, filhos bastardos, escravos, expostos e brancos. Com isso, garantia a caridade para com os pobres, a deferência com os iguais e os colocava sob sua influência por meio dos laços indissolúveis da gratidão.
 João Fernandes de Oliveira era um rapaz cuja trajetória, cuidadosamente planejada por seu pai, refletia o processo de notabilização e ascensão social que o antigo contratador dos diamantes procurava estabelecer para sua família, à medida que se enriquecia. João Fernandes de Oliveira, o velho, apesar da enorme fortuna que acumulara com os diversos contratos de diamantes que arrematara desde em 1740, alcançou apenas o título de Sargento-Mor, pelo o qual era sempre referido para se distinguir de seu filho homônimo. O jovem João Fernandes nasceu em Mariana, em 1720, era filho de Maria de São José, paulista, primeira esposa do Sargento-Mor.104 Em 1743, matriculou-se em Cânones na Universidade de Coimbra, onde se formou em julho de 1748105. Em dezembro do mesmo ano, foi sagrado pelo Rei Dom João V, Cavaleiro da Ordem de Cristo, com toda a pompa, em cerimônia ocorrida na Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Lisboa106 e o título com sua respectiva tença de 12$000 réis foi dado em julho do mesmo ano.
 Já sagrado cavaleiro, o jovem apresentou-se em 16 de março de 1750, na Audiência de Juízo, com suas cartas de formatura pela Universidade de Coimbra, e requereu licença para advogar.107 Na ocasião, afirmou que residia na Corte, de onde retornou para o Brasil em 1753, para representar o pai no quarto contrato dos diamantes. Então, já acumulava todos os sinais de dignificação, ao qual juntou o título de Desembargador, nomeado para o Tribunal da
                                                         
 103Ibid., f. 39 104Id., Índice de Leitura de bacharéis. João Fernandes de Oliveira. Maço 22, doc. 37. 105COIMBRA. Arquivo da Universidade de Coimbra. Actos e graus de estudantes da Universidade por Faculdade. 106LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Chancelaria Antiga da Ordem de Cristo. Livro 235. f. 319. 107Id., op. cit., nota 195, Maço 22, doc. 37.
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Relação do Porto.108 Por fim, em 1763, foi-lhe “feito mercê do lugar de Juiz do Fisco das Minas Gerais,  [com] mercê de que possa vestir a beca”109 e “com o predicamento de lugar de primeiro banco.”110
 O jovem João Fernandes que chegava ao Tejuco, “solteiro, de boa vida e costumes”111 coberto de nobreza e ostentando importante cabedal de seu pai, era o que se podia chamar de bom partido. Porém, no ano seguinte, ao contrário de todas as previsões, iniciou um envolvimento amoroso com Chica da Silva, escrava, parda, a quem foi fiel até a morte, ainda que vivessem separados em seus últimos anos, ela no Tejuco e ele em Lisboa.
 Poucos meses após sua chegada, em dezembro de 1753, já como proprietário de Chica, a quem comprara por 800$00 réis, João Fernandes registrou na Vila do Príncipe sua carta de alforria.112 Este comportamento de alforriar um escravo logo após sua aquisição era quase inexistente entre os proprietários mineiros, que, usualmente, concediam a liberdade às concubinas ou escravos de confiança mediante o processo de coartação, pelo qual a alforria ia sendo paga parceladamente, ou em testamentos na hora da morte, em pagamento de serviços. Entre as vinte e três mulheres forras que registraram seu testamento no Tejuco, somente, Maria de Souza da Encarnação contou ter tido um processo de libertação semelhante ao de Chica. Vivia no Tejuco com Domingos Alves Maciel que, finalmente, a comprou e a libertou em seguida.113 A maioria dos brancos proprietários viviam maritalmente com suas escravas sem conceder-lhes a alforria, como Manoel Pires Sardinha, que alforriou apenas os filhos nascidos das relações consensuais . A atitude de João Fernandes divergia dos padrões encontrados nas Minas da época e sugeriu a existência de laços de afeto entre ele e Chica, além do desejo de que ela não desfrutasse de situação social tão inferior a sua.
                                                         
 108LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 31, Maço 1342, doc. 7. 109Id. Ministério do Reino. Livro 214, F. 43v e 44. Id. Chancelaria de Dom José I. Livro 86, f. 101v - 102. 110LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 110, Livro 209, f. 184. 111Id. op. cit., nota 105, Maço 22, doc. 37. Depoimento do Dr. José Antônio Cobeiro de Azevedo, corregedor do cívil. 112SERRO. Arquivo do Fórum, op. cit., nota 97, f. 55-55v. 113LISBOA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 26, f. 34-
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 A estratégia da família Fernandes de Oliveira em relação ao contrato dos diamantes foi expediente comum entre os homens de negócio. Como as relações de poder adquiriam no Império Português caráter privado, para efetivação e sucesso dos negócios era necessária uma abordagem cotidiana e intimista com as fontes deste poder, acima de todas com a própria figura real. As relações de negócio, porque assentadas segundo as mesmas premissas, misturavam-se com as relações familiares e era comum dentro da mesma família seus diversos membros ocuparem diferentes posições dentro do empreendimento. Geralmente, um ou dois cuidavam dos negócios, enquanto pelo menos outro tratava de freqüentar a corte, angariando favores, concessões, privilégios.
 Esta estratégia foi observada em algumas das mais importantes corporações/famílias de negócio como os Pinto de Miranda e os Pinheiro. A família Pinto de Miranda era produtora de vinho e cuidava da exportação destes e de outros produtos para Brasil. Um dos irmãos, Balthazar, permaneceu em Portugal como elo de ligação com a Corte, e ali chegou a ser nomeado responsável pela Companhia Vinícola do Alto Douro, enquanto seus irmãos vieram para o Brasil: Antônio foi para o Rio de Janeiro em 1739 e João para Vila Rica.114 Francisco Pineiro foi um dos maiores homens de negócio português na primeira metade do século. Em vários momentos, afirmou que desfrutava da intimidade com o Rei, necessária à boa condução dos negócios. Desta forma, conseguia favores e cargos para seu agentes espalhados pelo Império, muitos deles membros de sua própria família, como seu irmão Antônio Pinheiro Netto, que se estabeleceu no Rio de Janeiro e depois em Minas, e seu cunhado e compadre, Francisco da Cruz, que veio para Sabará.115
 A partir do quarto contrato dos diamantes, os João Fernandes de Oliveira, pai e filho, estabeleceram a mesma estratégia. O pai, o Sargento-Mor, estabeleceu-se no Reino e, a partir da amizade que tecera, cuidadosamente, nas Minas com o Governador Gomes Freire de Andrade, passou a frequentar os mais altos estratos da Corte, compartilhando da confiança de Pombal. Logo após o terremoto em 1755, Lisboa passou por transformações e ampliações urbanísticas fundamentais. Uma destas transformações foi a ocupação do Bairro da Lapa por
                                                         
 114    SANTOS, Eugênio de. Relações da cidade e região do Porto com Rio de Janeiro e Minas Gerais...
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uma elite burguesa ascendente, que ali construiu belas mansões, partilhando o espaço com família nobres de nascimento, que também se mudaram para ali. O S.M. João Fernandes escolheu o aprazível sítio de Buenos Aires, que, como o nome indica, ocupava posição privilegiada, no alto do Rio Tejo, desfrutando de bela vista e incomparável arejamento da brisa que subia do rio.116 Ali construiu uma suntuosa mansão símbolo do poder e riqueza que alcançara com os dois contratos diamantinos que arrendara na primeira metade do século. A estreita ligação entre sua trajetória pessoal e os negócios com os diamantes foram expressos nos painéis de azulejos que adornaram a magnífica escadaria. Ali imagens de índios e orientais sugeriam as ligações com o Brasil e a Índia, regiões produtoras das preciosas gemas.
 Na casa do sítio de Buenos Aires, o velho SM João Fernandes instalou-se com sua nova esposa Isabel Pires Monteiro e passou a desfrutar de uma vida de luxo, gastando seu tempo em demonstrar, na Corte, a fortuna e a importância que adquirira. A intimidade com os poderosos era vital para a concretização dos interesses financeiros. Assim, o velho tratou de estabelecer conexões importantes, destacando-se as relações com o Ministro do Reino, o futuro Marquês de Pombal. Vários indícios demonstraram que as relações entre os João Fernandes, pai e filho, e o Marquês de Pombal eram estreitas. Num intercâmbio de favores, em 1770, durante as negociações da renovação do 6º contrato dos diamantes, o velho Sargento-Mor concedera ao ainda Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Mello, “oito contos de réis, que são vinte mil cruzados, para se acabarem as casas sitas junto à Igreja da freguesia arruinada de São Paulo, desta Corte.”117
 Um dos detalhes da casa que demonstram o novo poderio da família Fernandes de Oliveira foi a construção de túnel subterrâneo exclusivo para a captação de água. No século XVIII, uma luta surda opunha ricos e pobres nas ruas de Lisboa: a luta pelas escassas provisões de água na cidade. A crônica falta d’água em Lisboa só foi resolvida no final do século XVIII com a construção de um aqueduto por Dona Maria I. Só para se ter idéia da tensão existente devido à disputa pela água, Pombal foi acusado por seus opositores de
                                                                                                                                                                               115    FURTADO, Júnia Ferreira, op. cit., nota 18. 116 MATOS, José Sarmento. Uma casa na Lapa... 117Ibid., f. 71.
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construir uma captação secreta e própria de água para sua nova casa, ligada diretamente à fonte que mandara edificar em frente ao imóvel, o que em si já era um privilégio. A existência de túnel exclusivo de centenas de metros para abastecer o solar de Buenos Aires, dá dimensão do poder alcançado pelos contratadores.
 O filho, preparado para a condução dos negócios, mudou-se para o Brasil para cuidar pessoalmente do novo contrato (4º). A partir daí, seus negócios entrelaçaram-se permanentemente aos do pai. Das Minas, o Desembargador enviava, anualmente, os ricos rendimentos oriundos da exploração diamantina, permitindo que o pai vivesse folgadamente no Reino, como um nobre. O bom desempenho do Desembargador João Fernandes nos negócios no Tejuco, em oposição ao inábil pai, foi salientado várias vezes.  Nas disputas posteriores que opuseram o Desembargador e a viúva de seu pai, Pombal atestou que era “notória [a] insuficiência do dito [SM] João Fernandes de Oliveira para dirigir e governar um negócio de tanta importância.”118 Referiu-se ao tipo de vida que passou a despender após sua volta à Lisboa, com gastos excessivos, principalmente usados para a edificação da nova casa. Pombal testemunhou que foi necessário limitar os saques que o Sargento-Mor fazia ao cofre onde eram depositados os rendimentos do contrato, gastos sem controle “para alguns empregos de bens de raiz; pela dissipação de todos os seus bens.”119
 Uma vez no Tejuco, o Desembargador João Fernandes organizou a exploração diamantina e fez crescer seus lucros e os do Rei. Assim, tornou-se elemento de confiança do Marquês de Pombal e foi mais um dos exemplos de negociantes que ascendeu na sociedade portuguesa no período pombalino, consubstanciando os interesses do Reino com os da emergente classe mercantil.
 Os negócios diamantinos enriqueceram o Desembargador que, em vida, acumulou vasto patrimônio nas Minas, no Rio de Janeiro e no Reino. Afirmou em seu testamento “que passando aos Estados da América, no ano de 1753, empregara a sua louvável indústria em
                                                         
 118 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 31, Maço 1342, doc. 7. 119Ibid.
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adquirir um decente patrimônio pelo comércio, com o qual estabelecera a sua casa.”120 Em Minas, possuía um morada em Vila Rica, outra em Pitangui, onze fazendas de criação de gado e cavalos em diversos lugares, uma roça também em Pitangui, além das fazendas no Serro do Frio, deixadas, em doação post mortem, uma para cada filho e, no Rio de Janeiro, era proprietário de umas “casas nobres”. Em Portugal, possuía a fazenda do Grijó, comprada nas mãos do Estado, pois tinha sido um dos imóveis expropriados dos agostinianos por Pombal; era dono de uma Quinta em Portela, caminho de Sacavém; e de outra chamada Enxada do Bispo, com sete casas anexas, na Comarca de Leiria. Em Lisboa, adquirira um quarteirão de casas na Rua Augusta, endereço nobre na cidade; as casas de Buenos Aires, na Lapa, outra no fim da Rua da Bella Vista; duas defronte do convento da Estrela, e outra menor na rua do Guarda-Mor.121 Só em dinheiro, o Desembargador deixou cerca de noventa e seis mil cruzados, recolhidos no cofre dos resíduos e, que deveriam ser investidos em empréstimos a juros em favor de seus herdeiros.122
 A evolução da produção de diamantes no Tejuco, durante a condução do Desembargador João Fernandes, demonstrou que seu êxito e incremento esteve diretamente ligado a sua presença. A partir da sua ausência, no segundo semestre de 1770 e durante o ano de 1771, a produção decresceu vertiginosamente, apesar do contrato continuar administrado por um de seus homens de confiança, o administrador geral Caetano José de Sousa.123 Depreende-se pelo volume de riqueza produzida que o contratador não poderia ser aos olhos da Coroa apenas um notório contrabandista e contrário aos seus desígnios. Na verdade, os interesses privados e públicos envolvidos na produção diamantina se completavam e geravam benefícios mútuos. E, como bem percebeu Pombal, o Desembargador era peça fundamental no intricado jogo de relações que consubstanciavam os grandes homens de negócio e a Coroa. Isto não significa, contudo, que o Desembargador não tenha auferido lucros ilícitos na extração, pois os benefícios individuais eram inerentes à máquina administrativa portuguesa e eram o custo de manter privada a origem do poder.
                                                         
 120Id. op. cit., nota 102, Livro 75, Caixa 15.  121LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 102, Livro 78, Caixa 15. Atual 12. F. 48-49. 122Id. op. cit., nota 31, Maço 2112, doc.37. 123Id. Núcleos extraídos do Conselho da Fazenda. Junta de Direção Geral dos Diamantes. Livro 3. p. 1.
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QUADRO I Produção oficial de diamantes  entre 1765-1771 ANO QUILATES 1765 84.862 1766 91.382 1767 70.942 1768 74.450 1769 76.689 1770 55.414 1771 35.369 Fonte: ANTT. Núcleos extraídos do Conselho da Fazenda. Junta de Direção Geral dos Diamantes. Livro. 3, p. 6v.

 A grandeza e a importância de João Fernandes deveriam ser demonstradas publicamente, para que fosse honrado e respeitado pela sociedade. Um destes mecanismos era a caridade com os mais pobres, que sempre engrandeciam o ofertante. A Chácara que João Fernandes construiu nos arredores do Tejuco, denominado Palha, e que, posteriormente, deixou para Chica, abrigava não só os casamentos da elite local, mas também os de seus escravos. Com este ato, além de demonstrar a benevolência com seus cativos, contribuía para a difusão do catolicismo e das instituições familiares europeias, ocupando o papel do bom súdito e fiel cristão. Em 1769, casaram-se “Cláudio com Maria, escravos de Francisca da Silva e Oliveira, na Chácara de João Fernandes.”124
 Outra forma de caridade era direcionada aos doentes. Entre as obrigações dos contratos diamantinos constava a manutenção de um hospital, destinado principalmente aos negros que trabalhavam na mineração e padeciam de vários males e acidentes. Na época de João Fernandes, era médico José Antônio Mendes que, mais tarde, escreveu um tratado de medicina chamado Governo de Mineiros... Contou que, no Tejuco, curou vários doentes de cancros, entre eles vários pobres, “que pelo amor de Deus mandava curar o Desembargador
                                                         
 124DIAMNATINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos. Casamentos no Arraial do Tejuco. Caixa 335, f. 41v.
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João Fernandes de Oliveira, que alguns sararam com grande admiração do mesmo, que os via quando os mandava aceitar, e quando eles lhe iam render as graças já sãos.”125 Por meio deste ritual de visitar os doentes que mandava curar gratuitamente, e fazê-los render graças quando curados, o Desembargador publicitava sua grandeza, sua magnificência para com os desfavorecidos e trazia de volta para si os ganhos deste ato caridoso.
 Outra manifestação pública da importância de João Fernandes no arraial, junto aos poderosos locais, foi concretizada no apadrinhamento da construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. No documento que em 1788, Sua Magestade confirmou o compromisso da Irmandade, estabelecido na década de 50, nele, o escrivão anotou que “a capela que presentemente possuem por doação dela fez o Desembargador João Fernandes de Oliveira, edificada pelo mesmo com licença do Ordinário da respectiva Diocese.”126
OS FILHOS
 O primeiro documento sobre Chica após sua alforria, em 1754, registrou o nome de Francisca da Silva.127 No ano seguinte, já foi citada como Francisca da Silva de Oliveira128 e, algum tempo depois, passou a predominar a incorporação do tratamento de Dona ao seu nome. A mudança na forma de tratamento sugere a importância que alcançou durante sua trajetória de vida e que permitiu que ela encontrasse sua identidade junto à camada de brancos livres.
  O sobrenome Oliveira foi incorporado oficialmente no momento do nascimento da primeira filha, sugerindo um pacto informal entre os consortes, já que não era adequado e até mesmo possível legalizar sua relação. Analisado, à luz da documentação, o sobrenome Silva de Oliveira não sugere nenhuma conexão com o pai do padre Rolim, José da Silva de Oliveira. Silva era sobrenome generalizadamente adotado no mundo português, indicando exatamente indivíduo sem procedência ou origem definida. Francisca da Silva de Oliveira, mulata forra,
                                                         
