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quarta-feira, 6 de abril de 2022

CIRCO DE CAVALINHO

 O circo de cavalinhos estava armado na Cavalhada Nova. Os meninos e muita gente sizuda ardiam em curiosidade de assistir ao Homem Bala que cartazes berrantes anunciavam para o espetáculo da noite.

Armavam-se os camarotes familiares com colchas vistosas de seda da Índia.

Meninos anunciavam pastéis de carne e pencas de papel com queimados de açúcar.

Alguns pais, mais prudentes, hesitavam em atender aos pedidos dos filhos, anciosos de irem ao circo, com receio dos rolos, então muito freqüentes nesses espetáculos.

Desde cedo, em propaganda, o palhaço, na cabeça um longo capacete cônico, rosto caiado de alvaiade, vestes largas e multicores, percorria as ruas da cidade a cavalo, montado com as costas voltadas para a cabeça, do animal, seguido de uma chusma de meninos.

Gritava: O tatu sobe pau

O coro: É mentira, docê.

Papagaio não come salada.

Os meninos: Porque leva cebola picada.

Pisei na copa do meu chapéu.

A garotada: Mulher papuda não vai ao céu.

Se via alguma preta na janela, gritava:

Súbito, desmembra-se do séquito um grupo de menino e acercam-se de um velho maltrapilho, vestido com uns restos de fraque, na cabeça, um esburacado de chapéu côco, mordicando um araçá pedra, tira-gosto da

cachaça bebida. Eram o Salatiel Moreira, o Manoel Pitilica, o Elyzeu Caraôlho, o Antônio Timoteo e o Quinquim Caragé, temidos chefes da garotada diamantinense.

As risotas e ditos provocadores, respondia o velho delicado e pausadamente: Meninos não bulam comigo, se não eu lhes mandarei os nomes das senhoras mães.

Vista da Cidade Antiga de Diamantina - Acervo: Internet

Na rua atrás da Sé, estavam as quitandeiras e, frente aos taboleiros, sentadas no chão com as costas apoiadas na pedreira de arrimo do cemitério da Igreja de Santo Antonio.

Tia Rosa, preta africana, beiçuda, trunfo na cabeça, de linhagem real, ex-escrava da família Bêabá, a bondosa quitandeira vendia a um menino dois pés de moleques por 40 réis, escolhendo, a pedido do frequêz, os mais bichentos, isto é, com mais amendoim.

A Idalina, com o lábio inferior de um vermelho gritante, cantava e penteava uma filha, convencendo a um tropeiro da excelência de suas brôinhas. Ainda que mal pergunte, que gêneros trouxe o sr. Para vender? Perguntou muito bem. Não trouxe nada, tia Idalina, desta vez eu vim escoteiro.

Tia Brigida, abanava a mão, espantando as moscas que, vorazes, atacavam suas queijadas e doces de cidra.

A Eva do Moreira, toda pimpona, num rumor de anáguas engomadas, levava na cabeça um taboleiro coberto com uma toalha rendada. Não se rebaixava a sentar com as outras na Quitanda; orgulhava-se de vender, nas casas ricas e arremediadas, empadinhas de galinha em pratos de louça, a 500 réis, devolvido o prato.

A Fructuosa Pau de Sebo, alta, com o chalé traçado sobre o ombro, deixando o outro a descoberto, mostrando a camisa de crivo, enfeitada, de chiada (hoje sinhaninha e sinhá teresa), anunciava frango gordo a três cobres. O bom e inofensivo Salviano, gingando nas pernas tortas, levava na cabeça um pote de barro para encher no Chafariz da Câmara, mostrando, num riso imbecil, as gengivas pretas, desnundas de dentes.

Na parte externa do Rancho do Juca Corrêa, hoje livraria de José Motta e Farmácia de Gustavo Botelho, os animais aliviados da carga, resfolegavam, enxotando com as caudas as moscas importunas.

Dentro, no chão calçado de pedras largas, um amontoado de buracas, jacás de taquaras e sacos de algodão, cheios de gêneros. Os tropeiros negociavam, de chapéu de couro ou lenço na cabeça, camisa aberta, mostrando no pescoço um rosário de contas de louça branca e preta e um grande cigarro de palha apagado atrás da orelha. Alguns traziam no dedo uma memória de celuloide em forma de cobra,

Brant, J.E. Caldeira, VD, pág. 3, nº 45, 1950.

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