Lembram-se os nossos patrícios
antigos que nos visitam, agora, daquele bolo de arroz, tão apreciado e
procurado antes e depois da missa da madrugada, aos domingos, na velha e saudosa
Sé?
Quem o fornecia, quentinho,
apetitoso, com café, era, a princípio, a Alexandrina, depois a Herculana, e nos
últimos tempos, as saudosas Maria Georgínia, Julinha, Cosfa e outras.
E as festas religiosas? Havia
os tradicionais mastros arrojados, com fogueiras da nossa canela, excelente
combustível dos nossos campos, onde nascem também as modestas sempre-vivas,
hoje fidalgas, pelo apreço que têm no estrangeiro.
Ruidoso rufo de caixas tocavam
dois ou três pretos, desde a madrugada, pelas ruasda cidade, ao mesmo tempo,
que uma banda de música, em alvorada,, depois do bolo com café, percorria as
ruas da cidade. A pirotequinia era exagerada, com filas e filas de fogos
trancafiados, parecendo extensas grades de ferro, sobressaindo os castelos de
fogo multicorese morteiros.
No gênero de danças
tradicionais, imperavam os caboclinhos, marujada, catopês (esta só na festa do
Rosário), e o grotesco boi pintado, feito de jacá, coberto com uma colcha de
chitão.
A original dança de velhos era mui rara.
Coisa que comovia! Quando saía o Santo Viático, para
um enfermo, em perigo de morte, que solenidade!
A porta do doente, se
destacava, aos olhos dos transeuntes, pela cortina vermelha que a guarnecia, e
pela clarinha areia-pérola das praias do Rio Grande, espalhadas em montículas
pelo chão, com folhas de café. O bendito, cantada pelos fiéis que acompanhavam
o Santíssimo, á noite, enternecia, emocionava mesmo as almas! As janelas das
casas das ruas, por onde passava o Viático, todos, sem exceção, todos os
moradores traziam a luz que tinham em casa: fossem velas, lampiões ou
lamparinas.
Outras festas simpáticas e
atraentes dos saudosos tempos era a dos Cruzeiros, em maio e junho. Erguiam-se
arcadas de bambús, guarnecidas de guarda-momo, e enfeitadas com as flores
vermelhas do papagaio indígena. Usavam-se lanternas multicores pelas arcadas, e
também candeias de azeite fumarento ao pé da cruz, feitas de argila vermelha ou
mesmo de cascas de laranja azeda, seca.
A folia do Divino, que saia, no
Sábado de Aleluia, da igreja do Amparo (naquele tempo Capela Imperial),
compunha-se de um bando precatório, de moças com a bandeira deo Divino,
acompanhada por alguns músicos, que tocavam uma composição original, sem
compasso, introduzida no Tijuco desde tempos coloniais, e cujo uso até hoje, é
conservado, por ocasião da tradicional festa.
Essa música esquisita dava um
que de solenidade aos atos diversos da festa, principalmente no imponente
império!
Os trajes eram a rigor, para
que se pudesse tomara parte no cortejo imperial. Não tomariam parte nele os
cavalheiros que não envergassem casaca, luvas brancas, botinas de polimento e a
clássica cartola.
E os casamentos então?
De ordinário realizavam na
igreja, e observava-se, á risca aquela formalidade de antecederem aos noivos,
no cortejo nupcial, as damas e cavalheiros de braços dados, até a igreja, á
cuja porta os aguardava uma das bandas sociais. Era também costume espalharem
areia, desde a porta da residência da noiva, á porta da igreja, onde se
realizava a cerimônia. Os convidados levavam o noivo á casa da noiva.
Diamantina antiga se
celebrizava pelos castelos (serenatas). Estas era a delícia dos namorados
apaixonados, em noite de luar de prata. Os trovadores das horas mortas da noite
eram consagrados, e as modinhas, “A ti flores do céu”, “Acorda minha beleza” e
outras eram apreciadíssimas pela população.
Antigamente Diamantina tinha
duas bandas de música: Corão e Corinho, Houve depois também a Banda Comercial.
As tardes dos domingos,
realizavam-as ensaiadas retrêtas no alto do Gupiara, alternadamente, e onde se
reunião muitos apreciadores da boa música.
Acervo Zé da Sé - antigo Mercado Municipal
Nesse tempo, impunham-se os
cigarros de fumo de corda, desfiado, do João Quati; as almôndegas e a pinga no
casebre da tia Plasta, no Beco da Tecla; os biscoitos de goma da Chiquinha Chicoteira, como os biscoitinhos do
Caetaninho do Palácio, companheiro de casa do João da Rita (João Henrique
Costa, músico e autor das Efemerides Diamantinenses). Tempos depois, fizeram
época os caragés da Frutuosa Pau de Sebo e da Maria Celestina.
Na Praça Barão de Guaicuí,
realizavam-se, de vez em quando, as célebres Cavalhadas, em belos cavalos
enfeitados.
O pau de sebo era a delícia do
povo, á custa do fracassos dos pobres moleques que tentavam galgar ao extremo
do poste ensebado, para apanhar as notas. Também o Judas, no Sábado de Aleluia,
era e ainda é uma diversão sui géneris, na terra.
Era costume, sobre certo
sigilo, colocar-se na barriga do boneco judas, feito de pano e capim, uma caixa
de maribondos, para afugentar os garotos, quando estes se investiam de pau
contra o Judas, ao ser despedaçado pelas bombas. As moedas de cobre antigas
(caianos, como as chamavam), eram atiradas, aquecidas, aos moleques, que
aguardavam, em infernal algazarra, o suplício do Judas.
Devo
agora falar do entrudo e do Carnaval daqueles tempos, entre nós. O entrudo era
grosseiro, incômodo, incivil e perigoso á saúde. Jogava-se água, havia banhos
em coxos d’água, caiação no rosto e as tais seringas de folha ou de bambú, com que maltratavam os pobres
transeuntes. O Carnaval em Diamantina, era, porém, divertido, pelo número de
máscaras interessantes, críticas que faziam, e pelas entusiásticas passeatas,
que se realizavam, ás tardes, partindo do teatro velho de S. Isabel. Os bailes
familiares no mesmo teatro, embora, públicos, eram respeitados, mas, em
compensação, havia o salão do povo cachorro, se bem que, naqueles tempos, não
se conhecia o imoral e depravado maxixe. Pouco depois, inventaram o cinzeiro
livre, onde dançavam as meretrizes fantasiadas. Era todo velado, mais debaixo
do mesmo teto do teatro, onde dançavam famílias. Que contraste!...
(do livro inédito do prof. J. Augusto Neves), VD. pág. 4, nº 15, 1949.
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