 125MENDES, José Antônio. Governo de Mineiros...p.133. 126BELO HORIZONTE. Arquivo do IPHAN. Pasta de Tombamento da Igreja do Carmo de Diamantina. Cópia do documento com que Sua Magestade foi servida... 127DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27, Caixa 297, f.32 128Ibid., f. 42v.
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como seu nome ostentava, afirmava-se no mundo livre, por seus próprios meios, porém conectada ao homem ao qual permanecerá ligada até o fim de seus dias.
 Em 1754, Chica, já então livre, era proprietária de casa e escravos, pois em dezembro desse ano, foi registrado no Tejuco Manoel, filho de uma sua escrava, nascido em sua casa.129 Em abril do ano seguinte, nasceu a primeira filha dos dois, Francisca de Paula, mulata.130 Foi registrada como de pai desconhecido, apesar de Chica ostentar oficialmente seu novo sobrenome, ao invés do habitual Francisca, parda, escrava de ...
 Durante 15 anos, entre 1755, quando nasceu sua primeira filha, até 1770, ao João Fernandes voltar para Portugal eles mantiveram um relacionamento estável do qual nasceram treze filhos. A média de um filho a cada treze meses faz desmoronar a figura sensual e lascívia, devoradora de homens, à qual Chica esteve sempre ligada. João Fernandes não teve dúvidas sobre a paternidade dos rebentos ao legitimá-los e legar-lhes todo o seu patrimônio.131 Foi possível encontrar o registro de nascimento de onze deles no Tejuco e Macaúbas, mas, infelizmente, o Livro de Batismos de 1769 a 1780 está tão danificado que impossibilitou a consulta.
 Como já foi dito, em 1755, nasceu Francisca de Paula. João, que se tornaria o principal herdeiro do pai homônimo, nasceu em 1756.132 No ano seguinte veio Rita,133 dois anos depois nascia Joaquim.134 Antônio Caetano nasceu em 61,135 seguidos de Ana,136 Elena137 e Luiza138, nascidos nos anos consecutivos. Em 1766, nasceu Maria,139 seguida de Quitéria no ano
                                                         
 129DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27, Caixa 297, f..32. 130Ibid., f. 42v. 131SOUZA, Joaquim Silvério. Sítios e personagens históricos de Minas Gerais. Ap. 53, nota 2. LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 102, Livro 75, Caixa 15. 132DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27,. Caixa 297, f. 47v. 133Ibid., f. 55.  134Ibid., f. 74 135Ibid., f. 82v. 136Ibid., f. 85v. 137Ibid., f. 89v 138Ibid., f. 98v. 139SERRO. Arquivo do Fórum. Livro Avulso de Testamentos. Testamento de Maria de São José Fernandes de Oliveira.
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seguinte140 e, em 1769, veio a caçula Mariana,141 o que significa que José Agostinho142 era, provavelmente, de 1765, e Antônia143 de 1768.
 Quase todos os nomes escolhidos pelo casal reafirmavam os laços familiares, de onde eram oriundos os prenomes, e procuravam sugerir que ali se estabelecia uma família autêntica, ainda que não sagrada pelos laços oficiais do matrimônio. As cinco irmãs de João Fernandes, todas recolhidas no convento de Monchique da cidade Porto, chamavam-se Ana Quitéria, Maria Margarida, Rita Francisca e Elena.144 João era nome do próprio Desembargador, de seu pai e de seu avô. O pai de Chica chamava-se Antônio Caetano, a mãe Maria e sua irmã era Rita. No testamento do Sargento-Mor João Fernandes, ele afirmou a devoção à Santa Rita, a São Francisco de Paula, a São Joaquim e Santo Antônio. Às várias filhas foi dado também o sobrenome São José, o mesmo que algumas das tias freiras ostentavam e que era também devoção do avô. 145 Percebe-se que a escolha dos nomes, retirados dos diversos indivíduos da família, pretendia honrar os filhos, inserir-lhes no seio familiar, base de seu reconhecimento e identificação, buscando também conferir legitimidade à relação.
 Se a escolha dos nomes ancorava-se no passado, nas tradições familiares, os registros de batismo das crianças apontavam para o futuro e demonstravam os laços que o compadrio honrava e que o casal estabelecia em vida entre a sociedade do arraial. Foram chamados para batizar as crianças importantes moradores do Tejuco. Se por um lado essas ligações certificam que a relação ilícita era aceita pela sociedade local, por outro lado, era indicativo que tal situação foi empecilho para que João Fernandes pudesse estabelecer, através do compadrio, laços que extrapolassem o arraial e criassem obrigações e reciprocidades com autoridades importantes da Capitania, especialmente o Governador.
 Por exemplo, durante o terceiro contrato estabelecido por Felisberto Caldeira Brant e seu sócio Alberto Luís Pereira, o batizado de seus filhos foi claramente pretexto para se
                                                         
 140JABOTICATUBAS. Convento de Macaúbas. Livro de registros de entradas no Recolhimento. 141DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27, Caixa 297, f. 84. 142Sobre José Agostinho existem vários documentos. Ex: LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 31, Maço 1078, n.11. 143SERRO. Arquivo do Fórum, op. cit., nota 140. Faz várias referências à Antônia, na época religiosa em Macaúbas. 144LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 102, Livro 300, f. 28v-34v.
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unirem a importantes figuras da Capitania, inclusive o Governador. Ana e Thereza, filhas de Alberto, foram batizadas em 1750, 1752, respectivamente, tendo como padrinho o Governador Gomes Freire de Andrade.146 Nesses batizados, Gomes Freire mandou procurações, não indo pessoalmente ao Tejuco; já no batizado de uma das filhas de Felisberto, Thereza, o Governador não só foi o padrinho, como esteve pessoalmente na cerimônia.  Posteriormente, Gomes Freire foi aliado fiel e, nas disputas entre os sócios no contrato e o Intendente Sancho de Andrade e Lanções, colocou-se claramente a favor dos dois, retribuindo as demonstrações de amizade explicitadas nas relações de compadrio. Em 1752, quando Gomes Freire se retirou para o Sul e deixou seu irmão José Antônio Freire de Andrade como interino, advertiu-o em suas Instruções que tomasse cuidado com o Intendente pois o mesmo era “um ministro muito mal conceituado no ministério.”147
 Os registros de nascimento do Tejuco, de onde podem se apreender os laços de compadrio, demonstraram que amistoso relacionamento entre as partes prevaleceu durante a vida e a morte dos envolvidos. Curioso para os olhos contemporâneos, o padrinho escolhido para Francisca de Paula foi o doutor Manoel Pires Sardinha, seu antigo proprietário. O próprio Sardinha tinha sido procurador do segundo contrato dos diamantes estabelecido pelo Sargento-Mor João Fernandes de Oliveira, de quem, evidentemente, despertava confiança.148 Sardinha gravitava no círculo de amizades da família Fernandes de Oliveira e os laços de compadrio vinham selar os compromissos recíprocos inerentes a essa relação.149 Em 1756, Chica e o médico foram padrinhos de Rosa, filha de uma escrava do cirurgião-barbeiro, José Gomes Ferreira. José Gomes alforriou a criança e Sardinha concedeu-lhe uma esmola de 32 oitavas de ouro.150 Também, Chica herdou bens do finado proprietário, pois no inventário do Sargento-Mor José da Silva e Oliveira, em 1796, foi instada a pagar 28$856 réis de dívidas que Sardinha havia contraído, dos quais consta o pagamento de 3$000 réis.151 Também
                                                                                                                                                                               145Ibid. 146DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27, f. 23 e 30. 147INSTRUÇÕES que ..., op. cit., nota 75, p. 374. 148LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino, op. cit., nota 41, Caixa 60, Maço 29. 149FURTADO, Júnia Ferreira. Toda oferenda espera sua recompensa. In: Homens de Negócio: a interiorização da metrópole e do comércio nas Minas Setecentistas.  150DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27, Caixa 297, f. 49. 151DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres. Testamento de José da Silva e Oliveira, 1796-1797. 1º ofício, Maço 28.
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demonstrando sua amizade pela ex-escrava Francisca Pires, mãe de Cipriano Pires Sardinha, Chica foi madrinha de sua filha Bárbara em 1756, e João Fernandes e sua filha Rita Quitéria foram padrinhos de sua outra filha, Elena, nascida em 1762.152
 Ao se analisar a relação nominal dos outros padrinhos dos filhos de Chica e João Fernandes, a primeira coisa que salta aos olhos foi a ausência de qualquer autoridade importante da administração da Capitania ou mesmo do Distrito, especialmente o Intendente dos Diamantes, expediente sempre utilizado pelos contratadores, para garantir as benesses da principal autoridade portuguesa local. Além de Manoel Pires Sardinha, foram padrinhos o Sargento-Mor José da Silva de Oliveira, velho amigo de seu pai; o Coronel José Velho Barreto, importante fazendeiro e negociante por grosso no Tejuco. Garantindo os vínculos familiares, seu tio Ventura Fernandes de Oliveira, estabelecido em Vila Rica, foi padrinho de Joaquim. Os demais padrinhos foram escolhidos entre militares locais de baixas patentes, como o Sargento Mor Antônio Araújo de Freitas; o Capitão Luís Lopes da Costa, padrinho de Ana, Elena e Luiza, e os Capitães Francisco Malheiros e Luis de Mendonça Cabral. A mancebia do importante contratador branco com uma mulata, a impossibilidade de legalizarem o matrimônio e o consequente registro dos filhos como naturais, constando apenas o nome da mãe, tornavam impossível que essas cerimônias fossem utilizadas para criar os desejáveis laços de compadrio com autoridades de altas patentes que, em muito, auxiliavam no estabelecimento de laços recíprocos, mesmo que tal relação fosse socialmente aceita pela elite local.

A EDUCAÇÃO DA PROLE

 Chica procurou agir como qualquer senhora da sociedade. Educou suas filhas no Recolhimento de Macaúbas, melhor educandário das Minas, destinado apenas às filhas da elite,153 onde fez entrar suas nove filhas. O Recolhimento era destinado às filhas da elite mineira e era um misto de convento e educandário e, algumas vezes, abrigou mulheres casadas que, na ausência dos maridos, buscavam proteção, refúgio e paz. Macaúbas era um dos raros
                                                         
 152DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27, Caixa 297, f. 50 e 86.
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locais das Minas onde as mulheres podiam ter acesso a uma educação formal, já que a grande preocupação da época era a educação masculina.154 A falta de mulheres na colônia, principalmente brancas, era crônica e, nas Minas, de povoamento recente e voltado principalmente à exploração do ouro, a situação era mais grave. O número de homens muito superior ao de mulheres e, entre estas, a predominância das negras e mulatas dificultavam as relações estáveis legalizadas sob os laços sagrados do matrimônio católico. Estes motivos levaram à proibição da instalação de conventos em Minas e, por isto, Macaúbas funcionou, informalmente, ao longo de quase todo o século XVIII.  Apesar da existência de um outro recolhimento em Minas Novas, muito mais próximo do Tejuco, para que as filhas pudessem receber educação esmerada, Chica preferiu deslocá-las até perto de Jaboticatubas, na Comarca de Sabará, onde Macaúbas fora construído, na proximidade do Rio das Velhas,. O recolhimento de Minas Novas, que funcionava na propriedade rural de uma das recolhidas, era conhecido por sua pobreza.  Educação esmerada para as mulheres significava, principalmente, a preparação para uma vida virtuosa. Os muros do convento deveriam funcionar como uma barreira intransponível para a vida mundana que grassava no seu exterior. Puras, intocadas e bem preparadas, as mulheres ali reclusas estariam aptas a escolher qualquer uma das duas possibilidades que a sociedade da época possibilitava às mulheres: a vida religiosa ou o casamento honrado. Macaúbas, edificado em recanto aprazível, mas distante e retirado, era local ideal para que Chica preparasse as filhas para ocupar seus lugares destinados na elite do arraial.
 Como veremos a seguir, Chica buscou, prioritariamente, no Recolhimento que suas filhas tivessem uma educação formal, virtuosa e de qualidade, por isto somente Francisca de Paula, Elena Rita, Ana e Antônia professaram os votos e tornaram-se freiras. Mesmo assim, as quatro primeiras abandonaram mais tarde o hábito para se casarem. A educação que recebiam, quando penetravam no convento, baseava-se nos valores cristãos e era uma ruptura em relação ao mundo externo. Reclusas, vivendo em uma simples cela individual, as internas
                                                                                                                                                                               153ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas; mulheres da colônia.... p. 22-26. 154ROMEIRO, Adriana. O desregramento da regra.  imaginário e cotidiano no Recolhimento de Macaúbas. Belo Horizonte, 1998.
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deviam prontamente abandonar os valores a que estavam habituadas em casa e, para isto, cerimônias, ritos e a adoção de novos padrões de comportamento demarcavam o início de uma nova vida. O tempo do Recolhimento era devotado à Deus e o ambiente, suspenso entre a terra e o céu, propiciava a formação da alma caridosa e pura da  honrada cristã.
 Assim que entravam no convento, num ritual de passagem, abandonavam seus nomes, suas roupas e seus antigos modos. Escolhiam então um novo nome, passavam a ostentar vestes brancas e se comportavam com humildade, gestos contidos e voz baixa, “falando só o que for preciso e necessário, e sempre com modéstia.”155 Seu dia a dia, era moldado pelos exercícios espirituais, que preenchiam o cotidiano e aperfeiçoavam e elevavam o espírito, pois “a prática da oração mental, dissolve com acerto as dúvidas das Recolhidas e  as moverá eficazmente a caminharem com fervor no caminho da perfeição.”156
 O quarto capítulo dos estatutos pregava a virtude da pobreza, assim como fizeram Cristo e os apóstolos, exortando-as:
“a que desapeguem o seu coração das cousas temporais empregando-se unicamente nas eternas, deixando os bens do mundo, ou muitos, ou poucos, deixando também o afeto e o desejo de ter e adquirir e se empreguem com mais fervor em amar a Deus, que é o fim porque deixaram o mundo.”157


 Exigia-se das recolhidas obediência, pois aí residia a virtude e a santidade, valores a serem quotidianamente buscados.
 A disciplina reinante no convento deveria ser rígida e tinha objetivo moldar a alma e o corpo segundo os princípios cristãos. Porém, enorme distância separava o ideal da prática, os estatutos da realidade. Nas primeiras décadas do século XVIII, por exemplo, os confessores das internas, os capelães Manoel Pinheiro de Oliveira e Antônio Alvares Pugas acabaram nos cárceres da Inquisição acusados do crime de solicitação. Isto é, tentaram seduzir as recolhidas,
                                                         
 155RIO DE JANEIRO. Arquivo Nacional. Regimento do Recolhimento de Macaúbas. Caixa 130, pac. 2. doc. 57. 156 Ibid.. 157Ibid.
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utilizando-se da intimidade criada no momento da confissão.158 O processo revelou um convento completamente fora dos padrões esperados de moralidade, onde as recolhidas segredavam, entre si, as propostas indecentes recebidas no confessionário, onde os capelães requisitavam “abraços e boquinhas, peitos para acariciar e ligas para guardar de lembrança, chamando as recolhidas para encontros fortuitos em seu quarto.”159
 Em 1734, uma Devassa realizada no Recolhimento revelou a desordem que reinava no convento. A madre regente, que deveria ser a primeira a guardar e preservar as rígidas normas internas, foi acusada de não atender as enfermas, nem realizar vistorias noturnas nas celas, onde internas chegavam a partilhar da mesma cama, sugerindo um ambiente devasso e não casto como fora idealizado.160 A rotina do convento deveria ser prescrita de modo a evitar o tempo ocioso, "senhor dos vícios e da perversão". Além dos exercícios espirituais, da oração, da penitência, da prática do coro e da confissão, as internas deveriam se dedicar às tarefas manuais, que preencheriam o tempo restante. Porém, o mundo exterior, ao contrário do que deveria acontecer, penetrava nos muros da clausura e se reproduzia internamente. A prática de trazer escravos para dentro da clausura, pois senhoras num mundo escravista, sentiam aversão a qualquer forma de trabalho manual, visto sempre como degradante, pervertia a ordem reinante e tornava mundano um ambiente construído para a edificação dos espíritos e elevação das almas.
 Chica aproveitou-se desta informalidade do convento para ali entrar e sair a seu bel prazer, visitando as filhas quando bem queria e levando-lhes alimentos especiais, como frango para as enfermas e outros quitutes.161 Do lado de fora, João Fernandes chegou a mandar edificar uma pequena casa, onde ela podia se estabelecer em suas estadas prolongadas.
 Em 1767, Chica recolheu em Macaúbas as filhas mais velhas, Francisca de Paula, Rita Quitéria e Ana Quitéria, pelas quais pagou o dote de novecentos mil réis em barra por cada
                                                         
 158LIMA, Lana Lage da Gama. A confissão pelo avesso. São Paulo: USP, 1990. 159ROMEIRO, Adriana, op. cit., nota 155, p.9. 160ROMEIRO, Adriana, op. cit., nota 155, p.10. 161BELO HORIZONTE. Arquivo Particular Assis Horta. Documentação do Convento de Macaúbas.
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uma, no ano seguinte.162 As meninas levaram, para dentro da clausura, três escravas pardas e mais um casal que ficou de fora para lhe assistirem, e puderam contar com mais sessenta mil réis por ano para sua sustentação, que João Fernandes pagou adiantado no primeiro ano.163
Em 1776, Rita Quitéria voltou para casa vítima de “moléstia grave” para se tratar pelo prazo de seis meses,164 “com umas feridas pela garganta e nariz, que lhe sobrevieram a sete meses, do que não se pode comodamente curar.”165 Era então recolhida, mas não manteve esse estado pois, mais tarde, casou-se no Tejuco.166 Em 1780, já estavam ali também mais outras quatro filhas: Elena Luzia, Maria e Quitéria.167
 O ano de 1780 foi decisivo no destino das filhas nas Macaúbas. Como João Fernandes morrera em fins de 1779, Chica teve que tomar as providências necessárias ao destino das filhas. Quase todas voltaram então ao seu convívio, apesar de não haver evidências de grandes dificuldades econômicas já que todas receberam dotes de seu pai na forma de fazendas. Chica, provavelmente, achou por bem prepará-las para o casamento que manter os gastos com aquelas que efetivamente não tinham pendor para a vida monástica. Leila Mezan Algranti inferiu que as reformas do Frei Domingos da Encarnação Pontevel que proibiram a livre entrada na casa, visando a sua moralização, pode ter sido um dos motivos que levaram Chica a retirar as filhas.168 Isso pode ter tido algum peso, mas com certeza, foi decisiva a ausência do amparo financeiro paterno e a necessidade de encaminhar as filhas na vida, pois a permanência no Recolhimento estava condicionada ao pagamento dos dotes. Na petição enviada à Madre Regente, Chica afirmou que as filhas mais novas Luiza, Maria e Quitéria “entraram tão somente para aprenderem os primeiros rudimentos e os da virtude que se
                                                         
