No decênio
de 1855 a 1865, existia em Diamantina uma original sociedade secreta,
constituída por moços das principais famílias e alguns elementos das classes
baixas da cidade, intitulada “Os Cavaleiros do Diabo”, cujo fim era se divertirem
á custa do povo, com troças excêntricas e inéditas.
Essa sociedade, regida por um
draconiano código maçônico, fazia suas reuniões clandestinas e abosulatemente
secretas, entre meia noite e duas horas da madrugada, numa caverna da Gupiara a
que chamavam “Gruta de Plutão”; mas quando o tempo estava chuvoso e havia
necessidade urgente de uma sessão, os Cavaleiros do Diabo reuniam-se na loja de
um associados, no Beco do Mota.
Os principais membros eram: Juca
Americano (o chefe da malha), rapaz prestimoso, insinuante e alegre, filho de
um abastado negociante de diamantes, três primos seus – os irmãos Serafim,
Mauricio e Juscelino Moura, Juca Dias, exímio tocador de violão; Venâncio
Mourão, Americo Trindade, Estevão Polamiesky, moço polaco que fora para Diamantina,
supondo aquela cidade um El-Dourado, onde se catavam diamantes nas ruas, e por
ali ficara exercendo o ofício de seleiro.
Rara era a semana em que os
Cavaleiros do Diabo (cuja existência só era sabida pelos sócios), não faziam um
troça, ás vezes perversa e de mau gosto: besuntar de tabatinga as portas das
lojas, destelhar as casas; colocar secretamente nos quartos de dormir das
vítimas cobras, a que previamente arrancavam os dentes; lançar poaia em pó nos
potes e moringas dágua; roubar galinhas nos quintais e substituí-las por
corujas e urubus; nas reuniões, nas igrejas e nas procissões, prender as saias
das mulheres, umas ás outras , com alfinetes.
Foto do acervo Zé da Sé - Praça da Catedral (1937)
Numa vasta casa, á rua Jogo da Bola,
residia, então solitariamente, na mais abjecta avareza, um sexagenário e
solteirão, de nome Alonço Lage, de avultados haveres em prédios, apólices e
objetos de ouro e prata, velho intratável e muito insolente. Os Cavaleiros dos
Diabo resolveram pregar um peça aos parentes deste Rapagão (irmãos, primos e
sobrinhos), os quais residiam em fazendas e povoados distantes, de onde
costumavam remeter presentes de gêneros, queijos, aves e leitões ao velho
avarento, afim de não ficarem esquecidos no testamento.
Certa noite, os incorrigíveis
trocistas despacharam secretamente emissários em diversos pontos a esses
herdeiros, levando-lhes a falsa notícia de ter o rapagão morrido
repentinamente, de uma apoplexia. Dias após chegavam a cavalo, á porta do
Alonço, vinte e tantos parentes de ambos os sexos (com o intuito de começarem
ocupando a casa...), alguns trajados de luto e com o semblante compungido.
Imagine-se o despontamento dos herdeiros, ao verem chegar á porta, cheio de
vida e saúde, o velho malandro, e a fúria deste, ao saber da perversa notícia
de sua morte. O opulento celibatário não quis hospedar, em sua vasta casa, nem
mesmo três irmãos e duas velhas irmãs indo todos os parentes arranchar na
Intendência de Cima (mercado de tropas), em promisscuidade com brutos
tropeiros.
Na rua do Amparo, havia um grande e
bem sortido armazém de gêneros alimentícios, o melhor da cidade, cujo
proprietário, Lourenço Vidinha, era um sujeito violento e muito malcriado. Os
Cavaleiros do Diabopregaram-lhe uma partida, que quase arruinou o comerciante.
Por prévia combinação pegou cada um deles diversos ratos, reunindo
conjuntamente cerca de quinhentos desses roedores, os quais, após um jejum de
vinte e quatro horas, eles soltaram á noite no referido armazém, cujas portas
tinham aberto com chaves falsas. Os ratos fizeram horrível devastação nas mercadorias
do negociante, que sofreu enorme prejuízo.
Mas, a troça mais estupenda desses
rapazes, foi a seguinte. Em frente á igreja de Santo Antônio (Catedral), havia
nessa época um kiosque pertencente á um francês, Luiz Galet, que ali vendia em
pequena escala, bebidas, comestíveis (sardinhas, biscoitos, broas, pastéis,
caragés,etc) e cigarros, Tendo um dos Cavaleiros do Diabo, tido um atrito com
esse negociante, propôs aos companheiros tirar dele uma vingança . E assim
combinaram e levaram a efeito uma troça, que causou sensação em Diamantina.
