Um de seus amigos residente
num distrito da cidade, o convidou e mais alguns companheiros, para comerem um
puxado molho pardo e apreciarem uma pinga de mais de trinta anos. Este era o
ponto alto do almoço, conferir a certidão de idade da branquinha, que viera
pela boca do fabricante ao anfitrião. No dia marcado apareceu com os outros
convidados, para degustarem o delicioso uísque nacional. Depois das apresentações do estilo a todos
familiares com o clássico muito prazer, as mais dez vezes uma mentira
convencional, começaram a provar a caninha que envelhecera três décadas para
regalo dos apreciadores. Tomada aos goles como néctar dos deuses o nosso hábil
artista, fabricante de taças para conter estes preciosos líquidos, e que se
gabava de conhecê-lo pelo paladar á idade, duvidou da velhice da cachaça.
Enquanto o aperitivo corria na sala nos cálices transparentes, lá dentro na
panela chiava o velho galo. Destronado, por um frango ousado e atrevido, agora
sem império no galinheiro, seu fim seria aquele, acompanhar o farrancho do
natalício da “azulzinha” e ser sacrifício em holocausto aos visitantes. De
carnes duras atiçavam fogo a vontade, puseram prego, folha de mamão,
bicabornato para que cozinhasse depressa, mas a ave resistia . Que esperavam de
um galo que já perdeu as esporas em pernas cheias de escamas, cristacaldas e
encaroçada, mal cantando pela madrugada e assim mesmo olhe lá, sem repinicar.
Não tinha mais fôlego para dar um nó de peito com substância e entusiasmo. Como
nos velhos, agora tudo era bagaço. Os músculos perdem a elasticidade e se
enrijessem, as artérias endurecem e calcificam, a pele escorrilha e pergaminha.
Os pêlos caem e entra a série dos postiços com alguma babados cantos da boca.
Da peruca ao olho de vidro, da dentadura a funda, tudo anuncia a velhice maior
castigo de Deus dá ao homem. Fica na vida como inútil, ora batendo as
dentaduras ou se coçando, implicando com tudo e arrastando os chinelos enfiado
num pijama. Para a terra consumir gente de mais janeiros, tem que dar um durão,
porque a carne não tem sabor e já cheira a mofo. Assim era o pobre galo. O
almoço atrasara porque teimava em não se deixar cozinhar. Lá pelas tantas o
puseram assim mesmo na mesa, meio lá meio cá porque o pessoal já tinha o
estômago gritando. Nosso artista do buril era também artista no comer e
aferrou-se com unhas e dentes ao molho
pardo com angu. A empreitada estava difícil. Nisto dele se aproxima o anfitrião
e vendo o tomar um gole da pinga perguntou-lhe! Que tal a cachaça de trinta
anos? Ele pelejando para cortar um pedaço do galo que lhe tocara, ainda bem
duro e gaguejando um pouco, respondeu sem rebuços: “O galo pode Ter trinta
anos, mas a cachaça não tem não”.
Salus, VD,
pg.1, nº23, 1970.
Nenhum comentário:
Postar um comentário