 162MACAÚBAS. Arquivo do Convento. Termo de paga dos dotes das três sobreditas... 163Id. Livro de registros de entradas no Recolhimento. p. 85-6. 164Ibid., 50. 165Ibid. 166DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres. Inventário de Rita Quitéria de São José Fernandes de Oliveira Lucena. 1º ofício, maço 63. 167MACAÚBAS. Arquivo do Convento. s. n. 168ALGRANTI, Leila Mezan, op. cit., nota 154, p.24.
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pratica louvavelmente no dito Recolhimento e como nunca se resolveu a que estas persistissem perpetuamente lhes não aprontou dote.”169
 Com efeito, respondendo aos pedidos de Chica, em 1781, Francisca de Paula, doente nessa época, foi autorizada a passar um ano em sua casa tratando-se, “dentro do qual se obriga a voltar para esse Recolhimento  e se obrigava a andar de hábito, como irmã recolhida, e em tudo observar as determinações.”170 Na mesma data, foram-lhe entregues as três filhas mais novas Luiza, Maria e Quitéria que ali estudavam.171 Também Elena, Rita e Ana, já irmãs recolhidas, desistiram do hábito e voltaram ao convívio com sua mãe.172 Francisca de Paula também acabou por abandonar a instituição, casando-se  em 1796 no Tejuco.173
 Na mesma data, Antônia foi recolhida, “de sua livre vontade”174, evidência de que Chica ainda prezava a instituição. Em 1806, Antônia ainda estava em Macaúbas e tinha a seu serviço no Recolhimento a escrava Edwirges, crioula, emprestada de sua irmã Maria.175
 O Desembargador João Fernandes foi um benfeitor do Recolhimento, contribuindo para sua instalação e permitindo um melhor tratamento para suas filhas; por isto, quando as primeiras filhas e duas de suas netas foram internadas não foi cobrado dote. Ao contrário, foi sua filha Quitéria quem deu, quando da entrada de suas duas filhas, recibo de quitação de uma dívida que o Recolhimento tinha com seu pai pelas “celas feitas pelo dito Desembargador, ficando obrigado a assistir as mesmas duas recolhidas.”176
 As vidas das filhas de Chica estiveram permanentemente ligadas ao convento, várias delas voltando para dentro de seus muros, buscando refúgio em momentos de aflição e na velhice. Ali, a partir de 1789, esteve internada Quitéria com seus quatro filhos, concubina do
                                                         
 169MACAÚBAS. Arquivo do Recolhimento.1780. s. n. 170Ibid. 171Ibid. 172Ibid. 173DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 125, Caixa 335, f. 203. 174Ibid. 175SERRO. Arquivo do Fórum, op. cit., nota 140. 176MACAÚBAS. Arquivo do Convento, op. cit., nota 164.
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Padre Rolim, esperando seu retorno de Portugal, onde se encontrava preso, acusado de participar da Inconfidência Mineira. Em 1832, suas duas filhas mulheres encontravam-se ainda recolhidas em Macaúbas – Mariana Vicencia e Maria dos Prazeres.177 Ana Quitéria e Mariana de Jesus também voltaram para o Recolhimento, mesmo estando casadas, e Francisca de Paula retornou depois de ter se tornado viúva.178

A VIDA NO ARRAIAL

 Ao longo de sua vida, Chica procurou sua inserção social e a de seus filhos no seio da elite do arraial. Isto ocorreu a partir de vários expedientes e não devem ser creditados apenas à importância e à fortuna do contratador, já que ele teve que retornar a Portugal, em 1770. A partir daí, Chica teve que contar consigo mesmo e buscar mecanismos próprios de manutenção do seu status, a exemplo do que faziam as outras mulheres forras do Tejuco.
 Um dos mecanismos de afirmação social utilizado foi a filiação a diversas Irmandades, inclusive ocupando cargos de direção. Percebe-se que, a exemplo das vinte três mulheres forras estudadas anteriormente, Chica e seus filhos transitaram por todas as Irmandades do Tejuco, não encontrando resistência por parte da sociedade, muito antes pelo contrário. Muitas vezes, suas presenças, inclusive em várias mesas diretoras, foram mecanismos de dignificação e proteção das Irmandades, distinguindo-se aí a do Rosário.
 Chica e sua família pertenceram às principais Irmandades do Tejuco, local privilegiado de reconhecimento social. Foi possível constatar sua presença em quase todas elas, seja de brancos, mulatos ou negros. Foi livre seu trânsito, ou de seus descendentes, nas diversas Irmandades de brancos, especialmente Santíssimo, São Miguel e Almas, Nossa Senhora do Carmo do Tejuco e da Vila do Príncipe, São Francisco e Terra Santa, com a maioria das entradas ocorrendo posteriores ao retorno de João Fernandes ao Reino e a sua morte. Revelavam que Chica, efetivamente, conseguira a ascensão social que tanto almejara para si e para os seus. Também, como era comum entre os brancos, participavam das Irmandades de
                                                         
 177Ibid.  178DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, Caixa 478, f. 233.
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mulatos e negros. Neste caso, mais do que um elo de identificação com os irmãos, o que era buscada era a concessão e a ostentação do prestígio, pois conferiam proteção à Irmandade.
 Dona Francisca da Silva de Oliveira, como era sempre tratada, como sinal de sua distinção, era irmã nas Irmandades da Terra Santa,179 onde entrou em 08.10.1766, contribuindo até um ano antes de sua morte; das Mercês,180 onde foi Juíza,181 de Nossa Senhora Rosário; de São Francisco de Assis182 e Nossa Senhora do Carmo da Vila do Príncipe, do Santíssimo Sacramento.183
 Uma das Irmandades de brancos mais importantes em todos os arraiais mineiros era a do Santíssimo Sacramento, que tinha altar específico na Igreja Matriz de Santo Antônio do Tejuco. Em 1791, entraram para esta Irmandade Francisca de Paula, Rita, Antônio, Mariana, Maria e Antônia.184 Estas participações contrariavam diretamente os estatutos aprovados por Dona Maria, demonstrando que a sociedade não se regulava, ou comportava, dentro dos estritos limites das regras escritas. Para ingresso, exigia-se dos candidatos que “sejam pessoas honradas e de aprovados costumes”, mas sob estes dizeres genéricos excluíam-se não só os de mau procedimento, mas, principalmente, os de origem suspeita, como eram os mulatos e bastardos. Por isto, era vedado aos Irmãos que acompanhassem o enterro daqueles que, “havendo contraído infâmia pelo seu procedimento, tendo pardas, e seus filhos.”185
 Eram irmãs de Nossa Senhora do Carmo do Tejuco suas filhas Quitéria, Antônia, Mariana, Ana, Rita, Maria, Luiza e Elena.186 O Desembargador João Fernandes fora seu primeiro Prior, ficando no cargo até 1767.187 Em 1798, a Irmandade ainda mandava rezar missas póstumas em sua homenagem.188 Antônio Fernandes de Oliveira foi secretário da Mesa
                                                         
 179DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 27Livros dos Irmãos da Terra Santa no Tejuco. Caixa 509, f. 119. 180Id. Irmandade de Nossa Senhora das Mercês. Caixa.520, f. 20 181Id. Entrada de Juizes e Juízas Irmandade Nossa Senhora das Mercês. Caixa 510, p. 20. 182Id., op. cit., nota 26, f. 55. 183Id. Livro da Fabriqueira da Capela de Santo Antônio. Caixa.509, f. 3. 184Id. Livro de entrada da Irmandade de São Miguel e Almas. Caixa 519. 185COMPROMISSO da irmandade do SS. Sacramento da Capela de Santo Antônio do Tejuco... 186DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos. Ordem Terceira do Carmo. 1763-1808. Caixa 541.  DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, Caixa 478, f. 233. 187HORTA, Assis. Carmo ano 200...Estrela Polar, Diamantina, 1959. 188BELO HORIZONTE. Arquivo do IPHAN. Pasta de Tombamento da Igreja do Carmo. Documentos Avulsos.
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nos anos de 1777-81, assinando as atas respectivas, este, também, foi Irmão de São Francisco189. Pertenceram à Irmandade da Terra Santa, os filhos Antônio, Luiza e Ana, esta última, quando interna em Macaúbas.190, tomou assento na Confraria.
 Simão Pires Sardinha, seu filho com seu antigo proprietário, apesar de mulato entrou para a Irmandade de São Miguel e Almas em 1762,191 era irmão do Santíssimo192 e das Mercês,193 desta última Maria e Francisca de Paula também faziam parte.194 João Fernandes Grijó, filho de Chica, pertencia à São Miguel e Almas e foi irmão da Mesa da Irmandade do Rosário entre 1781/88, também Juiz de São Benedito na mesma Irmandade, quando em visita ao arraial.195 Francisca de Paula era irmã do Santíssimo, Almas, Mercês e São Francisco.196
 Especial proteção despenderam à Irmandade do Rosário. Em 1773, Chica deu de esmola um par de brincos de ouro.197 Francisca de Paula filiou-se a ela em 1788, em 1793, foi irmã da mesa.198 Foram também irmãos da mesa, Grijó e José, durante sua estada no Tejuco em 1783-84.199 Este comportamento observou-se rotineiro entre as forras, que encontravam mesmo na Irmandade de negros forma de diferenciarem-se. Maria Martins Castanheira foi por duas vezes juíza desta Irmandade.200
 No livro da Fabriqueira da Igreja Matriz de Santo Antônio do Tejuco, apareceram várias contribuições dadas por Chica para enterro de escravos seus e de suas filhas, privilégio que tinha por ser irmã do Santíssimo. Em 1787, demonstrando a caridade com os mais pobres, pagou pelo enterro de um indigente, indício de que aprendera esta lição com João Fernandes, pois tratava-se não apenas de ato social, mas, antes de mais nada, era mecanismo
                                                         
 189DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos. Documentos Avulsos da Ordem Terceira de São Francisco. 1781-1782. Caixa 503.  190Id. Livros dos Irmãos da Terra Santa no Tejuco. Caixa 509, f. 2,8 e 23. 191Id. Livro de entradas. Caixa. 519, f. 48v. 192Id. AEAD. Irmandades do Arraial do Tejuco. Fábrica da Capela de Santo Antônio. Caixa 509, f. 5v. 193Id. Irmandade de Nossa Senhora das Mercês. Caixa520, f. 5.   194Id. Livro de entrada de irmãos da Irmandade de Nossa Senhora das Mercês. Caixas 520. Tb. 510. 195Ibid. Caixa.519, f. 87v. Caixa.514, f. 76v, 82, 83v e 92. 196Ibid., Caixa. 509; Caixa.519; Caixa.520, Caixa350. 197Id. Livro de Inventário da Irmandade do Rosário. 1733-1892. Caixa 514. 198Id. Entrada de Irmãos professos na Irmandade do Rosário 1782-1808. Caixa 514, f. 26v e 44v. 199Id. Livro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. 1750-1794. 200 DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 26, Caixa 521, f. 387-388.
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de exteriorização de sua importância.201 Pelo mesmo motivo, apadrinhava constantemente, batismos e casamentos de escravos e forros. Em 1760, foi madrinha de Antônio, filho legítimo de uma escrava, na companhia de Heitor de Sá, homem branco.202 Desde pequenos, os filhos eram estimulados a externarem o mesmo tipo de caridade com os pobres, mostrando-se bons cristãos e súditos do império. Francisca de Paula foi madrinha de vários batizados junto com o pai, Simão e o pequeno João tiveram o mesmo comportamento idêntico.
 No livro da Irmandade do Santíssimo, existem registros de dezenas de pagamentos feitos por Chica pelo enterro de escravos seus no cemitério. Na sociedade escravista da América Portuguesa, constava, entre as obrigações de um bom cristão, garantir o acesso aos sacramentos religiosos. A Igreja procurava punir os senhores que não deixassem seus escravos irem à missa, ou negassem a extrema-unção, impedindo que estas almas fossem salvas. Proprietária de enorme plantel, Chica garantiu que eles tivessem acesso a todos os sacramentos cristãos. São inúmeros os registros de batismos, óbitos e enterros de seus escravos, nos livros depositados no Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Diamantina. Como exemplo, casaram-se, na Matriz do arraial, Joaquim, pardo, e Gertrudez crioula.203 Em 1882, casaram-se seus escravos Antônio pardo e Faustina cabra, na presença de Domingos Fernandes de Oliveira, foi coadjutor e testemunha Cipriano Pires Sardinha.204 Chica foi proprietária convencional, converter os escravos à fé católica era um dos mecanismos de aculturação e acomodamento ao cativeiro e à cultura dominante. Não era grande libertadora de escravos, não se encontrando nenhum registro de alforria concedido por ela, nem mesmo para filhos de suas escravos. Como os documentos são lacunares, esta afirmação não pode ser tomada de forma absoluta, confirma, porém, o comportamento tradicional das negras forras, de manter a todo custo o patrimônio acumulado.
                                                         
 201Id. Livro da Fabriqueira da Capela de Santo Antônio. Caixa 509, f. 17v. 202Id., op. cit., nota 27, Caixa 297. 203Id., op. cit., nota 125, Caixa 335, f. 33v. 204Ibid.
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 Revelando cuidado com as filhas, Chica pagou para a Irmandade do Santíssimo pelo enterro de um escravo de sua filha Francisca de Paula e um de Elena.205 Parecia ser mãe cuidadosa, procurando encaminhar as filhas para um futuro seguro, que se casaram com homens livres e brancos do arraial. A proximidade dos nascimentos dos filhos, apenas onze meses de intervalo, demonstra que Chica não amamentou as crianças, utilizando-se de escravas de leite, como era o costume. A reclusão das filhas em Macaúbas também era indício de sua preocupação em criá-las da melhor forma possível e não indiferença ou desapego, como se poderia pensar, à luz dos costumes de hoje.
 A casa de Chica ficava na Rua do Bonfim, próxima de pessoas importantes do arraial. Era uma construção sólida, ampla e arejada, constituída de dois pavimentos, com seu quintal. Anexa ficava uma capela própria, privilégio de pouquíssimos no arraial, onde mais tarde se casaram duas de suas filhas. A fachada lateral era coberta por delicada treliça, que escondia a varanda, que protegia o interior, revelando preocupação com a intimidade familiar, e garantia a ventilação.
         Na convivência com João Fernandes, Chica teve acesso a uma cultura sofisticada e letrada. Durante a estada de suas filhas em Macaúbas, assinou vários documentos, sinal de que se alfabetizara neste período. Efetivamente, não era mais a parda, escrava e analfabeta que assinara o termo de culpa por concubinato na Devassa de 1753.
 Outros foram os exemplos de que Chica não só se educou, como promoveu a cultura local. No arredores do Tejuco, João Fernandes possuía uma chácara que deixou para Chica, quando de sua partida para Lisboa. Nos documentos do século XVIII, a chácara foi palco de vários casamentos importantes do arraial. Joaquim Felício dos Santos afirmou tratar-se de local refinado, onde teria sido construído um lago artificial e colocado um navio, lembrando o oceano. O jardim possuía plantas exóticas, árvores transplantadas da Europa, com cascatas e fontes artificiais, que corriam entre cristais e conchas. Possuía uma capela e sala espaçosa que
                                                         
 205DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 202, Caixa 509, f. 17v.

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servia de palco para balés e peças de teatro. Ali teriam sido representadas peças de época como, Os Encantos de Medéia, O Anfitrião, Porfiar amando, Xiquinha por amor de Deus.206
 O gosto pela construção de jardins fechados começou no período renascentista. Com alamedas, bancos, flores e árvores exóticas, era lugar favorável para os encontros, fossem amorosos, sociais ou religiosos.207 Os jardins da chácara parecem ter abrigado todos estes tipos de sociabilidades, sugerindo ter sido espaço de congraçamento e não de reclusão. Ali se realizavam os casamentos, as festas das pessoas mais importantes do Tejuco, ritos de reconhecimento social. O jardim, com seus perfumes e odores, informava a cada um dos convivas a importância dos anfitrões, que deveria ser celebrada em cada ato do seu cotidiano daquela sociedade. Só assim, Chica podia deixar o mundo no qual nascera e desfrutar do mundo dos homens brancos, porém sempre repetindo seus gestos e seus ritos.

