Diamantina—1888.
No
decênio de 1885 a 1895, morávamos, em Diamantina, numa casa de dois andares, á
rua Atrás da Sé. Pouco adiante, na descida para a Cavalhada Nova, era a casa do
velho farmacêutico Manoel Procópio AlvesFerreira e D. Jacinta, com vários filhos,
entre outros Genesco, Elpidio, e Artur Napoleão, que posteriormente foram meus
professores na Escola Normal.
Todas
as tardes, na porta da botica (não se dizia farmacia), um creoulo de dez a doze
anos, Abel, muito gago, assentado no chão, em frente a um grande almolariz de
latão amarelo, segurando no cabo com as duas mãos ia socando com sonora batidas
metálicas, ervas medicinais para preparo dos remédios.
Era
um dos escravos do sr. Manoel Procópio. Entre eles sobresaía uma mesma quase
branca, Cecília, muito bonita simpática. No Brasil, como nos Estados Unidos, nos
fins da escravidão, com o cruzamento das raças, iam nascendo nas classes de cor,
crianças brancas e mesmo ruivas e loiras, (Vide «Cabana de Pai Tomás» de
Harriet Beecher Stowe).
Correrem
os anos. Quando chegou em Diamantina, pelo telégrato, a notícia, sua libertação
dos escravos, as ruas se encheram de negras e negros, crioulos e africanos, numa
algazarra inicial, dançando e cantando, acompanhamento de instrumentos bárbaros,
urugunges e pandeiros.
Nessa
memorável tarde de Maio de 1888, na porta da loja de meu pai, diversos amigos e
correligionários comentavam os acontecimentos:: Barão do Paraúna, Justiniano
Miranda, tio João Caldeira, Diniz Tameirão, Joaquim Honorato, José Marques
Nogueira Guerra, João Raimundo Mourão, Joaquim Lessa, João Nepomuceno Kubitschek,
Olímpio Mourão, Cadete Antônio Eulálio, Augusto Cesar de Azevedo Belo, Vicente Torres,
Lulu Vidinha, José da Matta e outros. Vendo passar (a bonita Cecilia, meu pai
brincou com ela:
— Então
Cecilia, está muito alegre com a liberdade?
— A
jovem era escrava, pois nascera antes da Lei do Ventre Livre, de 28 de Setembro
de 1871.
— Qual
siô Augusto, isto até parece um sonho
respondeu ela.
Meu pai continuou.
—Quando
você esteve em Ouro Preto, viu a Imperatriz?
É
preciso uma explicação Um ano antes, o farmacêutico e D. Jacinta, por ocasião
da visita a Ouro Preto o Imperador e da Imperatriz, foram àquela capital,
levando Cecilia.
A
Praça da Independência na tarde da chegada, encheu-se de enorme multidão para
aclamar os soberanos, todos a pé, pois na cidade não havia carros, pela
impossibilidade de locomoção nas ruas Íngremes.
Meu
pai continuou:
— Cecília,
Você viu de perto o Imperador e a Imperatriz?
— Vi
sim senhor, respondeu ela orgulhosamente Até na confusão do atropelo, a
Imperatriz me pisou no pé.
Este
episódio era sempre citado pela interessante, Cecília: ter sido o seu pé pisado
pela imperatriz do Brasil..
Ciro
Arno, Diamantina -1888, Voz de Diamantina, pág. 3, 15 de fevereiro de 1970, nº
16.
Foto internet: Acervo Zé da Sé.
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