Ás duas horas de uma madrugada
escura, estando aquele local absolutamente deserto. Juca Americano, seus primos
Juscelino, Maurício e Serafim e alguns outros companheiros, com a cumplicidade
do sacristão da igreja de Santo Antônio, que era membro da Associação,
amarraram o kiosque com grossas cordas e, sem fazerem barulho, vencendo
dificuldades inaudítas, com perigosas operações acrobáticass, o içaram até o
alto da torre, em cujo cume o prenderam fortemente com correias de couro.
No dia seguinte, ás sete horas da
manhã chegando Luiz Galet ao local, como de costume, para abrir o negócio,
ficou assombrado por não encontrar o kiosque. Ás exclamações do pobre homem;
foi juntando gente, em frente á igreja. Começaram a fervilhar os comentários
sobre aquele caso misterioso. Como teria desaparecido o Kiosque? Um homem só
não poderia tê-lo removido dali, por causa do peso. Deveria haver vários
cúmplices. Mas, em Diamantina, não havia ladrões tão audácios. Era um mistério
que parecia “assombração”. Chamassem o delegado para providenciar... Enquanto os grupos assim palestravam, chegou
o Juca Americano:
- Então, que
houve?
O
Kiosque do Gallet desapareceu, disse um circunstante.
-
Ora essa!... É verdade! – exclamou o Juca,
fingindo, só então ter notado a falta do kiosque
- Que fim levou ele?
- Incêndio
não foi, comentou um velho – sinão ficariam cinzas e carvão.
- A que
atribue você esse sumiço? Perguntou Juca Americano ao francês.
- Não sei,
respondeu o infeliz.
- É um
perfeito mistério! Ainda ontem de noite ele estava aqui.
- Até aí morreu o Neves! – replicou, rindo, o Maurício
Moura – Que até ontem o kiosque esstava aqui, sabemos todos. O que precisamos
descobrir é onde ele está agora!
Nesse momento, veio correndo
da rua Direita um menino a gritar: - O
kiosque está em cima da torre da igreja!
O numeroso grupo correu até a frente do edíficio,
onde está hoje o Familiar Club, que depois pertenceu ao comendador José Ferreira de Andrade Brant, o qual ali
faleceu, repentinamente em 20 de abril de 1910, há quarenta anos por
conseguinte. Todos olharam para cima e verificaram atônitos e petrificados, que
o o menino dissera a verdade! O kiosque estava no alto da torre!
Seu
proprietário, Luiz Gallet, aliviado e assombrado, parecia uma estátua de mármore.
Em torno dele começaram os comentários sobre aquele caso sensacional:
- Não há
forças humanas que sejam capazes de um esforço como este, numa cidade pequena,
e sem ninguém perceber!
- Então o
kiosque voou por si?
- Parece arte
do demônio!
-
Cruz! Credo! Vá para as areias gordas! ( Vá para as
areias gordas! Frase com que se esconjura o diabo, em Diamantina).
-
É incrível como conseguiram levá-lo aquela altura!
-
Qual! Ele voou sozinho! É um milagre!
-
Esses comentários não adiantam! Exclamou o Juca
Americano, - vamos tentar descer o kiosque intacto. É um serviço que prestamos
ao nosso amigo Gallet!
Mandou-se chamar o sacristão que abriu a igreja.
Subiram então á torre o Juca Americano, seus primos e outros sócios dos
Cavaleiros do Diabo. Ao chegar lá em cima, o Juca abriu discretamente o
canivete, e começou a gritar para o povo aculado em frente á igreja:
- Atenção! Atenção! Afastem-se
daíque a corda está arrebentando e o
kiosque vai cair! Saiam depressa!!
O
grupo afastou-se correndo; ele então cortou as correias que prendiam o kiosque,
despencando-se este, que estraçalhou no adro da igreja, fazendo saltar cacos de
garrafas, biscoitos, doces, latas de sardinhas e gêneros diversos. Numerosos
meninos, entre gritos e assuados, correram para junto dos despojos, que foram
rapidamente saqueados, entre os protestos e lamentações do pobre francês.
Desde
esse caso sensacional, o infeliz proprietário do kiosque, começou a definhar, a
emagrecer, afastando-se do convívio social, manifestando sintomas de alienação
mental, até que certa madrugada, foi encontrado morto no adro da igreja de Santo
Antônio (antiga Catedral), de costas, com os olhos abertos , como olhando para
cima, á procura do kiosque...
Esta original sociedade extinguiu em 1865, por terem seus principais chefes,
seguido como voluntários para a Guerra do Paraguai. Esses rapazes se portaram
valentemente na memorável campanha. O Juca Dias, morreu heróicamente , ao
retomar a bandeira brasileira, de um grupo de paraguaios.
ARNO, Ciro. Voz de
Diamantina, A Metrópole do Norte, XVIII...
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