A SEPARAÇÃO E O FIM DO CONTRATO


 Em 1770, a morte do velho Sargento-Mor João Fernandes de Oliveira, no Reino, interferiu de forma irreversível na vida do casal. Este casara-se em segundas núpcias com uma rica viúva em 1748, casamento arranjado pelo amigo, o Governador Gomes Freire de Andrade. Casamento de interesses, os nubentes estabeleceram um pacto pré-nupcial. A noiva Isabel Pires Monteiro incorporava seu rico patrimônio ao do marido; em troca, quando da morte desse, caso não houvesse filhos do matrimônio, ela retiraria da herança somente o montante correspondente à avaliação de seus bens então realizado. Porém, poucos dias antes de morrer, a madrasta conseguiu que o Sargento-Mor alterasse seu testamento, concedendolhe direito à metade de seus bens.208
 O Desembargador João Fernandes retornou, imediatamente, ao Reino para lutar pela anulação do testamento, que feria mortalmente seus interesses econômicos. A arrematação
                                                         
 206SANTOS, Joaquim Felício dos, op. cit., nota 19, p.124. 207RANUM, Orest. Os refúgios da intimidade. IN: ARIÈS, Philippe e DUBY, Georges. História da vida privada. v.3. p. 215-219. 208LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 31, Maço 1342, doc. 7.
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dos contratos, em parceria com o pai, tornaram seus interesses econômicos indissociavelmente atados.  Nos últimos anos, o filho contribuíra enormemente para o enriquecimento do pai e via na sua herança forma de ser recompensado pela boa administração dos diversos contratos diamantíferos que administrara (4º, 5º, e 6º - entre 1754 e 1770).209
 Foi esse o verdadeiro motivo da partida precipitada para Lisboa. A decretação do monopólio régio dos diamantes e a criação da Real Extração não eram retaliações ao contratador. Da mesma forma, a tão falada viagem do Conde de Valadares ao Tejuco para devassar secretamente os desmandos de João Fernandes e os embustes do Governador para prejudicá-lo nunca existiram, pois não há uma única referência em toda a documentação dos Governadores no Arquivo Público Mineiro, nem qualquer referência que este tivesse participação ou influência na decisão da Coroa de assumir a extração dos diamantes. Efetivamente, em julho de 1771, Pombal justificou sua decisão de dar por encerrado o contrato no final daquele ano,

“por quanto pelo falecimento de João Fernandes de Oliveira, contratador que foi da Real Extração dos diamantes das minas do Brasil findou o arrendamento por ele celebrado. Devendo, por isto, parar o giro do mesmo contrato para a liquidação das contas entre ele e os seus sócios, e contar-se para este efeito o tempo do mesmo contrato na conformidade de os outros da Minha Real Fazenda. Sou servido declarar findo o atual arrendamento do sobredito contratador falecido e a sociedade dele por acabada no último de dezembro próximo futuro,  o atual administrador geral Caetano José de Sousa será conservado no Arraial do Tejuco enquanto se julgar que cumpre bem suas obrigações de que se acha encarregado.”210


 Nada indicava qualquer suspeição de contrabando ou irregularidades. As datas confirmam que a decisão de monopolizar os diamantes ocorrera porque Pombal não podia mais contar com o João Fernandes no Brasil, retido em Portugal devido aos litígios de herança. O Desembargador voltou para Portugal no segundo semestre de 1770 e o monopólio régio só foi decretado em agosto de 1771, apenas um ano depois, quando era
                                                         
 209LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 31, Maço 1342, doc. 7.
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certo que a permanência de João Fernandes em Lisboa iria se alongar. A Real Extração só começaria a vigorar em janeiro de 1772, dando tempo ao administrador encarregado por João Fernandes de organizar suas contas e fechar o ano. Especialmente, permitia que as lavras fossem exploradas ainda por ele durante o período das secas do ano de 1771, que ocorria na época do inverno ( maio – setembro), época de maior facilidade de extração, pois as águas dos rios baixavam, permitindo melhor acesso ao leito.
 Na petição enviada ao Reino João Fernandes pedindo que as providências em relação ao testamento do pai fossem suspensas, afirmou que já arrematara, em 11 de setembro de 1770, a continuidade de seu contrato dos diamantes.211 Assim que chegou ao Reino, João Fernandes pediu que o Rei impedisse uma demanda judicial em torno da herança do velho contratador, pois tais delongas trariam “irreparável prejuízo ao suplicante, e aos comerciantes interessados nos grandes contratos da sua casa.”212 Temia que uma longa permanência no Reino o impedisse de continuar à frente do contrato dos diamantes. Nas suas palavras, ele era, legitimamente, o “único herdeiro do dito seu pai, e tão capaz de continuar e finalizar os negócios de sua casa, que sendo o principal deles, o contrato da Extração dos Diamantes.”213
 Era constante, na política pombalina, entregar negócios estratégicos do Reino a figuras da confiança e do círculo de amizade do Ministro dos Negócios, que promovera junto consigo uma elite mercantil que se enobreceu.214 A ausência de um desses elementos na condução do vital contrato dos diamantes só podia ser sanada com a já manifesta tendência da política pombalina de retomada do controle da Coroa sobre as riquezas do Reino, com a decretação de monopólios régios. Neste caso, a solução se apresentou não como a culminância de um projeto pombalino de longo prazo, mas como a reação inevitável a uma situação específica e de difícil solução. Na ausência de um homem de confiança, era preferível entregar os negócios do Reino aos administradores públicos, que estavam sendo preparados para este fim.
                                                                                                                                                                               210Id. Núcleos extraídos do Conselho da Fazenda. Junta de Direção Geral dos Diamantes. Livro.3, p. 1 211LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 31, Maço 1342, doc.7, f. 46v. 212Ibid., f. 47. 213Ibid., f. 46v-47. 214MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal, paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
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 Mas, nem a proteção de Pombal ou do próprio Rei foram suficientes para impedir que o processo chegasse aos tribunais. A defesa da madrasta era consistente, pois os médicos que acompanharam o moribundo Sargento-Mor e os capelães que ministraram os últimos sacramentos atestaram sua sanidade mental e capacidade para alterar seu testamento de livre vontade.215 João Fernandes não teve outra opção a não ser permanecer em Portugal, tentando mover influências para não perder a ação. Apesar das evidências da sanidade do SargentoMor, em janeiro de 1773, a sentença do Tribunal da Relação foi favorável a João Fernandes, determinando “não dever ela ser meeira nos bens do dito casal de seu marido, nem nos adquiridos, devendo só ser inteirada do seu dote.”216 A amizade de Pombal, que se estendeu ao Desembargador João Fernandes assim que ele voltou à Corte, foi, segundo a madrasta, determinante para sua vitória no processo, que era devida à “opulência de seu enteado e à proteção dos Ministros de Estado.”217
 Três meses depois, a madrasta protestou da sentença e, novamente, João Fernandes se viu preso ao Reino, enredado nas teias do processo.218 Irado, conseguiu um despacho para trancafiar a madrasta num convento, onde permaneceu até 1778.
 Com a ascensão de Dona Maria I, a política do Reino se inverteu e os protegidos de Pombal se viram ameaçados. A viúva aproveitou-se para enviar uma petição à Rainha, contando sua desdita. Afirmou que vivia da caridade das freiras, não tendo o Desembargador pago as mesadas anuais que lhe eram devidas. Defendeu-se João Fernandes, alegando que ela saíra de casa levando jóias e cabedais, isentando-o portanto dos pagamentos.219
 Quando o Desembargador João Fernandes retornou à Portugal, dividiu com Chica as responsabilidades em relação à sua descendência. Demorou-se ainda no Brasil, durante o segundo semestre do ano de 1770, após a morte de seu pai, colocando ordem nos negócios da casa e da família.220 Na ocasião, Chica redigiu seu testamento dispondo seus bens entre os
                                                         
 215 LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 31, Maço 1342, doc. 7. F. 54v-61. 216Ibid., f. 61-65v. 217Ibid., f. 101. 218Ibid., f. 66v-68. 219Ibid., doc. 7. 220Ibid., f. 45v.
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filhos, esses certamente dados por João Fernandes e, com isso, garantindo sua sobrevivência na ausência do pai ou da mãe.221 É preciso salientar que não se tratava mais de uma escrava analfabeta, Chica era capaz de assinar seu nome, o que significava provavelmente saber ler e escrever. Assumiu o compromisso de garantir a educação e os cuidados com as filhas e João Fernandes embarcou para o Reino com os quatro filhos homens e ainda Simão Pires Sardinha, responsabilizando-se pelo futuro dos meninos.
 As filhas permaneceram em Macaúbas sendo educadas. Com a morte do pai, em dezembro de 1779, Chica tomou as providências para levá-las para casa, com o consentimento do tutor nomeado por João Fernandes, o Sargento-Mor Manoel Baptista Landim. A partir daí, a preocupação de Chica foi garantir bons casamentos para as meninas. Rita Quitéria casou-se com o Alferes Bento Dias Chaves e tinha negócio de fazenda seca no arraial do Tejuco, além de uma casa na cidade, uma fazenda deixada pelo pai e trinta e quatro escravos.222 Porém, antes vivera, consensualmente, com o Alferes, tendo o primeiro filho sido registrado inicialmente como natural e legitimado depois do casamento. Em 1799, foi presa na cadeia do arraial de Conceição do Mato Dentro, por ordem da mesa da Vista Episcopal, pelo crime de concubinato, ali ficando mais de um ano.223
 Em 12 de agosto de 1796, Francisca de Paula casou-se, na Ermida de Santa Quitéria do Tejuco, com José Pereira da Silva e Souza, filho legítimo de Custódio José Pereira e Maria da Silva de Jesus, natural do Porto.224 Casava-se aos 41 anos de idade e desse matrimônio não deixou filhos.225 Em 25 de agosto do mesmo ano, casou-se Mariana com o Alferes José Barbosa da Fonseca, natural do Bispado do Porto, foi testemunha o Intendente João Inácio do Amaral Silveira, revelando que Chica era capaz de estabelecer relações com as importantes figuras locais, apesar da ausência de João Fernandes, ou mesmo por causa disso. Nessa época, ela era respeitável e rica senhora de vastos cabedais e não mais uma ex-escrava ou concubina
                                                         
 221O testamento de Chica, depositado na Arquivo do Fórum do Serro, encontra-se atualmente desaparecido. Xavier da Veiga viu o testamento e comentou-o em suas Efemérides Mineiras, p. . 222DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres. Maço 63. 1º ofício. 223SERRO. Arquivo da Casa dos Ottoni. Livro de assento dos presos da cadeia de Vila do Príncipe – 1796. f. 27v. 224DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos, op. cit., nota 125, f. 203. 225DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres. Maço 23. 1º ofício.
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aos olhos de seus contemporâneos. Em 1806, morreu no Tejuco um dos filhos de Mariana, recém-nascido, o registro de óbito deu como causa da morte o “malino.”226
 Ana Quitéria casou-se com José Barboza, cunhado de sua irmã Mariana, do casamento não tiveram filhos.227 Já Maria afirmou em seu testamento que “nunca fui casada e sempre vivi no estado de solteira e nele tive uma filha por nome de Maria que foi exposta em casa de minha irmã D. Ana Quitéria.”228. Em 1804, finalmente reformou a certidão de batismo, registrando-a como sua filha natural e do Tenente Agostinho José.229 Maria morreu em setembro de 1806 de complicações pós-parto, em sua casa, “com todos os sacramentos”, e foi enterrada junto de sua mãe na Igreja de São Francisco de Assis.230 Em 1806, Antônia ainda estudava em Macaúbas e Quitéria amancebou-se com o padre Rolim, com o qual teve quatro filhos.
 Luzia casou-se com Manoel Ferreira Pinto, não deixando descendência. Quando este morreu em 1817, já era viúvo.231 Em 1808, morreram Rita e José Agostinho, este último enterrado na capela do Amparo.232 Maria, falecida em 1806, foi enterrada na Igreja de São Francisco de Assis, seu corpo foi acompanhado das Irmandades das Almas, Amparo e Mercês de que era irmã.233
 Seu filho João tornou-se herdeiro do pai, a quem reservou 2/3 de sua fortuna, constituindo em Portugal o Morgado do Grijó.234 Casou-se com D. Anna Maria da Silva Fernandes de Oliveira, natural de Guimarães, com quem teve pelo menos dois filhos, João Germano e Lourenço João.235 Por meio do morgado, instituído em 1775, João Fernandes pretendeu continuar o processo de notabilização de sua família. Suas cláusulas retiravam da sucessão os filhos naturais de seus herdeiros, além de impedir seu livre casamento, devendo
                                                         
 226DIAMANTINA. op. cit., nota 26, Caixa 351, f. 213. 227DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, Caixa 478, f. 233. 228SERRO. Arquivo do Fórum, op. cit., nota 140. 229DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos. op. cit., nota 27, Tejuco. Caixa 298, f. 11. 230 Id., op. cit., nota 26, Caixa 351, f. 279. 231Ibid., f. 88. 232Ibid., f. 307 e 316v. 233Ibid., p.279. 234LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 103, f. 75-78v.    235Id. Leitura de Bacharéis. Letra L. Maço no. A. Doc.24
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“cuidar em que vá em aumento a sua descendência, buscando casamentos sempre melhores.”236 Porém, esse não era o caso da escolhida por João Fernandes Grijó, já que contando com a oposição de seu tutor, ele teve que recorrer à Dona Maria para honrar os compromissos com a jovem amada, pois era filha de lavradores.237
 Em 21 de dezembro de 1779, muito doente, João Fernandes morreu em sua casa no sítio de Buenos Aires, doença agravada certamente pelos dissabores da era Mariana. O registro de seu enterro foi sucinto, tendo sido enterrado no Convento de Nossa Senhora de Jesus.238 A moléstia deixara-o tão enfraquecido que não teve forças para assinar um último adendo a seu inventário, escrito três dias antes de seu falecimento.239 O Desembargador redigira um testamento e dois complementos. O primeiro foi registrado em Vila Rica, em novembro de 1770, quando de seu retorno para o Reino e aprovado na Corte em 1774. Ali, dispunha suas principais preocupações com o destino de seus bens e instituía o Morgado do Grijó.240 O primeiro aditamento, feito dois anos depois, tinha também um caráter nitidamente econômico, descrevendo, minuciosamente, vários bens.241 A última modificação, feita às pressas na hora da morte, revelou o cristão temeroso do destino de sua alma e adquiriu uma feição mais típica da época. Eram todas pias as suas disposições finais, que determinavam as seguintes esmolas:
“às suas irmãs religiosas; às seis criadas que em diversos místeres o serviram e acompanharam; ao recolhimento da Lapa; à Irmandade do Santíssimo Sacramento da mesma Freguesia; ao Frei Antônio das Angustias, religioso da Terceira Ordem da Penitência; a uma viúva e cinco filhos da mesma; órfãos e menores de quatorze anos; a duas donzelas para seus dotes.”242

 Insatisfeito com a perda deste patrimônio, João Fernandes Grijó recorreu à Casa de Suplicação para impugnar o testamento. Seu ato escandalizou Nuno Henriques Dorta, testamenteiro do falecido e encarregado de concretizar estas últimas disposições
                                                         
 236Id., nota 103,. fs. 75-78v 237Id. Chancelaria de Dona Maria, Livro 22, f. 294v. 238Id. Registros paroquiais. N.1, caixa 7,. Microfilme 1019. 239LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Registro Geral de Testamentos. Livro 312. 240Id., op. cit., nota 103, Caixa. 15, Livro 75, Notas. Actual 12, f. 75-78v. 241Ibid., 12. f. 48-48v. 242Id., op. cit., nota 238, f. 11.
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testamentárias, justamente aquelas que serviam à remissão dos pecados e benventurança dos pobres. Segundo o padre,

“a idade daquele mancebo ou  a sua inconsideração, o não deixavam contemplar nos deveres da gratidão, porque aproveitando-se da extraordinária complacência do pai, para tal disposição e da régia beneficência para se constituir morgado e senhor de tão grossa herança impugnava, atropelava e infamava as disposições do pai, que eram a favor de outros.”243

Cinco anos depois, após várias apelações, o testamento continuava inconcluso, pois Grijó apresentava uma série de recursos, que impediam que o testamenteiro finalizasse as contas e encerrasse o mesmo.244 José Agostinho ordenou-se padre. No morgado, o pai instituiu-lhe uma côngrua de quatrocentos mil réis anuais, devendo se estabelecer na capela do Mosteiro do Grijó, que adquirira da Coroa.245 A morte do Desembargador levou João Fernandes de Oliveira Grijó, de volta ao Tejuco, certamente levando a notícia à mãe e com a tarefa de organizar os assuntos da casa.246 Lá foi pego de surpresa pelo Alvará de Dona Maria I de 1780, que restituiu o Mosteiro do Grijó aos agostinianos.247 Era o resultado das novas investidas da madrasta em busca de sua parte na herança. Essa, aproveitando-se da Viradeira e da perseguição aos antigos aliados de Pombal, conseguiu sensibilizar a Rainha a seu favor e iniciar novas demandas judiciais pela partilha dos bens do finado Sargento Mor, a partir de 1778.248  Em 1781, Antônio Caetano e José Agostinho se apressaram a ir encontrar o irmão no Tejuco, provavelmente buscando refugiarem-se da política adversa na Corte. Em 1793, já de volta ao Reino, administrador do Morgado do pai, que reuniu consideráveis montantes emprestados a juros, Grijó ainda litigava pela herança do Sargento Mor, quando então o processo se encerrou pela morte da mulher do avô.249
                                                         
 243Ibid. 244Id. Casa da Suplicação. Juízos Diversos. Inventários Maço 375. Caixa 2093. 245LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 103, f. 75-78v. O mosteiro tinha sido seqüestrado por Pombal dos cônegos regrantes de Santo Agostinho. 246Id., op. cit., nota 31, Maço 1078, doc. 11. 247Id., op. cit., nota 238, f. 335. 248Id., op. cit., nota 31, Maço 1342, doc. 7. 249Ibid., Maço 707, doc. 10. e Maço 706, doc. 32.
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 Simão Pires Sardinha teve todo o apoio do padrasto para iniciar seu processo de dignificação. Concluiu seus estudos em Roma, adquiriu um hábito de Cristo e diversas tenças anuais como almoxarife do Reino.250 Em 1784, voltou para Minas na comitiva de Luís da Cunha Meneses. Esse confiou-lhe o estudo do primeiro achado fóssil na Capitania, na região de Prados. Em 1788, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, quando da partida do Governador, e ali passou a freqüentar a Sociedade Literária. Envolveu-se na Inconfidência Mineira, mas sua participação não foi de todo esclarecida. Sabe-se que foi procurado por Tiradentes para traduzir a Coleção das Leis Constituitivas das Colônias Inglesas Confederadas sob de Estados Unidos da América Setentrional. Também foi ele que mandou avisar Tiradentes, no Rio de Janeiro, de que seria preso. Sob o abrigo do Vice-Rei Luís de Vasconcelos, retirou-se para o Reino em agosto de 1789 e ali foi inquirido somente em 13-08-1790, na qualidade de testemunha. É falso que utilizou a proteção direta de João Fernandes para escapar, pois este já estava morto. Utilizou o argumento de que achava que Tiradentes era louco, por isto ouvira-o mas não lhe dera atenção, e que se retirara para Lisboa devido a assuntos familiares. Sábio e ilustrado, retornou ao Reino em 1789, buscando minimizar seu envolvimento na Inconfidência Mineira,251 de lá ainda conseguiu uma patente de Tenente Coronel da Cavalaria Auxiliar de Minas Gerais. Em 1803, coberto de nobreza aos 50 anos,  ainda se encontrava no Reino.252
 Tudo indica que o relacionamento entre Chica e João Fernandes só não foi totalmente convencional porque a sociedade hierárquica da época impedia a legalização de um matrimônio entre pessoas de origens e condições tão desiguais. Mesmo tendo sido omitida do Morgado, Chica esteve sempre presente nos pensamentos de João Fernandes e certamente, fortes sentimentos de afeto os unia, expressos na fidelidade que devotaram um ao outro até a morte, apesar das distâncias que os mantiveram afastados nos últimos nove anos da vida de João  Fernandes, enquanto ele resolvia as pendências relativas à herança de seu pai. Manifestou-se, também, no zelo e cuidado que tiveram com os filhos a quem procuraram encaminhar da melhor forma possível. Disposto a introduzir seus varões na Corte, o
                                                         
 250LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 238, Livro 6, f. 314 e Livro 23, f. 23v- 24v, 25. 251AUTOS da Devassa da Inconfidência Mineira... 1978. v.1, p.190; v. 3, p. 23 e 441.
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Desembargador sabia bem que era necessário esconder suas origens, consideradas ilegítimas e indignas por seus contemporâneos. Para isso, era preciso apagar da memória sua relação com a ex-escrava e ocultá-la, como bem demonstrou no processo de habilitação à Ordem de Cristo de Simão Pires Sardinha.  Omitir a existência de Chica em seus legados não era sinal de esquecimento ou ingratidão, mas revelava o cuidado em dignificar os filhos frente à sociedade hierárquica do Reino e com isso, mesmo à distância, cuidava de Chica, que deixara no Tejuco de posse de vastos bens, e de seus filhos, garantindo-lhes o futuro.
 Chica morreu no Tejuco, em fevereiro de 1796, e, demonstrando o reconhecimento social que alcançara, foi enterrada no corpo da Igreja de São Francisco de Assis, cuja Irmandade era reservada e congregava a elite branca local.253 Teve ofício de corpo presente, com a presença de todos os sacerdotes do arraial, seu corpo foi também acompanhado à sepultura por todas as Irmandades de que era irmã.254 Neste ano, foram rezadas quarenta missas por sua alma na Igreja das Mercês, da qual era irmã, seguindo suas disposições testamentárias.255
  Este trabalho procurou reconstruir a figura de Chica e inseri-la em seu tempo. Assim como as outras mulheres forras de seu tempo, Chica buscou ascender socialmente e procurou diminuir o estigma que a condição de mulata e forra que marcavam. Tornou-se rica, proprietária de escravos e bens de raiz. Mais do que tudo, cuidou de sua descendência a quem garantiu um melhor lugar na sociedade branca e preconceituosa do século XIX. Era a forma que estas mulheres tinham de retomar o controle sobre sua vida, negado pela condição feminina e escrava. Acumularam bens; transitaram entre as diversas Irmandades, independente da cor exigida para a filiação; possuíram escravos; imitaram padrões de comportamento e, assim, misturaram-se na sociedade branca onde buscavam participação, reconhecimento e aceitação.

                                                                                                                                                                               252LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, op. cit., nota 238, Livro 23, f. 124v. 253Id. Livro de óbitos de São Francisco. Caixa.350, f. 55 254 Id., op. cit., nota 26, Caixa 521, f. 73v 255 DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivos Eclesiásticos. Livro de Missas para falecidos da Irmandade de Nossa Senhora das Mercês. Caixa 520.
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AS NEGRAS FORRAS256

  Para se compreender quem foi Chica da Silva, torna-se necessário inseri-la na sociedade do seu tempo, no universo social em que viviam outras negras e mulatas forras. Se muitas delas mergulharam na desclassificação e eram consideradas focos de tensão social, várias conseguiram acumular bens, ascender socialmente e diminuir o peso da escravidão e da cor, pelo menos para sua descendência. Várias destas deixaram registrados seus testamentos e inventários e, por meio deles, é possível conhecer a forma como viviam, os patrimônios que acumularam e como se inseriram na sociedade da época.
 Antonil, o primeiro cronista do rush minerador, anotou que a descoberta do ouro nas Minas provocou a desorganização da sociedade e por sua causa se cometeram os maiores sacrilégios, entre eles, os gastos exorbitantes e supérfluos feitos pelos mineradores, “comprando (por exemplo) um negro trombeteiro por mil cruzados, e uma mulata de mau trato por dobrado preço, para multiplicar com ela contínuos e escandalosos pecados.” Além do que, o muito ouro que se arrecadava ficava imobilizado “em cordões, arrecadas e outros brincos, dos quais se vêem hoje carregadas as mulatas de mau viver e as negras, muito mais que as senhoras.”257
 No Distrito Diamantino, a situação não era diferente, pois o acesso aos símbolos exteriores de dignificação, que eram prerrogativas das senhoras brancas, pelas mulatas e negras forras, provocava a fluidez das hierarquias sociais, tornando-as indistintas. Com isto escandalizava-se o Governador das Minas, o Conde das Galvêas que, em 1733, procurou reprimir

“os pecados públicos que com tanta soltura correm desenfreadamente no arraial do T[e]juco, pelo grande número de mulheres desonestas que habitam no mesmo arraial com vida tão dissoluta e escandalosa que, não se contentando de andarem com cadeiras e serpentinas acompanhadas de
                                                         
 256Parte deste trabalho foi apresentado no Colóquio Internacional “Festa: cultura e sociabilidade na América portuguesa”, promovido pela USP-SP, entre 6 a 11 de setembro de 1999. Será publicado em livro comemorativo do evento.(No prelo). 257ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil... p.194-195
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escravos, se atrevem irreverentes a entrar na casa de Deus com vestidos ricos e pomposos e totalmente alheios e impróprios de suas condições.”258

Como Chica, nas Minas no século XVIII, eram muitas as negras e mulatas que estabeleciam relacionamentos ilícitos com o sexo oposto. Essa prática era resultante, entre outros motivos, da conformação do povoamento, onde os homens compunham a maioria absoluta da população, fruto das características inerentes à atividade mineradora: seu caráter urbano, efêmero, itinerante e de aventura, etc. No caso da região diamantina, de povoamento recente, esta desproporção era acentuada. Ao examinar o censo de 1738, relativo à Comarca do Serro do Frio como um todo, da qual o Distrito Diamantino fazia parte, depreende-se que do total de 9.681 habitantes 83,5% eram homens e 16,5% eram mulheres. Entre os escravos, o sexo feminino representava apenas 3,1%, pois eram obtidos, prioritariamente, para o trabalho da mineração, mais afeito aos homens.259  Já entre os forros, as proporções se invertiam, e as mulheres passavam a ser majoritárias. No mesmo censo, do total de 387 forros, elas constituíam 63%, contra 37% de homens, indicativo de que eram as que mais se beneficiavam da alforria, inclusive acumulando bens. Uma vez livres, essas mulheres oscilavam entre a desclassificação social e a inserção, ainda que incompleta, no universo antes restrito aos brancos livres da Capitania.
 Examinemos mais de perto algumas destas negras e mulatas forras que, entre 1751 e 1815, viveram morreram no Arraial do Tejuco e na Vila do Príncipe e ali deixaram seus testamentos e inventários.260 Tratam-se de vinte e três mulheres que fornecem valiosas informações quantitativas e qualitativas por meio das quais é possível reconstituir o universo social das alforriadas no Distrito Diamantino no período colonial. A trajetória de vida destas mulheres confunde-se com a história da região como nos informa o Ouvidor de Vila Rica, Caetano da Costa Matoso. Na primeira metade do século XVIII, ele reuniu vários documentos e fez alguns apontamentos acerca da história da Capitania de Minas até aquela época. Sobre a região dos diamantes descreveu a fundação da vila, o descobrimento dos
                                                         
 258BANDO do governador de 2 de dezembro de 1933, op. cit., nota 8, 1998, p. 1026. 259POPULAÇÃO de Minas Gerais, op. cit., nota 7, p.465-498.
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diamantes, as oscilações na administração e nas formas de concessão das lavras, além das técnicas de mineração das lavras.
  Segundo o Ouvidor, a história da região desde os seus primórdios esteve ligada às negras e mulatas forras que, poderosas, submetiam os homens brancos a seus desejos.  Descreveu que a fundação da Vila do Príncipe se dera graças aos caprichos de uma delas. Segundo sua descrição, em face da ‘melhor’ localização do pelourinho, o juiz Antônio Quaresma mudou o povoado para um novo sítio, onde está até hoje, distante do arraial nove léguas, tudo “a instâncias de uma sua amiga negra, por nome Jacinta, existente ainda hoje, que vivia naquele sítio com lavras suas.”261
 Tratava-se de Jacinta de Siqueira, umas das primeiras moradoras da região, que viveu na Vila do Príncipe e ali morreu em abril de 1751.262 Seu testamento revelou a ascensão social que obtivera, graças ao acesso às lavras e ao concubinato com alguns homens brancos. Declarou que nunca fora casada, mas tinha quatro filhas: Bernarda, Quitéria, Rita e Josefa, todas elas legalmente casadas com homens brancos. Pelas filhas realizara-se sua principal conquista, não apenas financeira, mas social, pois pelo casamento puderam se inserir na sociedade hierárquica da época e, assim, apagar o estigma da cor e da escravidão de seus antepassados. Para contribuir no esquecimento de suas origens e de suas filhas, numa sociedade em que a condição dos antepassados dizia mais sobre um indivíduo, do que sua trajetória de vida, Jacinta omitiu suas origens no testamento, tratando de nomear, detalhadamente, apenas sua descendência e os laços tecidos com a sociedade branca através de seus casamentos.
 Em seu testamento, enumerou vários bens, tanto móveis quanto imóveis, além de escravos que a inseriam na elite proprietária da vila. Para afirmar sua religiosidade, deixou várias esmolas em ouro, entre elas, trinta e quatro oitavas de ouro para a Irmandade do Rosário, com isto demonstrava e tornava público seu poder, pois só podia ser caridoso quem
                                                                                                                                                                               260A lista completa das testadoras está, ao final, na seção Fontes, p. 100-101.  261MATOSO, Caetano Costa. Códice Costa Matoso. História da Vila do Príncipe e do modo de lavar os diamantes e de extrair o cascalho. Doc. 120.
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tivesse bens para dispor. Cumprindo os ritos de passagem para o além, determinou inúmeras esmolas para celebração de missas, indispensáveis para a ascensão das almas para o paraíso. Para si própria, além da missa de corpo presente, a ser rezada na Igreja Matriz da Vila, onde deveria ser sepultada, com esmola para a cera costumada, encomendou outras sessenta e cinco, sendo  quinze em devoção de Santo Antônio e vinte para outras almas do purgatório. Para a alma de Antônio Quaresma, deixou dez missas e para Vitória Pereira, sua filha já falecida, outras dez, todas com a concessão das esmolas costumeiras. A preocupação com Antônio Quaresma confirmava a relação de ambos em vida, como informou o Ouvidor Costa Matoso, assim, os laços tecidos em vida eram reafirmados na hora da morte, lembrando-se a enferma de contribuir para que a alma de seus entes queridos buscassem a salvação.
 Na hora da morte, Jacinta procurava reafirmar a posição que conquistara em vida e torná-la pública durante seu enterro. Seu corpo deveria ser amortalhado com o hábito de São Francisco, enterrado na Igreja Matriz da Vila do Príncipe, acompanhado da Irmandade das Almas e Nossa Senhora do Rosário de que era irmã, sendo celebrada uma missa de corpo presente. A filiação à Irmandade das Almas, que congregava nos arraiais mineiros as elites locais na primeira metade do século, o hábito com que ia amortalhada e o enterro na Igreja Matriz, com toda a pompa, isto é, com os sinais exteriores de honra mostravam que ela conseguira, em vida, retirar-se do mundo da desclassificação que a cor e a condição escrava lhe impingiram inicialmente. Apesar de hierárquico, o mundo colonial abria brechas por meio do qual os indivíduos, inclusive as mulheres, podiam melhorar as condições adversas em que nasceram. Era o novo mundo, que atraía levas de aventureiros e desgarrados do mundo metropolitano.
 Jacinta determinou que seus bens fossem repartidos entre as quatro filhas igualmente, sem proteção a qualquer delas. Demonstrou ser uma mãe e avó zelosa, pois, no ato do casamento, dotara cada uma das filhas com três escravos, além disto, ainda em vida, dera a cada uma das netas dois mulatinhos e para sua bisneta um. Sempre presente, quando sua filha Bernarda teve que penhorar um de seus escravos, arrematou-o e presenteou-o de volta à filha.
                                                                                                                                                                               262SERRO. Arquivo do Fórum. Livro de Registros de Testamentos de 1751. Testamento de Jacinta de Siqueira. f. 33v
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Desta forma, contribuía para que sua descendência feminina pudesse dispor de bens e, assim, posicionar-se melhor no mercado de casamentos da vila, principal mecanismo feminino de promoção social.
 Quanto aos bens imóveis, era proprietária de uma fazenda, uma rocinha e da casa onde morava, além de dedicar-se à mineração de ouro e diamantes, tendo vários escravos matriculados na Intendência. Possuía vinte e sete escravos, plantel significativo para a sociedade mineradora da época, além dos que já tinha dado às filhas e netas, incluindo-se outros dezessete dados à filha Bernarda, dez destes já mortos, mas que deveriam ser computados na partilha.
 Para se ter ideia das dimensões dos bens de Jacinta, torna-se necessário estabelecer comparações com outros proprietários da região. A partir da segunda metade do século XVIII, período de maior expansão da economia diamantífera, o que consequentemente possibilitava a formação de maiores fortunas, para efeito de comparação, foram levantados sessenta e seis inventários, entre 1787 e 1822, sendo quarenta e dois de homens. Quanto aos bens imóveis apenas seis, correspondendo a 9,1% dos inventariantes registraram a posse de três propriedades. A imensa maioria, 43,9% possuía apenas um imóvel, geralmente a casa onde residia, e 25,8% não possuía imóvel algum.263
 Quanto aos plantéis escravistas, 16,7% dos inventariados não possuía escravos e 33,3% possuía até três. Pouquíssimos proprietários da região acumularam o número de vinte e sete escravos como foi o caso de Jacinta, e representaram apenas 6,1% do total. Seu testamento nos permite acompanhar o movimento de seu plantel, pois pode-se computar os que foram dados às filhas e netas; neste caso, o número sobe para sessenta e três escravos, índice alcançado na segunda metade do século XVIII apenas por José da Silva de Oliveira, que ocupou importantes cargos na administração diamantina e tornou-se mais conhecido por ter sido pai do padre Rolim.264
                                                                                                                                                                               38v. 263 FURTADO, Júnia Ferreira, op. cit., nota 28, p. 51. 264 Ibid., p. 52.
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 Mas o que chama a atenção eram os móveis que compunham a casa de Jacinta e que denotavam um ambiente de luxo, ao contrário da precariedade da vida que caracterizava as habitações da época. Possuía um catre de jacarandá, torneado com cortinado e uma colcha de seda onde podia dormir, confortavelmente, entre lençóis e fronhas de linho. Para expressar sua devoção, possuía dois oratórios e várias imagens de santos com coroas de ouro e prata. Sua mesa era posta com garfos e colheres de prata, louças da índia, toalhas de mesa com guardanapos de renda e linho, onde podia receber seus convivas, refinando-lhes o paladar com o fino chocolate derretido em sua própria chocolateira, acompanhados de pão-de-ló, feitos em bacia para este fim. O licor e os sucos eram servidos em garrafas e copos de cristal. A negra Jacinta, que afirmara em seu testamento ser analfabeta, reuniu entre as paredes de sua casa todos os objetos que permitiam sua inserção na cultura branca portuguesa, assumindo seus hábitos e portando-se como uma Dona, a partir do domínio sobre a cultura material, que lhe distanciava, cada vez mais, do mundo da senzala onde nascera.
 Ela não estava sozinha, pode-se perceber que as vinte e três mulheres de cor estudadas morreram em situação melhor que seus pais e deixaram melhores possibilidades para sua descendência. Entre elas, as que acumularam o melhor patrimônio e se inseriram na sociedade local, foram aquelas que puderam usufruir da convivência com algum homem branco importante, tal qual Chica da Silva. As trajetórias de Chica, de Jacinta Siqueira e de Maria de Souza da Encarnação muito se assemelharam.
 Maria da Encarnação,265 natural da Costa da Mina, foi trazida como escrava para a Bahia, onde foi batizada. Foi vendida, no Serro do Frio, para Pedro Mendes, mas amasiou-se com Domingos Alves Maciel, que a tendo em seu poder, comprou-a por cento e cinco oitavas de ouro e a libertou. Declarou que nunca se casara nem tivera herdeiros, deixando sua alma por herdeira, garantindo os ritos necessários ao perdão de seus pecados e elevação de sua alma. A casa em que morava possuía, inclusive, um oratório particular, luxo encontrado em pouquíssimas casas do arraial. Além desta, possuía mais outras três alugadas, que lhe proporcionavam boa renda mensal. Estas últimas deixou à Ordem da Terra Santa de que era
                                                         
 265DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 350, f. 34-35.
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irmã. Esta Irmandade tinha como objetivo libertar os lugares santos das mãos dos infiéis e fazer parte desta agremiação era importante mecanismo de exteriorização da boa situação social do irmão.
 Declarou possuir seis escravos, sendo que as mulheres garantiam renda à proprietária lavando roupa no arraial. Na ausência de descendentes, apegou-se a uma delas, crioula que lhe nascera em casa, filha de uma de suas escravas, e procurou proporcionar-lhe uma vida melhor, arranjando-lhe o casamento com José da Silva, crioulo forro. Para tanto, concedeu-lhe um dote, ainda não pago, o que deveria então ser acertado pelos testamenteiros, e também lhe prometera a compra de um crioulinho, destinando, no testamento, meia libra de ouro para cumprimento da promessa, por último, deixou ao cabeça do casal a casa do oratório, onde deveriam passar a morar. Maria da Encarnação, como Chica, desfrutou da promoção social que alcançara com o concubinato com homem branco e, na ausência de herdeiros diretos, procurou beneficiar uma criança à qual se apegara.
 Quando se passa a examinar os testamentos das vinte e três mulheres de cor mortas no Distrito entre 1751 e 1815, são ressaltadas várias semelhanças e ligeiras diferenças e especificidades, sendo que algumas delas parecem sugerir características de cada época.266 Pode-se perceber, por exemplo, o alto índice de testadoras sem filhos, representando 69,5% do total. Isto sugere como a motivação destas mulheres a realizarem seus testamentos a falta de descendentes diretos, mais que o montante do seu patrimônio, exigindo delas deixarem seus desejos por escrito, já que suas heranças não teria o destino mais comum – a divisão entre os filhos, mas corria o risco de engrossar os cofres do Juízo do Órfãos e Ausentes, destino certo dos bens sem herdeiros legítimos. Pode-se inferir daí que existiram outras negras forras com patrimônio significativo, mas que não se sentiram estimuladas a redigirem testamentos. Examinemos o Quadro I, abaixo:




                                                         
 266 A lista completa das testadoras estão em Fontes,  p.100-101.
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     QUADRO I Número de filhos entre as testadoras

CONDIÇÃO NÚMERO % Sem filhos* 16 69,5 Com filhos naturais 6 26,0 Com filhos legítimos 1 4,5 Total 23 100,0 Fonte:. BAT ; AEAD. Testamentos de mulheres forras Lista completa em Fontes, p.100-101. * Aqui foi computada Ana da Glória dos Santos267 que teve seis filhos legítimos, mas já estavam todos mortos na época do testamento e por isto não tinha herdeiros naturais
 

 Duas testadoras, Maria Martins Castanheira268 e Bernardina Maria da Conceição,269 apesar de não terem filhos, eram casadas e, por isto, os maridos ainda vivos eram seus herdeiros legítimos. Porém, elas tiveram motivação idêntica àquelas que não tinham descendência, pois os companheiros as haviam abandonado há muito tempo e por isto desejavam dar a seus bens, ou a parte deles, outro destino. Bernardina Maria, cabra, era casada com o pardo forro, Gonçalo, “que se ausentou, depois de eu cair na sua indignação” e Maria Martins Castanheira, negra de Benguella, com o negro Francisco Pereira Lima, que gastou os bens do casal e “sempre esteve ausente.” Ambas se preocuparam em garantir que parte de seus bens fossem dirigidos à salvação de suas almas, pois a lei obrigava que seus maridos fossem seus herdeiros, apesar de distantes.
 Durante o século XVIII, era permitido que um terço dos bens ( a Terça ) fosse disposto como cada um aprouvesse, inclusive nomeando a própria alma por herdeira. Isto significava que os bens vinculados desta forma teriam que ser utilizados para pagar os
                                                         
 267 DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, Maço 4. 268 DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26,. Caixa 521, f. 387-388. 269Ibid., Caixa 350, f. 38v-39.
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sufrágios necessários ao perdão da alma, condição para alcançar o paraíso, sendo o principal mecanismo a realização de missas e a caridade. Quatro delas instituíram a alma por herdeira e duas destinaram a Terça à Irmandade da Terra Santa. Antônia de Oliveira Silva, parda sem filhos, nascida em Salvador na Bahia, determinou que sua mãe ainda viva fosse sua herdeira, reservando a Terça para sua alma.270 Esta seria gasta de vários modos: deveriam ser celebradas quantas missas de corpo presente fossem possíveis, além de outras duzentas nos Conventos do Carmo e São Francisco da Bahia; além de trinta pelas almas do purgatório, a mesma quantidade pelas almas dos pais já falecidos e uma para um pobre defunto.
 Nenhum dos seis testamentos de negras forras do início do século XIX que não tinham herdeiros naturais indicou a alma por herdeira, denotando uma mudança de comportamento, apesar de ainda demonstrarem uma preocupação com os ritos fúnebres e com a garantia da celebração de missa de corpo presente e de algumas missas pela alma. Os herdeiros escolhidos parecem ser pessoas importantes no arraial como o Padre Luis dos Reis Silva, o Sr. Capitão João Alves Ferreira Prado, ou, ainda, o Sr. Jacinto Luis Filgueiras.
 Entre as sete que tinham descendência assegurada, legítima ou não, percebe-se que a escritura do testamento espelhava a mesma preocupação de também garantir que parte de seus bens tivesse destino diferente da natural divisão entre os herdeiros. No testamento de Jacinta de Siqueira, além dos sufrágios para sua alma e a dos entes queridos, denotava-se o intento de que a partilha entre as filhas fosse igualitária, ao registrar cuidadosamente o que cada uma ganhara em vida, ressaltando que uma delas Bernarda da Conceição recebera mais que as outras, o que deveria ser acertado no inventário.271 Gertrudes Angélica da Rocha, crioula, casada, pretendia que a sua Terça fosse destinada a uma “sua cria”, Clara Maria Angélica de Jesus, isto é, uma filha de alguma escrava a qual se apegara e criara.272 Determinava, também, que dois de seus escravos fossem coartados273 depois de prestar pelo espaço de seis meses a um ano de serviço a seus filhos. Josefa Dias, apesar de ter duas filhas
                                                         
 270DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26,. Caixa 350, f. 162v-163. 271SERRO. Arquivo do Fórum. Livro de Registros de Testamentos de 1751. F. 33v-38v. 272DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 521,.f. 70-70v. 273Coartados: escravos em processo de alforria. Geralmente definia-se um período, durante o qual o escravo poderia constituir um pecúlio a ser gasto na compra de sua liberdade.
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ainda escravas, determinou que sua Terça fosse destinada à salvação da sua alma.274 Já Josefa da Costa da Visitação queria garantir que seus bens não fossem parar no cofre dos Ausentos, pois seus dois filhos naturais moravam em Pitangui e deles não tinha notícia.275
 Quando se examina os índices de casamentos, percebe-se interessantes oscilações. Treze delas eram solteiras, o que significava 56,5% do total e dez eram casadas (43,5%), o que sugere uma ligeira superioridade para as solteiras em relação às casadas. Considerando o pequeno número de testadoras, poderia se inferir que os dados seriam pouco significativos para expressar uma sociedade onde se sabe que, entre as negras forras, salientava-se o alto grau de mancebia e bastardia. Porém, se analisarmos mais cuidadosamente a situação do grupo de casadas (Quadro II e III), outras tendências podem ser observadas.
 Percebe-se, pelo Quadro II, que a maioria absoluta, cerca de 80% dos casamentos foram entre testadoras falecidas a partir da última dezena do século XVIII e o primeiro quartel do XIX. Ora, desta forma, relativiza-se a proximidade entre o número de casadas e solteiras e observa-se para o grupo das forras as mesmas tendências do restante da sociedade, ou seja, à medida que esta ia se consolidando, tendia a crescer o número de casamentos legítimos e declinar as relações extraconjugais. Tal fato era resultante do processo de moralização orquestrado pela Igreja e pelo Estado português durante todo o século XVIII.  













                                                         
 274DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 521, f. 76v-77. Interessante registrar que elas eram escravas de Antônio Fernandes de Oliveira, um dos filhos de Chica da Silva. 275Ibid., f. 32v.
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QUADRO II Período da morte das testadoras casadas
PERÍODO NÚMERO % 1750-1790 2 20,0 1791-1815 8 80,0 TOTAL 10 100,0 Fonte: BAT ; AEAD. Testamentos de mulheres forras. Lista completa em Fontes, p.100-101.

 O Quadro III sugere uma situação pouco estável para o grupo de casadas, onde significativa maioria (70%) era constituída de viúvas e abandonadas, situação tão instável e precária quanto a do grupo das solteiras. Sintoma desta instabilidade pode ser sentida na afirmação de Maria Vaz da Conceição, da Costa da Mina, viúva de Antônio da Costa, ambos negros, de que, além dela mesma ter comprado sua alforria, todos os bens que possuía foram adquiridos antes do casamento, “de sua agência.”276 O casamento não lhe acrescentara patrimônio, nem status, fora mais um amparo na velhice. Maria Vaz parecia ser mais grata ao ex-senhor do que ao marido, não lhe deixando nem uma missa para salvação de sua alma. No entanto, instituiu como um de seus herdeiros o filho pardo de seu antigo proprietário. O restante do patrimônio foi utilizado para garantir sua própria salvação, por meio da celebração das missas e da caridade. Determinou que sua missa de corpo presente fosse acompanhada de oito sacerdotes, com esmola de cera de meia libra para cada um, e mais outras sessenta para a salvação de sua alma; deixou, também, uma doação para o Hospital de Caridade e outra para a Irmandade das Mercês. Além de uma morada de casas e três escravos, possuía sessenta e três oitavas de ouro lavrado, o que demonstrava que seus negros eram utilizados na mineração.






                                                         
 276DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26,  Caixa 350, f. 49v-50.
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             QUADRO III Condição das testadoras casadas CONDIÇÃO NÚMERO % Viúva 5 50,0 Abandonada 2 20,0 Marido presente 3 30,0 TOTAL 10 100,0 Fonte: BAT ; AEAD. Testamentos de mulheres forras. Lista completa em Fontes, p.100-101.     O casamento das negras e mulatas forras não foi condição necessária ao acúmulo de bens ou melhor forma de promoção social, pois as cinco mulheres das quais se pôde saber informações dos maridos eram casadas com homens de cor. Três eram negros e dois pardos; com isto, percebe-se que a legitimação das relações de convívio se realizavam entre iguais. Mas, certamente, os casamentos conferiam inserção social, pois a Igreja procurava moralizar e regrar a sociedade pelos laços sagrados do casamento cristão. Josefa da Costa da Visitação,277 Ana da Glória dos Santos278 e Maria Vaz da Conceição,279 todas casadas, fizeram questão de afirmar que elas mesmas compraram suas liberdades. Outras que os bens eram resultado de “sua própria agência e trabalho,” em nada contribuindo o marido. A análise dos inventários da negra, mina, Rita Vieira de Mattos280 e seu marido Antônio Alves de Guimarães,281 também oriundo da Costa da mina revelam como o patrimônio dessas mulheres não eram originários do casamento, mas do seu próprio trabalho. Antônio morreu em 1812 e deixou um monte mor avaliado em cerca de 412$000 réis, seus bens mais valiosos eram três escravos que somavam 320$000 réis e uma casa em local não especificado avaliada em 80$000. O restante compunha-se basicamente de umas poucas roupas de seu uso, de pouco valor, como um par de calças, um jaleco e uma capa, além de seis tamboretes, uma mesa, um tacho de cobre e uma trempe de ferro.  Rita morreu em 1815 e deixou um monte mor com montante muito
                                                         
 277Ibid., f. 32v. 278Ibid., Caixa 521.f. 379v-380. 279Ibid., f. 49v-50. 280DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 65. 281Ibid., maço 5.
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próximo, no total de 384$412 réis. À primeira vista ela parece ter tido mais dificuldades em reunir patrimônio, mas examinemos mais nitidamente. Rita também possuía três escravos, saliente-se que apenas uma, a escrava Felizarda era herdada do marido, os outros dois ela adquiriu sozinha. No entanto, enquanto os três escravos de Antônio foram avaliados em 320$000 réis, os de Rita valeram apenas 261$600 réis. A própria Felizarda foi avaliada em 120$000 réis no inventário de Antônio e em 96$000 réis no de Rita. Os outros escravos de Antônio eram já bem velhos, 40 e 50 anos respectivamente, e devem ter morrido ou sido vendidos para pagar seus desejos póstumos. Como Rita morreu depois do marido, a desvalorização de seu plantel pode ser atribuída, entre outros fatores, à idade mais avançada de seus escravos.
 No inventário de Antônio não foi especificado o lugar da casa, portanto, não se sabe se seria a mesma casa da Rua do Rosário, que constava do inventário de Rita. Quanto aos demais bens, os de Rita eram mais numerosos e valiosos. Só uma capa de droguete escarlate, abanada de cetim e uma saia também de droguete rei dourada foram avaliadas em 18$200 réis. Possuía brincos de ouro com pedras, um anel de prata, enxoval e trastes da casa, como fronhas, pratos, catre, etc. Desta forma, podia se vestir com luxo nas ocasiões especiais e ter em casa os artefatos para seu conforto. Com exceção da casa, da qual nada se pode inferir, e de uma escrava não há uma relação direta entre os bens deixados por Rita e os de Antônio, a não ser a presença em ambos de uma trempe de ferro e uma caixa grande de guardar roupa, o que confirma a constante afirmação destas mulheres de que “viviam de sua agência.”
 Em relação à origem das testadoras, observou-se um predomínio das africanas (65,2%) em relação às nascidas no Brasil, o que revelou que a possibilidade de alforria não estava mais acessível a essas últimas do que às primeiras. A maioria das africanas foi convertida ao catolicismo no Brasil, como Rosa Fernandes282 que foi batizada em Paracatu e Ana da Glória dos Santos283 que, tendo sido trazida criança, foi batizada na Bahia e libertouse, também, em Paracatu. Percebe-se, nos tempos verbais utilizados por Ana da Glória, a maneira como ela mesma interpretou sua trajetória de vida. Para contar a vinda para o Brasil e
                                                         
 282DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 521, f. 102-102v.
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a conversão ao catolicismo, utilizou os verbos na forma passiva, no entanto ao rememorar sua alforria empregou o verbo na voz ativa, demonstrando, a partir daí, a tomada de controle sobre sua vida e destino.
 A cor das testadoras revelou a mesma tendência, havendo uma predominância das negras (78,3%) em relação às pardas. Saliente-se que o termo crioula nos documentos coloniais indicava a filha brasileira de negros africanos e parda a descendência de brancos com negros. A alforria esteve, portanto, acessível às negras e pardas, não tendo a mestiçagem contribuído significativamente para torná-la mais fácil. A forma de alforria foi variada, tendo predominado o acúmulo de pecúlio pela escrava, comprando, ela própria, sua liberdade. Diferenciam-se Maria de Souza da Encarnação284 e Inês Fernandes Neves.285. A primeira foi alforriada por seu senhor, que a adquiriu de outro proprietário com o intuito de com ela se amasiar; a segunda foi libertada “em tenra idade”, pelos proprietários de seus pais.

QUADRO IV Origem das testadoras ORIGEM NÚMERO % África 15 65,2  Costa da Mina 11   Benguella 1   Congo 1   Luanda 1  Brasil 8 34,8  Pernambuco 1   Minas 5   Bahia 1   Rio de Janeiro 1  TOTAL 23 100,0 Fonte: BAT e AEAD. Testamentos de mulheres forras. Lista completa em Fontes, p.100-101.


                                                                                                                                                                               283 Ibid., f. 379v-380. 284DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 350, f. 34-35. 285 DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 26.
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 Examinemos o tipo e tamanho de patrimônio acumulado por essas mulheres em vida. Divide-se em cinco grandes tipos: escravos, ouro lavrado, joias, bens imóveis e trastes da casa e de uso, incluindo imagens e oratórios. Note-se que os bens mais valiosos estavam entre os três primeiros (escravos, ouro e joias), pois numa sociedade em constante deslocamento, o ouro, as pedras preciosas e os escravos essenciais para extraí-los valiam muito mais do que casas, que podiam ser construídas em qualquer local. Ana da Encarnação Amorim286 possuía um escravo Manoel Mina no valor de 160$000 réis, o moleque de Maria de Azevedo287 valia 120$000 réis e seu outro escravo, Francisco, congo, foi avaliado em 177$600 réis. Já a casa de morada de Inês Fernandes Neves288 custava 28$800 réis, o mesmo valor de três pares de botão de ouro, dois cordões, uma gargantilha, um laço e uma imagem, também constantes de seu inventário.
 Examinemos, primeiramente, o plantel de escravos das testadoras. Antes de mais nada, é preciso anotar que todas elas se tornaram proprietárias de escravos assim que alcançaram a liberdade. Nada mais esperado, numa sociedade hierárquica e que desprezava o trabalho manual, onde viver do trabalho das próprias mãos era situação indigna e que devia ser prontamente evitada para apagar a origem escrava. Possuir escravos era também condição de sobrevivência e acúmulo de patrimônio. As escravas de Maria de Souza da Encarnação289 lavavam roupa para fora; alguns dos de Jacinta da Siqueira290 lavravam ouro. Entre os trastes de Inês Fernandes Neves291, encontrava-se uma trombeta e nos de Rita Vieira de Matos estava um martelo de carpinteiro e um ferro de engomar, provavelmente, servindo para o ofício de um de seus negros. Ana da Glória Santos292 tinha jornais a receber de um escravo alugado a Florência da Cunha havia cerca de um ano e três meses.


                                                         
 286DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 4. 287Ibid., maço 58. 288Ibid., maço 26. 289DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 350, f. 34-35.  290SERRO. Arquivo do Fórum, op. cit., nota 273, f. .33v - 38v. 291DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 26.
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QUADRO V Cor das testadoras COR NÚMERO % Negra 18 78,3 Parda/Cabra  5 21,7 TOTAL 23 100,0 Fonte: - BAT e AEAD. Testamentos de mulheres forras. Lista completa em Fontes, p.100-101.

 Hoje pode nos parecer inconcebível o acúmulo de escravos entre estas mulheres, que tão duramente haviam vivido a escravidão e, sendo a maioria africana, guardavam a memória de sua vida livre na África, o horror nos navios tumbeiros, a separação das famílias e a venda como peças nos portos brasileiros. No entanto, uma vez inseridas nesta sociedade, sem possibilidade de retorno, a única alternativa acessível para diminuírem a desclassificação social que lhes era originária, e as estigmatizava frente à sociedade local, era imitá-la e alcançar os mecanismos de promoção social. O primeiro deles era a compra de um escravo. Destaca-se entre elas, o caso de Josefa Dias.293 negra da Costa da mina, que, tendo ainda duas filhas cativas, utilizou seu pecúlio para comprar um escravo, ao invés de libertar pelo menos uma delas. Já, pelo testamento de Inês Fernandes Neves294, pode-se perceber que, entre várias gerações de forros, perpetuava-se o hábito de possuir escravos. Ignês, crioula, proprietária de quatro escravos, registrou em seu testamento que seus pais, João Frutuoso e Joana Fernandes Neves, ambos negros minas, foram, por sua, vez escravos de um pardo e de sua esposa, também negra mina.
 O Quadro VI nos permite perceber que o acúmulo de escravos entre as mulheres forras seguia o mesmo padrão de pequenos plantéis observado para o conjunto da população livre. A maioria (63,6%) possuía até três escravos. Entre os proprietários livres da segunda metade do século XVIII, observa-se o índice de 33,3% para plantéis de até três escravos.
                                                                                                                                                                               292DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 4. 293DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, f. 76v –79.
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Pode-se pensar que esta desproporção indicaria um maior grau de pobreza entre as negras forras, porém quando adiciona-se os proprietários sem escravo algum, o quadro modifica-se. Enquanto apenas uma testadora, representando 4,6% do total, não possuía escravos, entre o conjunto dos proprietários livres eles representaram 16,7%, revelando uma maior facilidade destas mulheres em acumular um pecúlio, ainda que pequeno. Ressalte-se que nenhuma delas teve acesso à herança de antepassados, ao contrário dos brancos livres que poderiam partilhar de um patrimônio acumulado em outras gerações.
 Tomando-se como ponto de partida o plantel médio, chega-se ao índice de 4,4 escravos por proprietária, número próximo ao índice de 5,5 que Eduardo França Paiva encontrou para a Comarca de Sabará295 revelando que não era insignificante o acesso destas mulheres ao primeiro símbolo e condição para se afastarem do mundo escravista de onde eram originárias.
QUADRO VI Plantel de escravos das testadoras TAMANHO DO PLANTEL NÚMERO % Até 3 escravos 14 63,6 De 4 a 5 escravos 3 13,6 De 6 a 10 escravos 3 13,6 De 20 a 30 escravos 1 4,6 Sem escravos 1 4,6 TOTAL 22 100,0 Fonte: BAT e AEAD. Testamentos de mulheres forras. Lista completa em Fontes, p.100-101

 O comportamento destas mulheres em relação aos seus escravos seguia também o padrão do restante da população livre. Não se tornavam, assim como Chica, libertadoras de sua raça, ao contrário do que poderíamos esperar ou desejar. Os escravos representavam o esforço de formar um pecúlio arduamente reunido e não era possível dissipá-lo de uma hora para outra na forma de alforrias sem pensar nos herdeiros. Ainda que significativa maioria destas mulheres não tivessem herdeiros diretos, pela ausência de filhos, não se nota que
                                                                                                                                                                               294DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 26. 295PAIVA, Eduardo França.Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII... São Paulo, Anna Blume, 1995.
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tenham facilitado a concessão de alforria, revertendo o pecúlio para salvação de sua alma ou beneficiando outros herdeiros, sendo os laços afetivos essenciais na sua escolha.

QUADRO VII Mecanismos de alforria dos escravos MECANISMO NÚMERO % Coartação 21 72,4 Alforria 8 27,6 TOTAL 29 100,0 Fonte: - BAT e AEAD. Testamentos de mulheres forras. Lista completa em Fontes, p.100-101.
   Do total de vinte e uma mulheres forras proprietárias de escravos, sete não concederam alforria de espécie alguma a seus escravos, representando 33,3% do total. Quatorze delas alforriaram o total de vinte e nove escravos, no entanto, como veremos, o mecanismo majoritário foi a concessão da coartação. Isto é, estipulava-se um período pelo qual o escravo podia trabalhar livremente para conseguir um pecúlio e assim comprar sua alforria. Em algumas vezes, determinava-se um período onde o escravo deveria servir os herdeiros e só depois começar a ser coarctado. Desta forma, a alforria era um processo levado a cabo pelo próprio escravo, e que indenizava o proprietário do pecúlio investido. Gertrudez Angélica da Glória, casada, com uma filha, determinou que sua escrava, Mariana, angola, depois de servir um ano a sua herdeira, poderia ser cortada, por cem oitavas de ouro, por três anos, em três pagamentos iguais.296
 Como se pode observar pelo quadro acima, o mecanismo da coartação foi forma generalizada de alforria. Demonstrava a preocupação destas mulheres, que duramente acumularam algum cabedal, em vê-lo irremediavelmente perdido. Como a maioria não tinha herdeiros naturais, gastando boa parte da herança com os sufrágios para a alma, era perfeitamente possível conceder a alforria, transformando o investimento acumulado nos escravos em ouro ou dinheiro, sem ter que recorrer à venda do plantel. Não era raro que, nos leilões públicos, os escravos fossem arrematados por preço bem inferior ao que valiam.
                                                         
 296DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 521, f. 70-70v.
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Através da coartação era possível beneficiar ao escravo que servira fielmente, fazer uma caridade cristã e, ao mesmo tempo, garantir os ganhos financeiros.
 O padrão de comportamento das negras forras em relação à concessão de alforrias era o mesmo que o do restante da população livre e branca. Alforriavam-se os escravos a quem se afeiçoara, os que demonstraram fidelidade, ou a sua prole. A gratidão a algumas escravas fiéis pôde ser demonstrada em vários exemplos: a liberdade tornava-se o mecanismo privilegiado de retribuição dos serviços prestados em vida e permitia que outras mulheres pudessem também penetrar no mundo dos homens livres. A alforria também era a caridade com os mais pobres, mecanismo importante de salvação da alma e que deveria ser afirmado na hora de suas mortes. Ingês de Santa Luzia, mulata, solteira, deixou toda a roupa do seu uso para Marina de Santa Luzia, que tinha sido sua escrava, “por me ter servido e acompanhado fielmente até agora.”297 Inês Fernandes Neves coartou dois dos quatro escravos que possuía. Um deles, João angola, “por ser já idoso e me ter servido com lealdade.”298 Jacinta da Siqueira libertou sua escrava Angela, mina, “pelos bons serviços que me tem rendido, e me ter servido bem, e ter me dado suas crias.”299 Maria de Azevedo, negra de benguella, solteira, determinou que seus testamenteiros passassem carta de alforria a sua escrava Maria, “pelos bons serviços que me tem feito e boa companhia que comigo tem estado.”300
 Todas as vinte e três forras eram proprietárias de pelo menos um bem imóvel: a casa onde moravam. Oito delas eram proprietárias de mais de um imóvel, sendo que quatro eram proprietárias de outras casas de morada, que lhes rendiam aluguéis. Maria de Souza da Encarnação301 era proprietária de quatro casas no arraial do Tejuco; Ana Maria de Freitas302 e Rita Vieira de Matos303 possuíam duas; e Isabel Gomes Pereira304 determinou que seus testadores cobrassem uma dívida à Josefa Maria, por ter deixado que construísse uma casa nos fundos de seu terreno.
                                                         
 297DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 26. 298DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 26. 299 SERRO. Arquivo do Fórum, op. cit., nota 273, f. .33v - 38v.  300DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 58. 301DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 350, f. 34-35. 302Ibid., Caixa 521, f. 49-50. 303DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 65.
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 Cinco testadoras possuíam imóveis rurais, enumerados como fazenda, roça, capoeira ou rancho. Dedicavam-se à agricultura ou pecuária, que na sociedade urbana das Minas era boa fonte de rendimentos, abastecendo o mercado interno de carne, legumes, mandioca, etc. Joana Carvalho, negra da Costa da Mina, possuía uma roça no Capão das Jaboticabas, onde produzia milho e mandioca, criava gado, porcos e cavalos.305 Jacinta da Siqueira tinha uma fazenda e uma roça, mas não se sabe como eram exploradas.306 Maria de Azevedo era dona de uma chácara que deixou ao seu herdeiro, mas ele só poderia tomá-la após a morte de uma exescrava sua, Maria, que ali morava de favor.307 Ana da Glória dos Santos, negra mina, tinha um rancho nas Bicas, próximo ao arraial de Milho Verde, nas terras de uma certa Dona Theotônia. Deixou entre seus bens um descaroçador e uma roda de fiar, indícios de que plantava algodão e produzia tecidos artesanalmente.308
 As joias e peças de ouro e prata eram símbolos exteriores de riqueza, ostentados nos colos e cabelos das mulheres na missa e nos dias de festa, mas, também, significavam investimento, calculando-lhes o preço pelo peso em ouro lavrado e os quilates das gemas. Ana Maria de Freitas foi um bom exemplo de como estas jóias podiam ser eficientes formas de capitalização, pois todas as suas estavam empenhadas junto a terceiros. Tinha quartoze botões, ouro lavrado, um par de brincos e um laço que lhe renderam cerca de quatorze oitavas de ouro.309 Eram comuns os laços com brilhantes, cordões de ouro, brincos de pedras e pequenos oratórios de ouro. Bernardina Maria da Conceição listou uma imagem de ouro de Nossa Senhora da Conceição, dois cordões de ouro, dois brincos e um laço de diamantes, treze contas de coral e de ouro enfiadas, além de um laço e um brinco de ouro que entregara ao padre para vender.310
 As listas de joias arroladas nos testamentos e inventários fornecem o luxo com que se enfeitavam estas mulheres. Entre as quatorze testadoras que arrolaram os bens de seu uso, dez
                                                                                                                                                                               304DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 350, f. 84v-85v. 305Ibid., f. 166-167. 306SERRO. Arquivo do Fórum, op. cit., nota 273, f. .33v - 38v. 307DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 58. 308Ibid., maço 4. 309DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 521, f. 120-120v. 310 Ibid., Caixa 350,. f. 38v–40.
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(71,4%) possuíam entre seus pertences várias joias, que completavam as vestes finas que ostentavam em público. A crioula Inês Fernandes Neves311 podia desfilar, na missa de domingo, no Tejuco vestida com toda a pompa. Em seu guarda-roupa, encontravam-se duas saias de cetim, um chapéu de copa alta, uma capa bordada e outra de droguete, dois pares de sapatos de seda, que podiam ser adornados com um par de fivelas de prata. No pescoço podia colocar várias gargantilhas de ouro, num de seus cordões ia pendurada a imagem também de ouro de Nossa Senhora da Conceição, nas orelhas brincos de diamantes além de se enfeitar com seu laço de diamantes, estes últimos avaliados em 69$300 réis.
 A hora da morte era o último momento para exteriorização do lugar social de cada um e, cercada de ritos, deveria permitir o perdão dos pecadores, conseguir a salvação da alma, mas, também, preservar as hierarquias sociais estabelecidas na vida. Nas Minas, a proibição da instalação das Ordens Primeiras fez com que florescessem as Irmandades leigas, por meio das quais os homens expressavam sua religiosidade. As Irmandades ou Ordens Terceiras foram responsáveis por todas as questões religiosas, como a construção dos templos, organização das missas e procissões, difusão do culto aos santos e organização dos ritos fúnebres. Pertencer a uma destas Irmandades era, pois, essencial a organização e a identificação dos homens nos núcleos urbanos que iam se constituindo nas Minas. Elas não eram exclusivas dos brancos, mas reuniam também negros e mulatos e, então, eram reflexos das estratificações raciais e sociais locais. Antonia Nunes dos Anjos, preta forra e comerciante de escravos, pertencia à Irmandade do Rosário em Sabará.312
 As Irmandades serviam para o reconhecimento dos lugares sociais de cada um no seio da comunidade, e serviam ao exercício de uma série de direitos, inclusive o de ser enterrado, na medida que as tumbas, localizadas dentro das Igrejas, pertenciam, por elas, e eram administradas. Na sociedade das Minas era quase impossível viver fora destas agremiações. Entre os direitos oferecidos aos irmãos, estava a garantia de uma série de sufrágios na hora da morte. Eram ritos de passagem, como a celebração de missas, os gastos com o enterro, o
                                                         
 311DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 26. 312MO. CBG. Testamento. Livro 7(13), f. 15v-18.
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direito de ser enterrado com o hábito da ordem, que deviam assegurar a salvação da alma do irmão e, portanto, eram essenciais.
 Das vinte e três mulheres forras estudadas, apenas uma não pertencia a qualquer Irmandade. Josefa Dias, preta, determinou que seus testamenteiros definissem o seu enterro já que não pertencia a nenhuma Irmandade. Foi enterrada na Igreja do Rosário do arraial do Tejuco, com missa de corpo presente e esmola de um quarto de vela para os sacerdotes que acompanharam os serviços.313 Em muitos momentos, como o da hora da morte, pertencer a Confrarias era praticamente indispensável, pois a elas pertenciam as sepulturas. Diante disso, elas sobretaxavam aqueles que procuravam se tornar irmãos apenas nessa hora,314 o que, provavelmente, aconteceu com Josefa Dias.
  Como as Irmandades refletiam a organização social e racial da época, ocorreu uma diferenciação entre as que predominavam nas Minas entre a primeira e a segunda metade do século XVIII, pois, neste período, a sociedade se tornou mais complexa e estratificada. No início do século, distinguiam-se, principalmente, as Irmandades de brancos, sendo as mais importantes as do Santíssimo, que congregavam as pessoas mais importantes dos arraiais. Eram também comuns, as da Nossa Senhora da Conceição, padroeira do Reino e a do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, cultuada no Norte de Portugal. Também, apareceram as Irmandades de negros, sendo as mais numerosas as de Nossa Senhora do Rosário. Mas, existiam, ainda, as que invocavam São Benedito, Santa Efigênia, ou Nª Sª das Mercês, esta última associada à libertação dos cativos.
 Na segunda metade, a maior estratificação social entre os brancos proprietários deu origem ao aparecimento de duas Irmandades muito comuns nos núcleos urbanos mineiros: a de São Francisco, que englobava, principalmente, os intelectuais e a elite administrativa; e a do Carmo, que aglutinou os comerciantes ricos.315 Por outro lado, com o aumento do número de mulatos proliferaram aquelas que os congregavam, como as da Mercês e de São Francisco do Cordão.
                                                         
 313 DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 521, f. 76v-79. 314SALLES, Fritz T. Associações religiosas no ciclo do ouro. p. 59.
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 Como as Irmandades procuravam ser rígidas em relação à qualidade e condição dos irmãos, a análise das que aceitavam as negras forras como filiadas, no Distrito Diamantino, permite perceber a inserção das mesmas mulheres na sociedade local, o que se pode observar pelos Quadros VIII e IX.
 Para entendê-los, é preciso, antes, referir-se brevemente sobre a instalação das Irmandades no Tejuco. As duas primeiras a serem fundadas foram as das Almas e a do Rosário; a primeira congregava os brancos do arraial e a segunda os negros e mulatos. A Irmandade das Almas funcionava na Igreja Matriz de Santo Antônio e a do Rosário em capela própria, posteriormente ampliada e transformada em igreja. Na segunda metade do século XVIII, devido às desavenças entre negros e mulatos, resultado da maior estratificação da sociedade, os mulatos se retiraram da Irmandade do Rosário e edificaram igrejas próprias, processo semelhante ao que aconteceu na maioria das vilas mineiras. No Tejuco, isto efetivouse na construção da Igreja do Amparo (1756) e Mercês (1772). As diferenciações surgidas no seio dos homens brancos resultaram na proliferação de Irmandades de brancos, com suas respectivas igrejas. Os mais ricos congregaram-se nas de São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo. No Tejuco, a Igreja do Carmo foi construída sob os auspícios e proteção do contratador dos Diamantes, o Desembargador João Fernandes de Oliveira. Os brancos também participavam da Irmandade da Terra Santa, ou Bula da Santa Cruzada, organizada para angariar fundos com o objetivo de libertar os lugares santos da Palestina das mãos dos infiéis muçulmanos.
 Como se pode perceber, as Irmandades eram um retrato da sociedade hierárquica do século XVIII e era um dos mecanismos de exteriorização do lugar social de cada um. O aparecimento, por exemplo, das Irmandades de mulatos e pardos era resultado da necessidade deste segmento, cada vez mais amplo, diferenciar-se dos negros, geralmente escravos. É preciso anotar que as Irmandades de mulatos e negros tinham entre seus filiados elementos brancos, pois atraí-los, inclusive participando das mesas diretoras, era sinal de prestígio e poder. O mesmo acontecia com negros e mulatos que se enriqueceram.
                                                                                                                                                                               315SALLES, Fritz T., op. cit., nota 316, p. 71.
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 Apreende-se, pelo quadro acima, que as forras tiveram participação em Irmandades tanto de brancos, quanto de mulatos e negros. Logicamente, o maior número de filiações, representando 40,5% do total, era à Irmandade do Rosário, distribuídas ao longo de todo o período. Entre elas, encontra-se Maria Martins Castanheira que, por duas vezes, foi juíza da Mesa do Rosário, sinal de prestígio e distinção entre os irmãos.316 Tereza Feliz deixou um laço de ouro como esmola para o Rosário,317 assim, por meio da caridade, expressava sua gratidão.
QUADRO VIII Perfil étnico das Irmandades das testadoras IRMANDADE NÚMERO % De negros 17 40,5 De pardos 11 26,1 De brancos 14 33,4 TOTAL* 42 100,0 Fonte: BAT e AEAD. Testamentos de mulheres forras. Lista completa em Fontes, p.100-101. * O total é superior ao número de 23 testadoras, porque várias participavam de mais de uma Irmandade.

                                                         
 316DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 521, f. 387v-388. 317Ibid., f .48-49.
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 A partir de 1766, começaram a aparecer entre as testadoras filiação a duas Irmandades de mulatos: Amparo e Mercês. No entanto, das dez testadoras que afirmaram pertencer a elas, oito eram negras, sendo sete africanas e uma brasileira. Somente duas eram efetivamente mestiças: Rita Paes Gouveia318 e Gertrudez Angélica da Glória.319 Pode-se perceber que, na prática, os estatutos excludentes das Irmandades nem sempre valiam, pois na sociedade em contínua transformação das Minas, outros sinais exteriores de riqueza e importância relaxavam e invertiam sua rigidez hierárquica. Um dos mecanismos de exteriorizar esta transformação do status pelas forras, fossem negras ou mulatas, era participar de Irmandades que congregassem majoritariamente outros segmentos sociais. Rita Vieira de Matos, negramina, deixou de esmola para a imagem do Divino Espírito Santo da Capela do Amparo a esmola de seis oitavas de ouro e era também irmã das Mercês e do Rosário.320

QUADRO IX Filiação de mulheres forras em Irmandades IRMANDADE NÚMERO % PERÍODO Rosário (1731)* 17 40,5 1751-1820 Mercês (1772) 8 19,0 1793-1815 Almas** 6 14,3 1751-1793 Terra Santa 4 9,5 1756-1766 Amparo (1756) 3 7,1 1766-1820 Na. Sa. Carmo (1758) 1 2,4 1814 São Francisco 1 2,4 1815 São Francisco/BA 1 2,4 1766 Na. Sa. Carmo/BA 1 2,4 1766 TOTAL*** 42 100,0  Fonte: BAT e AEAD. Testamentos de mulheres forras. Lista completa em Fontes, p.100-101. * Entre parênteses, data de fundação da Irmandade. ** Funcionava dentro da Igreja Matriz de Santo Antônio. Junto com Rosário era das mais antigas do Arraial. *** O total é superior ao número de 23 testadoras, porque várias participavam de mais de uma Irmandade.

                                                         
 318DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 521, f. 35-35v. 319Ibid., f. 70-70v. 320DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 65.
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 Entre as testadoras, foi mais comum a participação em Irmandades brancas até a década de 60. Neste período, concentram-se onze filiações do conjunto de quatorze, sendo cinco à Irmandade das Almas e quatro à Terra Santa. Por estes dados, percebe-se que, ao contrário do que tenderíamos a pensar, foi mais fácil penetrar nas Irmandades brancas nos anos logo posteriores ao início do povoamento da região, que se intensificou a partir dos anos 30. Isto era o reflexo da conformação da sociedade mineira durante os setecentos. Inicialmente, apesar da sociedade ser menos estratificada, era marcada pela maior fluidez e indistinção entre brancos e mulatos. Isto acontecia porque o número de brancos era muito pequeno, o que dificultou inclusive o preenchimento dos cargos das câmaras municipais, que deviam ser exclusivos dos homens brancos. As primeiras autoridades assustavam-se, por exemplo, com a ampla participação de mulatos nas Câmaras e em outros cargos da administração pública e a generalização do costume de mancebia e concubinato com negras forras.
 Já a sociedade da segunda metade dos setecentos foi caracterizada pela maior estratificação, resultante da generalização das relações consensuais entre brancos, mulatos e negros. Porém, tendeu a se organizar de forma mais hierárquica e menos fluida, demarcando melhor as diferenciações de cor e status entre a camada de libertos. Houve, consequentemente, uma maior preocupação da elite branca e livre de se distinguir da camada de mulatos e libertos que proliferava nos arraiais. Esta tensão resultou na criação das Irmandades de São Francisco e Nossa Senhora do Carmo, que pretendiam ser restritas aos estratos mais altos. Também contribuiu enormemente a cruzada moralizadora do Estado e da Igreja, essa última esquadrinhando a região através das Devassas Episcopais, cujo principal alvo era o concubinato.
 Em 1766, Antônia de Oliveira Silva, parda, era irmã das Almas e da Terra Santa no Tejuco. Na Bahia, de onde era natural, era irmã do Carmo e de São Francisco e deixou esmolas para a celebração de duzentas missas em intenção de sua alma nos conventos destas Ordens na cidade de Salvador. No final do século XVIII, a crioula Rita Paes Gouveia321 era
                                                         
 321 DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 521, f. 35-35v.
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irmã das Almas e, em 1815, a negra Ana da Encarnação Amorim era irmã do Rosário, Mercês e São Francisco de Assis, revelando o trânsito social que a condição de forra lhe abria. Ignês de Santa Luzia, mulata, filha natural de uma branca chamada Maria da Conceição pertencia à pretensa seleta Irmandade do Carmo do Tejuco. As autoridades que registraram a abertura de seu inventário trataram-na por Dona, sinal de que não era uma qualquer no arraial e, certamente, a cor de sua mãe facilitava sua aceitação.
 A análise dos dados relativos às Igrejas onde foram realizados os sepultamentos confirma a mesma tendência acima: a maioria absoluta foi enterrada na Igreja do Rosário, mas realizaram-se funerais em Igrejas de brancos, negros e mulatos. Os enterros nas Igrejas Matrizes do Tejuco, Vila do Príncipe concentraram-se até a década de 1760 e no Rosário a partir de 1790, confirmando as mesmas tendências de conformação da sociedade mineira ao longo do período.

QUADRO X Igrejas onde foram enterradas as testadoras IGREJA NÚMERO % Rosário 14 60,8 Matriz 6 26,0 Mercês 1 4,4 Na. Sa. Carmo 1 4,4 Amparo 1 4,4 TOTAL 23 100,0 Fonte: BAT e AEAD. Testamentos de mulheres forras. Lista completa em Fontes, p.100-101.

Todos os enterros foram realizados com pompa, isto é, servindo de sinais exteriores de dignificação: Maria Vaz da Conceição322 exigiu que sua missa de corpo presente fosse rezada por oito sacerdotes, Gertrudez Angélica da Glória323 pediu que fossem seis os celebrantes, Inês Fernandes Neves324 que fossem em número de dez as missas de corpo presente, Bernardina Maria da Conceição325 fez-se acompanhar de todos os sacerdotes que estivessem
                                                         
 322DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26,. Caixa 521, f. 49v-50. 323Ibid., f. 70-70v. 324DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres, op. cit., nota 152, maço 26. 325DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 350, f. 38v-40.
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no arraial por ocasião de sua morte, Maria Martins Castanheira326 pediu que seu corpo fosse acompanhado de seu Reverendo Pároco, dois capelães das Irmandades das Mercês e Rosário da qual era irmã e mais um sacerdote, posteriormente dez missas seriam rezadas por sua alma com a presença de todos os capelães do arraial, Tereza Feliz reservou dois vinténs para cada pobre que acompanhasse seu corpo à sepultura e pediu que seu velório fosse realizado em casa.327 Com exceção de Maria Vaz da Conceição,328 que pediu que seu corpo fosse amortalhado num hábito de lã, e Isabel da Silva329, cujo corpo foi enrolado num lençol, todas as demais foram enterradas vestindo o hábito de São Francisco ou Na. Sa. Carmo, com predominância para o primeiro. A negra Maria Martins Castanheira330 determinou que se lhe enrolasse na cintura o cordão de São Francisco das Chagas, santo protetor dos pardos. Como mulheres de seu tempo, significativa parte do espólio das forras era gasta na celebração de missas, fossem elas de corpo presente, ou em memória de suas almas. Era costume também celebrar missas por parentes mortos, pelas almas do purgatório e por escravos, para as quais também deixavam esmolas às igrejas onde seriam rezadas ou a instituições como Irmandades. A crença no Purgatório como local de remissão das culpas criava um rito forçado de passagem para a elevação da alma. Também as forras reservavam grande parte de seu espólio para a celebração de missas específicas para as almas que se encontravam no estágio intermediário entre o Céu e a Terra. Entre as inúmeras missas deixadas por todas as forras, destaca-se a precisão com que dispôs Tereza Feliz: dez celebradas na Matriz do Serro e vinte no arraial do Tejuco, nas Igrejas do Carmo, Mercês, São Francisco, Bonfim e Amparo, nesta última em altar privilegiado.  Como se pôde observar pela análise acima, Chica da Silva não estava só. O novo mundo e, principalmente, o rush minerador abriram espaços para a mobilidade social, apesar das tendências hierárquicas da sociedade. Observe-se, por exemplo, que, na prática, os estatutos excludentes das Irmandades mineira foram burlados, devido à ascensão dos estratos
                                                         
 326DIAMANTINA Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico, op. cit., nota 26, Caixa 521, f. 387v-388. 327Ibid., f. 48-49. 328Ibid., f. 49v-50. 329Ibid., f. 79v-80. 330Ibid., f. 387v-388.
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sociais de forros e mulatos livres. Se a escravidão era fator de segregação, a conquista da alforria tornava-se condição para que, uma vez imersos no mundo livre, homens e mulheres buscassem os mecanismos e símbolos de dignificação social.
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O estudo dos legados dessas vinte e três mulheres forras no Distrito Diamantino, entre 1751 e 1820, revelou multiplicidade e diversidade, onde abandonava-se o universo da escravidão e aproximava-se do mundo branco e livre. Todas as testadoras afirmaram, em seu "testamento", que eram analfabetas e, as que não eram africanas, eram filhas ilegítimas de relações consensuais. Percebe-se que, por meio de sua agência e trabalho, essas mulheres construíram novas formas de viver. Nas Minas Setecentistas, Chica da Silva não era única, como se acreditava, mas Chicas eram as muitas negras e mulatas que pelo próprio trabalho abriram espaço para seu viver, numa sociedade que, por princípio, era-lhes totalmente desfavorável: mulheres que conquistavam sua liberdade numa ordem escravocrata.



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Mendes, José Antônio. Governo de mineiros, mui necessário para os que vivem distantes de professores seis, oito, dez e mais léguas, padecendo... Lisboa: Oficina de Antônio Roiz Galhardo, 1770. 1 v. Oferecido ao Senhor Coronel Antonio Soares Brandão, cirurgião da Câmara de Sua Majestade Fidelíssima e Fidalgo de sua Casa, Cirurgião mor dos Reinos, seus domínios e exércitos.
PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII.. São Paulo: Anna Blume, 1995. 1 v.
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DOCUMENTOS HISTÓRICOS E DOCUMENTOS LEGAIS

BELO HORIZONTE. Arquivo do IPHAN. Pasta de Tombamento da Igreja do Carmo de Diamantina. Cópia do documento com que Sua Majestade foi servida confirmar a ereção da Capela da Venerável Ordem Terceira da Nossa Senhora do Monte do Carmo do dito arraial.
________. Pasta de Tombamento da Igreja de São Francisco do Tejuco.
BELO HORIZONTE. Arquivo Particular Assis Horta. Documentação do Convento de Macaúbas.
BELO HORIZONTE. Arquivo Público Mineiro. Fundo Câmara Municipal de Sabará. Código 24, f. 86-87v
COIMBRA. Arquivo da Universidade de Coimbra. Actos e graus de estudantes da Universidade por faculdade.
DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico. Ana da Glória dos Santos. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 521, f.397-398.
________. Anna Maria de Freitas. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 521, f.120.
________. Antônia de Oliveira Silva. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 350. f. 162-163.
________. Bernardina Maria da Conceição. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 350, f. 38v - 39.
________. Casamentos no Arraial do Tejuco. Caixa 335.
________. Documentos avulsos da Ordem Terceira de São Francisco;. 1781-1782. Caixa 503.
________. Documentos avulsos. Caixa 478.
________. Documentos sem identificação. Caixa 230.
175


________. Entrada de Irmãos professos na Irmandade do Rosário; 1782-1808. Caixa 514.
________. Entrada de Juizes e Juízas Irmandade Nossa Senhora das Mercês. Caixa 510.
DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico. Gertrudez Angélica da Glória. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 521, f. 70-70v.
________. Irmandade de Nossa Senhora das Mercês. Caixa 520.
________. Irmandades do Arraial do Tejuco. Fábrica da Capela de Santo Antônio. Caixa 509.
________. Isabel da Silva. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 521, f. 79v-80.
________. Isabel Gomes. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 350, f. 84v - 85v.
________. Joana Carvalho. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 350, f. 166-167.
________.Josefa da Costa da Visitação. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 350 f. 32v.
________. Josefa Dias. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 521, f .76v-77.
________. Livro da Fabriqueira da Capela de Santo Antônio. Caixa 509.
________. Livro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário; 1750-1794.
________. Livro de Batismos do Arraial do Tejuco.. 1745-1765. Caixa 297
________. Livro de batizados; 1806-1812. Tejuco. Caixa 298
________. Livro de Entrada da Irmandade de São Miguel e Almas. Caixa 519.
________. Livro de entradas. Caixa 519.
________. Livro de Inventário da Irmandade do Rosário; 1733-1892. Caixa 514.
________. Livro de Óbitos; 1777-1789. Caixa 358.
________. Livro de Óbitos; 1785/1810. Caixa 351.
________. Livro de Termos do Serro do Frio; 1750 - 1753. Caixa 557.
________. Livros de Óbitos. Ordem 3ª de São Francisco. Caixa 350.
________. Livros dos Irmãos da Terra Santa no Tejuco. Caixa 509.
________. Luzia Gomes Ferreira. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 521, f. 367v368.
176


________. Maria de Souza da Encarnação. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 350, f. 34-34v.
________. Maria Martins Castanheira. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 521, f.387-388.
DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico. Maria Vaz da Conceição. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 521. f. 49v - 50.
________. Ordem Terceira do Carmo; 1763-1808. Caixa 541.
________. Rita Paes de Gouveia. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 521, f.35 35v.
________. Rosa Fernandes Passos. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 521, f.102.
DIAMANTINA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico. Tereza Feliz. Livro de Registro de Óbitos do Tejuco. Caixa 521, f.48 - 48v.
DIAMANTINA. Biblioteca Antônio Torres. Ana da Encarnação Amorim. Cartório do 1. Ofício. Maço 4.
________. Ana da Glória dos Santos. Cartório do 1. Ofício. Maço 4.
________. Ignês de Santa Luzia. Cartório do 1. Ofício. Maço 26.
________. Inês Fernandes Neves. Cartório do 1. Ofício. Maço 26.
________. José da Silva e Oliveira. Cartório do 1. Ofício. Maço 28.
________. Maria de Azevedo. Cartório do 1. Ofício. Maço 58.
________. Rita Vieira de Matos. Cartório do 1. Ofício. Maço 65.
LISBOA. Arquivo Histórico Ultramarino. Documentos avulsos de Minas Gerais. Caixa 9, doc. 53.
________. Manuscritos avulsos de Minas Gerais. Caixa 60, n. 29.
LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Cartórios Notariais. 5B, Livro 75, caixa 15. notas, actual 12.
________. Cartórios Notariais. 5B, livro 78, caixa 15, atual 12.
________. Cartórios Notariais. Livro. 300.
________. Casa da Suplicação. Juízos Diversos. Inventários. Maço 375, caixa 2093.
________. Chancelaria Antiga da Ordem de Cristo. Livro 235.
177


________. Chancelaria de Dom José I. Livro 86.
________. Chancelaria de Dona Maria I. Livro 6.
________. Chancelaria de Dona Maria I. Livro 23
________. Chancelaria de Dona Maria. Livro 15.
________. Chancelaria de Dona Maria. Livro 22.
________. Desembargo do Paço. Estremadura. Maço 707, doc. 10.
________. Desembargo do Paço. Estremadura. Maço 706, doc. 32.
________. Desembargo do Paço. Estremadura. Maço 1078. n. 11.
________. Desembargo do Paço. Estremadura. Maço 2112. doc. 37.
________. Desembargo do Paço. Ilhas. Maço 1342. Doc. 7.
________. Habilitações da Ordem de Cristo. Letra S, maço 5, doc.5.
________. Índice de Leitura de Bacharéis. João Fernandes de Oliveira. Maço 22, doc. 37.
________. Leitura de Bacharéis. Letra L. maço A, doc. 24.
________. Ministério do Reino. Livro 209.
________. Ministério do Reino. Livro 214.
LISBOA. Arquivos Nacionais da Torre do Tombo. Núcleos extraídos do Conselho da Fazenda. Junta de Direção Geral dos Diamantes. Livro 3.
________. Papéis do Brasil. Avulso 7. n.1.
________. Registro geral de Testamentos. Registros paroquiais. Livro 312, n. .1 Caixa 7. Microfilme 1019.
MACAÚBAS. Arquivo do Recolhimento de Macaúbas. Livro de registro de entradas no Recolhimento.
________. Livros avulsos.
________. Termo de paga dos dotes das três sobreditas.
MARIANA. Arquidiocese. Arquivo Eclesiástico. Devassa de 1748-1749. Prat. Z, n. 4, f. 55v.
RIO DE JANEIRO. Arquivo Nacional. Regimento do Recolhimento de Macaúbas. Caixa 130, pac. 2, doc. 57.
178


SABARÁ

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